sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A extensão dos efeitos da falência de sociedade controlada à controladora

A extensão dos efeitos da falência de sociedade controlada à controladora
Fonte: Gazeta Mercantil
Publicado por: Coped
Data do documento: 23/09/2008
Começa hoje a publicação de artigos do advogado Jorge Lobo sobre a extensão dos efeitos da falência de sociedade controlada à sociedade controladora. O texto será dividido em três partes e publicado em três edições seguidas.
- A jurisprudência. Os Tribunais de Justiça do País têm decidido que deve "estender-se a falência", ou "os efeitos jurídicos da falência", "às sociedades do mesmo grupo" se ficar provado abuso da personalidade jurídica da sociedade falida para fraudar a lei, violar contrato ou prejudicar os direitos e interesses de terceiros, consoante se verifica do v. acórdão da colenda Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp. nº 228357-SP:
"O síndico da massa falida, respaldado pela Lei de Falências e pela Lei nº 6.024/74, pode pedir ao juiz, com base na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que estenda os efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver evidências de sua utilização com abuso do direito, para fraudar a lei ou prejudicar credores".
Anote-se, de imediato, que o período "... estenda os efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo" deve ser entendido restritivamente, pois é um absurdo pensar-se na aplicação da teoria da desconsideração para estender os efeitos da falência
(a) da controladora para sociedades controladas ou coligadas;
(b) de controlada para outras controladas ou coligadas e
(c) de coligada para suas controladoras e demais sociedades do mesmo grupo, e, em conseqüência, em tese e apenas em tese, como diligenciarei demonstrar, só há falar na teoria da desconsideração para estender os efeitos da falência de sociedade controlada para sua controladora.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica também tem servido de fundamento para a extensão dos efeitos jurídicos da falência de uma sociedade para outra quando restar demonstrado:
(a) haver confusão patrimonial entre sociedades grupadas com caixa único e utilização de idênticas instalações e pessoal;
(b) uso de diferentes denominações sociais e uma só pessoa jurídica;
(c) tratar-se de sociedades sob o mesmo controle com estrutura meramente formal;
(d) ter havido transferência de ativo da falida a preço vil para sociedade controladora ou controlada do mesmo grupo;
(e) serem sociedades controladas e administradas pelas mesmas pessoas, em geral da mesma família, etc.
Embora louvável o propósito de coibir a fraude à lei e ao contrato e de proteger terceiros de boa-fé contra abusos do controlador de grupo de sociedades de fato ou de direito, impõe-se rever e discutir, com profundidade, independência e espírito crítico, a orientação dominante da jurisprudência, eis que existem dispositivos na LSA e na LRFE que alcançam idênticos objetivos sem "quebrar" nenhuma sociedade do grupo econômico ao qual pertença a falida.
- II - Extensão da falência no direito pátrio. O D.L. nº 7.661, de 1945, não admitia a extensão da falência de uma sociedade para outra nem mesmo nas hipóteses de sociedades com sócios solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais, isto é, não havia previsão de extensão da falência: (a) das sociedades em nome coletivo para seus sócios (art. 316, do revogado Código Comercial; art. 1039, do Código Civil); (b) das sociedades de capital e indústria aos sócios capitalistas (art. 317, do Código Comercial de 1850); (c) das sociedades irregulares e de fato aos seus sócios (arts. 301 e 304, do extinto Código Comercial); (d) das sociedades em comandita simples aos sócios solidariamente responsáveis pelas dívidas (art. 311, do extinto Código Comercial; art. 1045, do Código Civil); (e) das sociedades em comandita por ações aos sócios diretores (arts. 280 a 284, da LSA, e 1090 a 1092, do Código Civil).
Em lamentável retrocesso, a Lei nº 11.101, de 2005, a LRFE, estabelece, no art. 81, e exclusivamente na hipótese nele especificada, por tratar-se de norma excepcional, que não autoriza nem interpretação analógica, nem extensiva, que "a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falências destes", o que jamais se dá em um grupo de sociedades, sempre formado apenas e tão somente por sociedades de responsabilidade limitada, seja sob a forma de sociedades anônimas, seja sob a forma de sociedades limitadas.
- III - Extensão dos efeitos jurídicos da falência a sociedades do mesmo grupo econômico. A partir do art. 5º, do D.L. nº 7.661, de 1945, que sujeitava os "sócios solidários ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais aos demais efeitos jurídicos que a sentença declaratória produza em relação à sociedade falida", e, sobretudo, fundada na teoria da desconsideração da personalidade jurídica do ente moral, mesmo antes do Código Civil de 2002, a jurisprudência, em casos especialíssimos, marcados por atos fraudulentos de várias naturezas e espécies, praticados com o evidente propósito de burlar a lei e fraudar credores, passou a admitir a extensão dos efeitos jurídicos da falência de uma para outra ainda que não se tratasse de sócios solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações e dívidas da falida (REsp. nº 63.652, da Quarta Turma do STJ).
Na prática, "estender a falência" ou "estender os efeitos jurídicos da falência" de uma sociedade a outra traz idênticas conseqüências jurídicas, econômicas, administrativas e políticas, pois: (a) a sociedade, para a qual foram estendidos os efeitos, tem seu estabelecimento lacrado, suas atividades paralisadas e seus bens e direitos arrecadados, custodiados e avaliados; (b) seus administradores perdem o direito de gerir os bens sociais e deles dispor, sendo imediatamente afastados da direção e substituídos pelo administrador judicial; (c) as dívidas da sociedade se vencem antecipadamente; (d) os administradores da sociedade ficam sujeitos aos deveres prescritos no art. 104, da LRFE, etc.

(Jorge Lobo - Advogado. )
Extensão dos efeitos da falência de sociedade controlada à controlador (II)
Fonte: Gazeta Mercantil
Publicado por: Coped
Data do documento: 24/09/2008
IV -Desvirtuamento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. É curial, conforme doutrina pacífica, exposta, com brilho, pelo preclaro professor Arnoldo Wald, que, "tanto a sociedade se distingue dos sócios, como cada um dos sócios, em particular, não se confunde com a sociedade, não podendo arcar com responsabilidade ou sofrer desvantagens decorrentes de atuação da empresa ... A criação da pessoa jurídica implica na estruturação de um novo sujeito de direito, com condições e peculiaridades que o separam de todos os demais, e que, segundo a melhor doutrina, é autônomo em relação ao seu substrato", arrematando, com estas palavras categóricas: "reconhecemos, pois, que os interesses da pessoa jurídica não se confundem com aqueles que pertencem aos seus sócios (pessoas jurídicas)",1 pensamento partilhado por Caio Mário da Silva Pereira 2 e Orlando Gomes 3, entre inúmeros outros doutrinadores nacionais e estrangeiros.
Por isso, pode-se afirmar que, em decorrência do instituto da personificação: (1º) a sociedade possui individualidade própria, distinta e autônoma, inconfundível com a dos seus sócios ou acionistas; (2º) a sociedade possui patrimônio próprio, distinto e autônomo, inconfundível com o patrimônio dos seus sócios ou acionistas; (3º) a sociedade possui capacidade jurídica própria, autônoma e distinta, inconfundível com a capacidade jurídica dos seus sócios e acionistas; (4º) os sócios ou acionistas não podem ser responsabilizados perante terceiros por obrigações e dívidas da sociedade; (5º) excepcionalmente, a autonomia jurídica e patrimonial da sociedade pode ser afastada, se e quando provado, (a) fraude à lei, (b) violação a norma contratual e (c) abuso de direito, porquanto, frise-se, com André Tunc, há uma nítida e óbvia e inconteste distinção entre a personalidade da sociedade e a dos seus membros, quer a consideremos como uma unidade autônoma, isolada, quer a consideremos como uma sociedade integrante de um grupo de sociedades de fato ou de direito", razão pela qual permanece, sobranceiro e intocado, no que tange ao direito positivo dos povos cultos, o princípio universitas distat a singulis, pois a personalidade jurídica acarreta a distinção plena e absoluta entre os direitos e as obrigações da sociedade e os dos sócios ou acionistas, que a compõem.
Esta é a regra legal, que vige, entre nós, e, também, por igual, em todos os quadrantes deste planeta.
Excepcionalmente, os tribunais têm se afastado desse princípio basilar do direito empresarial, para, descerrando o "véu", alcançar o controlador da pessoa jurídica e responsabilizá-lo por atos lesivos ao direito de terceiros, quer quando violadores de contratos, quer quando em fraude à lei, quer quando praticados com abuso de direito.
Na magistral sentença do douto juiz Antônio Pereira Pinto, sempre muito bem lembrada, colhe-se que "os tribunais germânicos, baseando-se nos conceitos de 'boa-fé', de 'poder dos fatos', de 'realidade da vida', de 'natureza das coisas', de 'consciência popular dominante' e, por vezes, aludindo às 'exigências ou necessidades econômicas', resolviam, por equidade, em casos isolados, deixar de lado a personalidade jurídica da sociedade, desconhecendo-a ou dela fazendo omissão, para investigar a situação real das coisas, os fatos e as pessoas que lhe servem de suporte"4.
No direito americano, essa doutrina recebeu a designação de disregard of legal entity e se converteu em instituto consolidado em matéria de direito de sociedades, 5 a ela devendo recorrer o juiz quando "a sociedade está sendo utilizada fraudulentamente para a violação de um contrato a que se vinculou o acionista majoritário" 6, pois, "se um devedor tenta subtrair-se de uma obrigação de fazer ou não fazer que assumiu, deixando ou fazendo com que uma pessoa jurídica atue em seu lugar, encontramo-nos em face de uma hipótese que equivale à tentativa de burlar a lei com a interposição da pessoa jurídica" 7, acrescentando mais: "se pessoa natural contraiu determinada obrigação de fazer ou não fazer, não pode subtrair-se ao seu cumprimento por via de sua ocultação atrás de uma sociedade anônima, pois, se tal ocorrer, o juiz, entendendo que a estrutura formal da pessoa jurídica foi utilizada de maneira abusiva, prescindirá da regra fundamental que estabelece a separação radical entre a sociedade e os sócios, a fim de que não vingue o resultado contrário ao direito que se tem em vista" 8, eis que pode ser negada a personalidade da corporation quando o que se pretende, por meio dela, é violar uma obrigação contratual.
Destarte, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica pode e deve ser aplicada pelo juiz, em caráter excepcional, em casos específicos e especialíssimos, sempre que o sócio ou acionista controlador, para subtrair-se a uma obrigação de fazer ou não fazer, inerente ou decorrente de uma relação contratual, usar, fraudulentamente, a sociedade controlada em prejuízo de terceiros.
Quanto à aplicação da teoria de desconsideração nas hipóteses de fraude à lei, abuso de direito e desvio da personalidade jurídica, a doutrina nacional, à frente J. Lamartine Correa de Oliveira, Rubens Requião, Fábio Konder Comparato, Marçal Justen Filho, Calmon de Passos, Arnoldo Wald, Luiz Roldão de Freitas Gomes, dentre outros, e jurisprudência têm, também, pacificamente, posto de lado a personalidade da pessoa jurídica para punir o sócio ou acionista, que usou, fraudulentamente, a sociedade controlada em prejuízo de credores.
Em resumo, por conseguinte, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem por finalidade única e exclusiva, desde as suas origens, tornar o sócio ou acionista, controlador de sociedades limitadas e de anônimas controladas, solidária e ilimitadamente responsável pelas obrigações e dívidas das sociedades que controla, se ficar provado abuso da personalidade jurídica em fraude à lei, ao contrato, ao direito de terceiros e aos credores.
Reafirme-se, portanto, que, em 1911, a Corte de Justiça do Estado de Nova York decidiu e ensinou o professor Rolf Serick, seguido por doutrinadores de todos os países, inclusive no Brasil, em particular nas obras de Rubens Requião e Lamartine Corrêa de Oliveira, é que, provado o abuso de direito ou a prática de ato ilícito através do uso indevido da pessoa jurídica, "levanta-se o véu" de sua personalidade, para alcançar seu sócio ou acionista controlador pessoa física e fazê-lo responsável pelo ressarcimento dos danos e prejuízos causados à sociedade controlada, aos demais sócios, a terceiros e aos credores, jamais declarar sua insolvência civil.
É curial que, se o sócio ou acionista controlador for pessoa jurídica, não se deve decretar a sua falência ou a extensão dos efeitos da falência da controlada à controladora, nem lacrar os estabelecimentos da controladora, nem encerrar suas atividades, nem "torrar" em público leilão os bens integrantes do seu ativo, porquanto não é este o escopo da teoria da desconsideração, nem a finalidade do art. 50, do Código Civil, mas pura e simplesmente co-obrigá-la à completa e total reparação dos danos provocados ao patrimônio de terceiros, por ter agido com abuso de poder.
Com efeito, ensina o professor Fábio Konder Comparato, ao comentar o artigo 50, do Código Civil, e todos os estudiosos da matéria, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica não leva à liquidação ou à despersonalização da pessoa jurídica, mas exclusivamente à "extensão dos efeitos aos bens particulares do sócio"9.
Não leva à liquidação, nem à despersonalização, nem, muito menos, à falência ou à extensão dos efeitos jurídicos da falência porque não é este o escopo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, eis que, repita-se, de novo e sempre: o Código Civil, no artigo 50, ao admitir "descortinar-se o véu", busca alcançar e tornar o sócio ou acionista controlador da falida solidária e ilimitadamente responsável pelo ressarcimento dos prejuízos aos credores, coibindo a fraude, em qualquer de suas nefastas formas, e punindo o sócio ou acionista, que praticou ato ilícito ou abuso da personalidade da sociedade, jamais "quebrar" uma sociedade empresária em dia com suas obrigações e dívidas!
Mas, há de indagar-se: se a sociedade controlada foi constituída em fraude à lei, continuará a operar livremente, apesar do vício insanável de sua criação?
E mais: o sócio ou acionista controlador da falida, que urdiu a trama fraudulenta, ficará livre para gastar o produto da fraude, do ilícito?
Evidentemente que NÃO!
Evidentemente que deve ser punido, como já assinalado mais de uma vez; todavia, não através do desvirtuamento da teoria da desconsideração, mas de normas cogentes, de redação cristalina, do Código Civil, da LSA e da LRFE.

(Jorge Lobo - Advogado.Amanhã será publicada a última parte desse artigo.)
Extensão dos efeitos da falência de sociedade controlada à controlador (III)
Fonte: Gazeta Mercantil
Publicado por: Coped
Data do documento: 25/09/2008
V - Constituição de sociedade controlada em fraude à lei. Se a constituição de sociedade controlada estiver eivada de nulidade, não se deve aplicar a teoria da desconsideração, mas o art. 166, II, III e VI, do Código Civil, que declara, taxativamente:
"Art. 166: É nulo o negócio jurídico: I - omissis; II - for ilícito... seu objeto; III - o motivo determinante, de comum a ambas as partes, for ilícito; IV - omissis; V - omissis; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa".
Portanto, se a constituição de controlada tiver sido em "fraude a lei", se o "motivo determinante de sua criação tiver sido ilícito", se o seu "objeto" for "ilícito", se a sua finalidade é lesar credores, a solução é simples: basta aplicar o art. 166, II, III e VI, do Código Civil, e pleitear a "invalidade do negócio jurídico" (epígrafe do Capítulo V, do Título I, do Livro III, do Código Civil), isto é, demandar a sua "nulidade" (art. 166, caput), observado o princípio do devido processo legal; outrossim, se o controlador tiver praticado abuso de poder em fraude à lei, ao contrato ou ao direito de terceiros, basta aplicar o art. 50, do Código Civil, combinado com o art. 117, da LSA e promover a competente ação ordinária de ressarcimento de prejuízos contra o controlador, pessoa física ou jurídica.
- VI - Responsabilidade da sociedade controladora. Para responsabilizar a sociedade controladora de sociedade controlada falida não se pode, nem se deve estender os efeitos jurídicos da falência da sociedade controlada à controladora, porém aplicar o art. 82 da atual Lei de Falências, cuja redação se assemelha à do art. 6º, do D.L. nº 7.661, de 1945, verbis:
"Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para coibir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil".
Cotejados o art. 6º, do D.L. nº 7.661, de 1945, com o art. 82, da LRFE, notar-se-á um "pequeno grande" acréscimo: enquanto a LF, de 1945, se limitava a tratar da responsabilidade de "diretores das sociedades anônimas e dos gerentes das sociedades por cotas de responsabilidade limitada", sem atingir os sócios ou acionistas controladores da falida, a LRFE atual engloba "sócios de responsabilidade limitada, os controladores e administradores da sociedade falida", a todos tornando responsáveis pessoal, solidária e ilimitadamente pelos efeitos jurídicos da falência da empresa que controlam e administram.
A solução está também na LSA, nos arts. 116 e 117, que tratam, respectivamente, do conceito de sócio ou acionista controlador e da responsabilidade do controlador por atos praticados com abuso de poder, além, por óbvio, no Código Civil, art. 50, que "positivou" a teoria da desconsideração.
Por conseguinte, havendo, no direito positivo brasileiro, em três leis importantíssimas - o Código Civil, a LSA e a LRFE -, previsão legal para examinar, discutir e decidir sobre a prática de atos atentatórios aos direitos e interesses de terceiros praticados pela sociedade controladora, não se deve aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estender os efeitos jurídicos da falência de uma sociedade a outra, mas, exclusivamente, ir contra a sociedade controladora da falida para apurar a sua responsabilidade e puni-la, se for o caso.
Em resumo e em conclusão:
(1º) por absoluta falta de amparo legal, não se pode "estender a falência" ou "os efeitos jurídicos da falência" da sociedade controlada à sociedade controladora;
(2º) não se deve, sob pena de desvirtuá-la e ferir o art. 50, do Código Civil, fundar na teoria da desconsideração da personalidade jurídica a extensão dos efeitos jurídicos da falência da controlada à controladora. Pode-se e deve-se, todavia, buscar a reparação dos danos causados pela sociedade controladora à sociedade controlada falida, a acionistas minoritários da controladora e controlada falida, aos credores e a terceiros da falidab com fundamento no art. 117, da LSA, no art. 50, do Código Civil, e no art. 82, da LRFE, e, para impedir a dilapidação dos bens sociais e garantir o ressarcimento dos prejuízos, requerer, desde logo, na petição inicial da ação ordinária de perdas e danos, com apoio no § 2º, do art. 82, da LRFE, a "indisponibilidade dos bens particulares dos réus", rectius, da sociedade controladora, observados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
(Jorge Lobo - Advogado.)

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

SÚMULA 361 STJ - protesto falimentar

A notificação do protesto, para requerimento de falência da empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu. Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 10/9/2008.

 
(Informativo 367 – Segunda Seção)
 
Enviado por Dra. Bruna Moraes!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A falência da Vasp

A falência da Vasp
Fonte: O Estado de São Paulo
Publicado por: Coped
Data do documento: 15/09/2008


A companhia aérea Vasp teve sua falência decretada pelo juiz Alexandre Alves Lazzarini, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. É provável que os advogados da empresa recorram da sentença, mas tudo indica que o fim da Vasp está próximo.

A Vasp é um exemplo de gestão ruinosa desde antes da privatização, em 1990, quando operava com prejuízo de US$ 30 milhões anuais e devia US$ 750 milhões. Mas a situação agravou-se após a venda de 60% das ações do Estado de São Paulo para o Grupo Canhedo.

A privatização parecia ser a melhor saída para o governo paulista, mas o processo de venda foi obscuro. O Grupo Canhedo pagou US$ 43 milhões pelo controle, mas nada fez que justificasse o negócio. A empresa não foi capitalizada, como seria indispensável. Descontava dos salários dos funcionários as contribuições devidas à Previdência Social, mas não recolhia o dinheiro ao INSS. Em março de 2004, o controlador do grupo, Wagner Canhedo, chegou a ser preso, em Brasília, por ordem do juiz federal David Rocha Lima de Magalhães e Silva, da 8ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo, como depositário infiel. A Vasp tampouco quitava os tributos federais ou as taxas devidas à Infraero. Atrasada no pagamento de combustível à BR Distribuidora, do Grupo Petrobrás, pagou com cheques sem fundos e teve o fornecimento suspenso. Pouco antes de deixar de voar, só conseguia abastecer os aviões se pagasse em dinheiro.

Deixou de pagar dívidas com o governo federal avalizadas pelo Tesouro paulista. E usou artifícios contábeis para reduzir a participação acionária do governo de São Paulo de 40% para 4,6%.

Para continuar operando, buscou sempre o refinanciamento e a rolagem de dívidas. Tomou empréstimos em condições irregulares, usando documentos supostamente falsificados. E o dinheiro que entrava não era destinado a investimentos. A frota ainda existente, de 27 aviões, é constituída por modelos com mais de 30 anos de uso, canibalizados pela remoção de peças usadas para manter em operação um número cada vez menor de aviões. Sem manutenção e com riscos à segurança, o Departamento de Aviação Civil interrompeu os vôos em janeiro de 2005.

Em resumo, o Grupo Canhedo praticou toda a sorte de desmandos na gestão da Vasp, que em 1990 detinha 31% do mercado e era a segunda maior do ramo e, ao ser proibida de operar, tinha 0,75% do mercado.

Há bem mais tempo a Vasp teria sido impedida de atuar, não fosse a leniência de autoridades e credores. Com a mudança na Lei de Falências, a Vasp ganhou sobrevida e anunciou um plano de recuperação judicial - também descumprido. Por isso a falência foi decretada. Mas credores e empresa foram criticados. "A recuperação judicial se arrasta sem qualquer solução, sempre com expectativa de decisões judiciais milionárias ou investidores também milionários", escreveu o juiz Lazzarini em julho, ao negar o pedido de adiamento da assembléia de credores em que a falência foi aprovada.

A Vasp só se mostrou competente em protelar sua falência. Seus advogados agarraram-se à hipótese de a empresa ser declarada vencedora em ações que move contra a União para ser ressarcida pela venda de bilhetes a preço tabelado, entre 1988 e 1992. Os recursos, segundo os defensores, dariam para pagar a dívida, estimada entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões, e sobraria dinheiro.

Excluídas as ações, a Vasp tem poucos ativos, tais como imóveis avaliados, há três anos, em R$ 200 milhões e aviões sucateados, peças de reposição e ferramentas. A Infraero quer receber o que a Vasp lhe deve e retomar as áreas que a empresa ocupa nos aeroportos. Pior é a situação dos empregados da empresa, que perderam o trabalho e não sabem se e quando receberão suas indenizações.

O juiz quer saber por que o INSS não penhorou os aviões da empresa para a quitação das dívidas. Afirmou, ainda, que outro credor, o fundo de pensão Aeros, sob intervenção há 10 anos, "mostra desgovernança". Tão absurda quanto a gestão da Vasp, durante os 15 anos que transcorreram entre a privatização e a interrupção dos vôos, é a omissão dos credores e dos responsáveis pelo transporte aéreo no Brasil.
 
(Editorial)

terça-feira, 9 de setembro de 2008

TJ/SP informa que Edemar Cid Ferreira responde com seus bens pessoais ao pedido de falência

Ao contrário do que foi afirmado pelo informativo Migalhas na semana
passada, o TJ/SP informa que Edemar Cid Ferreira responde com seus
bens pessoais ao pedido de falência.

Migalhas 1.975 – "Falência II" – 3/9/2008

Falência II

O TJ/SP negou pedido do MPF e do administrador da massa falida do
Banco Santos para que os bens privados de Edemar Cid Ferreira sejam
incluídos na falência. No entendimento do TJ, a falência não pode se
estender à pessoa física do ex-controlador. "A falência de uma
sociedade empresária projeta, claro, efeito sobre os seus sócios. Mas
não são eles os falidos e, sim, ela", segundo a decisão.

Leia abaixo na íntegra o voto do desembargador Romeu Ricupero ou clique aqui.

Agravos de Instrumento nºs 521.791.4/2-00 e 553.068.4/2-00
Agravante(s): BANCO SANTOS S/A (MASSA FALIDA) E MINISTÉRIO PÚBLICO
Agravado: EDEMAR CID FERREIRA
Comarca: SÃO PAULO – 2ª VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES JUDICIAIS

VOTO N.º 10.327

EMENTA – Falência do Banco Santos S/A – Extensão da falência à pessoa
natural de Edemar Cid Ferreira, controlador de fato –
Inadmissibilidade – A lei só autoriza que seja declarado falido o
sócio ilimitadamente responsável, o que ocorre nos casos raros de
sociedades em nome coletivo e comandita simples (artigo 81 da Lei n.º
11.101/2005) – Nos casos de sociedades outras, como a sociedade
anônima, a responsabilidade dos controladores e dos administradores
será apurada na forma da lei (artigo 82 da Lei n.º 11.101/2005) - Na
hipótese de instituição financeira, como a dos autos, essa ação de
responsabilização é a ação civil pública já em andamento, prevista na
Lei n.º 6.024, de 13 de março de 1974, na qual, inclusive, foi
deferida medida com caráter cautelar, autorizando a arrecadação dos
bens particulares do agravado – Em qualquer hipótese de propositura de
ação de responsabilização, de desconsideração da personalidade
jurídica e de extensão da falência, a sua eventual procedência só pode
ter conseqüências patrimoniais, ou seja, sujeitando os bens do sócio,
controlador ou administrador, ao pagamento das obrigações sociais, mas
não o sujeitando à condição de falido - Não se sujeita o acionista
controlador de sociedade anônima à condição de falido porque continua
vigorando o princípio da autonomia da pessoa jurídica - "A falência de
uma sociedade empresária projeta, claro, efeitos sobre os seus sócios.
Mas não são eles os falidos e, sim, ela. Recorde-se, uma vez mais, que
a falência é da pessoa jurídica, e não dos seus membros" – Agravos de
instrumentos interpostos pela Massa Falida e pelo Ministério Público
não providos.

RELATÓRIO.

Trata-se de dois agravos de instrumento, um interposto pela Massa
Falida do Banco Santos S/A e outro pelo Ministério Público do Estado
de São Paulo, contra a r. decisão de fls. 13/37 do primeiro agravo e
fls. 160/184 do segundo agravo, que, ao apreciar medida incidental
objetivando a extensão da falência do Banco Santos a diversas
sociedades empresárias e também ao Controlador, a pessoa natural de
Edemar Cid Ferreira, assinalou, na parte que interessa:

"Verifico, agora, a tese articulada pela defesa de Edemar Cid
Ferreira, contra o pedido de extensão da falência à sua pessoa
natural.

Neste tópico, observo que foram muito bem fundamentados os pleitos do
Ministério Público, endossados pela administração da massa falida.

Não há negar, as sociedades ligadas direta ou indiretamente a essa
pessoa, não fosse pelo aspecto formal, têm inegável característica
unipessoal. As declarações prestadas pelos diversos administradores
ouvidos por este Juízo, na oportunidade do art. 104 da Lei
11.101/2005, mostraram, efetivamente, que era mesmo o Sr. Edemar o
responsável direto pela administração do banco, imprimindo a ela um
cunho eminentemente pessoal.

Além disso, esta situação ficou bem evidenciada pelo substancioso
inquérito instaurado pelo Banco Central do Brasil, em atenção à
legislação vigente, estando ele umbilicalmente vinculado a diversas
operações financeiras irregulares envolvendo o Banco e as sociedades a
ele coligadas.

No entanto, a mim me parece que, salvo por colocar a pecha de falido a
quem provavelmente a mereceria, o deferimento da pretensão, no aspecto
formal e prático, não se afigura adequado.
É que a regra do art. 81 da Lei 11.101/2005, quer pela sua letra, quer
pelos entendimentos doutrinários trazidos à colação, só se aplica aos
sócios ilimitadamente responsáveis e o Banco Santos era uma sociedade
anônima. Além disso, já existe ação civil pública, proposta na forma
da Lei 6.024/74, em que figura a mencionada pessoa como réu e,
portanto, poderá ter o seu patrimônio atingido para atender ao
prejuízo da administração nefasta já mencionada.

Por estes motivos, desnecessária a extensão de falência para Edemar
Cid Ferreira".

A massa falida e o Ministério Público perseguem, com os recursos
interpostos, a extensão da falência do Banco Santos à pessoa natural
de Edemar Cid Ferreira.

Segundo constou na minuta do primeiro agravo (AI n.º 521.791.4/2-00),
o interposto pela massa falida, "a extensão diz respeito a um legítimo
e justo poder de os credores agirem contra os lesionantes de seus
direitos, buscando do modo mais efetivo acrescentar à massa social
outros bens dela desviados" (item 2 de fl. 05), realçando que
pretendia mesmo obter "o pronunciamento judicial apto a alcançar a
totalidade do patrimônio disponível, titularizado, de fato, por Edemar
Cid Ferreira, mas escondido sob o nome de diversas outras pessoas
jurídicas" (item 3 de fl. 06).

Tendo em vista que a r. decisão agravada deixou de incluir, na relação
de sujeitos atingidos, o controlador Edemar Cid Ferreira, a Massa
Falida interpõe o agravo de instrumento, "delimitado a incluir o
controlador Edemar Cid Ferreira, preeminente responsável pela gestão
fraudulenta empregada na conclusão dos negócios do Banco Falido, no
status de falido" (item 5 de fl. 06).

Não é diferente o objetivo do segundo agravo de instrumento, o de n.º
553.068.4/2-00, este interposto pelo Ministério Público.

Ambos os recursos trazem como primeiro fundamento para a reforma da r.
decisão agravada o disposto no art. 81 da Lei n.º 11.101/05, tentando
demonstrar a posição de Edemar Cid Ferreira como controlador
ilimitadamente responsável.

O argumento é o de que, na lei revogada, se tinha a extensão dos
efeitos da falência sem que o sócio pudesse ser considerado falido,
mas, no regime de 2005, o sistema mudou, ou seja, esses sócios
(ilimitadamente responsáveis) agora também são falidos.

Há o acréscimo de que, na releitura atualizada que se tem de fazer das
regras da nova lei, o art. 81 não faz referência a espécies de
sociedades (em nome coletivo ou outra qualquer), como fazia a lei de
1890.

Ao contrário, faz apenas referência ao sócio ilimitadamente
responsável e isso se traduz em responsabilidade e em solidariedade,
que deve ser apurada não somente pela espécie societária que teve a
falência decretada, mas também pelo regime jurídico a que se acha
submetido esse sócio (item 10 de fl. 07).

Com efeito, respondem os administradores e controlador de instituição
financeira insolvente com seus patrimônios pessoais. O artigo 1º da
Lei 9.447/97 e o artigo 15 do Decreto-lei 2.321/87 deixaram livre de
qualquer dúvida a solidariedade passiva, existentes nessas situações
como punição ao dever de cuidar do instituto do crédito, da poupança
pública e do comércio.

Por isso, defender que o artigo 81 da nova lei é um avanço do direito
brasileiro é fazer coro com a tendência geral, pelo menos na Europa
Ocidental e nos EUA, que não põe nenhum obstáculo à extensão da
falência quando se prova o abuso da personalidade jurídica.

Em suma, seria mesmo uma ignomínia ao Direito permitir que o
preeminente responsável por todo o sofrimento dos lesados ficasse
livre do status de falido (item 12 de fl. 08).

Não declarando Edemar Cid Ferreira falido, "estaria ele liberado para
desenvolvimento de atividade empresarial, o que não seria sensato"
(final do item 14 de fl. 09).

No segundo agravo de instrumento, aquele interposto pelo Ministério
Público, indaga-se qual a diferença entre a solidariedade do sócio de
sociedade em nome coletivo e a solidariedade do sócio controlador de
sociedade bancária, tecendo o Dr. Alberto Camiña Moreira, como soe
acontecer, eruditas considerações.

Diz que, "declarada a falência da sociedade em nome coletivo (se é que
existe alguma em nosso país), automaticamente ocorre a falência do
sócio", já que é isso o que estabelece o artigo 81 da Lei 11.101/05,
para, em seguida, após indagar qual o alcance da solidariedade do
controlador de banco, responder, com base no art. 1º da Lei 9.447/97,
art. 15 do Decreto-lei 2.321/87 e na Lei 6.024/74, que não há
diferença alguma entre a solidariedade do sócio de sociedade em nome
coletivo e do sócio controlador de instituição financeira.

Depois de estabelecer esse aspecto, que considera evidente, o culto
representante do Parquet mostra que a lei, no indigitado art. 81, não
fala em espécie societária, isto é, não discriminou que tipo de
sociedade empresária está sujeito à extensão da falência.

Argumenta que no direito brasileiro contemporâneo, há situações em que
o sócio controlador tem responsabilidade solidária para com as dívidas
da sociedade. É o caso dos controladores de instituição financeira,
cuja responsabilidade é solidária e objetiva (artigo 1º da Lei
9.447/97 c/c artigo 15 do Decreto-lei 2.321/87), anotando que a
solidariedade, aqui, é por todo o passivo social, e não por alguma
dívida individualizada.

Logo, para dar vida ao dispositivo, a interpretação correta é a
propugnada pelo agravante, posto que, a não ser assim, o artigo 81
nasceu morto, pois em nosso meio empresarial não existe, praticamente,
tal tipo de sociedade empresarial. Aduz que enxergar no artigo 81 só
sociedades exóticas é estar fora do presente, fora da realidade.

Anota, a seguir, que, preponderando em nosso meio empresarial, a
sociedade por quotas, os casos de extensão da falência, admitidos pela
jurisprudência, em sua grande maioria, dizem respeito a esse tipo
societário, em que a responsabilidade do sócio é restrita, ou limitada
ao capital subscrito e integralizado.

Quando se estende a falência com fundamento na fraude, ou no abuso, no
fundo está se aplicando o disposto no art. 942 do Código Civil, que
prevê a solidariedade por ato ilícito, pois a solidariedade passiva se
faz extensiva a todo o patrimônio da pessoa a quem se estende a
falência.

Antes do artigo 50 do Código Civil, antes do Código de Defesa do
Consumidor, já a jurisprudência praticava a extensão da falência nas
sociedades por quotas.

Essa linha argumentativa leva a um paradoxo, qual seja, o de dizer que
a jurisprudência pode criar (cria e pode mesmo) situação de extensão
da falência e a lei não pode.

No entender do Ministério Público, a interpretação do art. 81 não pode
ser feita de maneira acanhada, como sendo hipótese de extensão de
falência a sócios de pessoas jurídicas que, praticamente, inexistem na
realidade empresarial brasileira.

Escusado dizer, finalmente, do cabimento da extensão da falência à
pessoa natural do sócio, situação até corriqueira.

Aduz que a r. decisão agravada entendeu de afastar o pleito sob o
argumento de que, sob o ponto de vista formal e prático, não seria o
caso de se estender a falência a Edemar Cid Ferreira, a menos que se
desejasse atribuir-lhe a pecha de falido, embora veja a medida como
merecida.

Acrescenta que não tem a menor preocupação com rótulo ou com pecha. O
que se pretende é resultado prático eficiente. A extensão da falência
permite à Massa Falida a imediata investigação de bens sob domínio
pessoal de Edemar Cid Ferreira, aqui e no exterior.

O que se tem, com a decisão recorrida, é o alcance de apenas uma parte
dos bens, aqueles mais ostensivos, uma casa monumental e festejadas
obras de arte, que não estão em nome da pessoa natural, mas em nome de
pessoas jurídicas.

No tópico seguinte, cuida da infracapitalização do banco falido,
lamentando que a decisão recorrida não tenha enfrentado o assunto.

Depois, argumenta que uma das maneiras de se abusar da personalidade
jurídica é atuar no interesse pessoal, em desrespeito à autonomia da
pessoa jurídica e foi isso também que ocorreu com o Banco Santos,
existente não para cumprir função social, mas para a satisfação do seu
controlador, Edemar Cid Ferreira.

Em suma, Edemar Cid Ferreira pôs a estrutura administrativa do Banco
Santos a seu serviço pessoal, no interesse próprio.

No final, pede a extensão da falência a Edemar Cid Ferreira,
"viabilizando, assim, a imediata arrecadação de seus bens, no Brasil e
no exterior, segundo procedimentos próprios" (fl. 26).

O AI n.º 521.791.4/2-00 está instruído com os documentos de fls.
12/357 e se processa sem pedido de efeito suspensivo (fl. 360), tendo
sido comprovado o preparo (fls. 363/366).

Edemar Cid Ferreira ofereceu a contraminuta de fls. 373/388 e a douta
Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da Dra. Juang Yuh Yu, opinou
pelo provimento (fls. 390/393).

O AI n.º 553.068.4/2-00 está instruído com os documentos de fls.
27/366 e também se processa sem pedido de efeito suspensivo (fl. 368).

Comprovado o cumprimento do disposto no art. 526 do CPC (fl. 373),
Edemar Cid Ferreira ofertou a contraminuta de fls. 383/397 e a douta
Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da Dra. Juang Yuh Yu, opinou
pelo provimento (fls. 400/404).

FUNDAMENTOS.

Com a devida vênia, estou preservando a r. decisão recorrida, não
apenas porque desnecessária a pleiteada extensão da falência de uma
sociedade anônima à pessoa natural que a controlava de fato, mas,
sobretudo, porque inadmissível.

Na verdade, o que os agravantes buscam é que a pessoa natural de
Edemar Cid Ferreira seja declarada falida, e não a extensão da
falência do Banco Santos à pessoa natural de seu controlador, para
efeitos patrimoniais, ou seja, para que os bens pessoais de Edemar Cid
Ferreira respondam pelas dívidas sociais.

Essa distinção é fundamental e leva à improcedência do pleito.

Com efeito, MANOEL JUSTINO BEZERRA FILHO adverte que "hoje
praticamente não há mais empresas com sócios solidária e
ilimitadamente responsáveis, tendo em vista que a absoluta maioria das
empresas é constituída sob a forma de sociedade anônima ou de cotas de
responsabilidade limitada", acrescentando que "a jurisprudência mais
recente, com base no Código de Defesa do Consumidor e na teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, está permitindo, cada vez
mais, a arrecadação de bens particulares de sócios de empresas
falidas, desde que presentes as condições fáticas e jurídicas
suficientes para a responsabilização do patrimônio pessoal".

Depois de asseverar que "o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e
o art. 50 do Código Civil tratam da desconsideração da personalidade
jurídica", esclarece que "este é aspecto a ser considerado no que
tange especificamente aos efeitos patrimoniais, pois a aplicação da
teoria da desconsideração não seria hábil a determinar a falência de
qualquer sócio, mesmo que possa redundar na arrecadação de todos os
seus bens particulares" (Lei de Recuperação de Empresas e Falências
Comentada, 5ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008,
pp. 212-213, os grifos não são do original).

RICARDO NEGRÃO, comentando o artigo 81 da Lei 11.101/05, ensina que,
dependendo do tipo societário, haverá diferentes soluções legais para
a arrecadação ou não dos bens pessoais dos sócios, ressaltando que, na
falência, os sócios, em regra, não são atingidos pela responsabilidade
sobre dívidas da sociedade, a não ser que sejam sócios de
responsabilidade ilimitada.

Lembra que, no sistema do Decreto-lei 7.661/45, a extensão da falência
sobre esses sócios era restrita aos efeitos jurídicos que a sentença
declaratória produzisse em relação à sociedade falida (art. 5º), o que
não implicava em qualquer mudança em seu status econômico, mas a nova
Lei Falimentar ressuscitou a redação que o Prof. Waldemar Ferreira,
quando deputado federal, queria dar ao art. 5º do Decreto-lei
7.661/45, ampliando, no art. 81, os efeitos da falência da sociedade
sobre o sócio de responsabilidade ilimitada.

Logo a seguir, assinala:

"O novo dispositivo é merecedor de sérias críticas da comunidade
jurídica por duas fortes razões: a) a primeira porque atenta contra o
princípio da autonomia da personalidade jurídica em relação à
personalidade natural de seus sócios. Embora os sócios sejam
responsáveis pela dívida da sociedade, somente o são de forma
subsidiária, isto é, se os bens da sociedade não forem suficientes ao
pagamento dos credores; b) a segunda porque declara falidas pessoas
que não são empresárias, isto é, os sócios da sociedade empresária não
são, necessariamente, empresários, isto é, não exercem diretamente
atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e
de serviços" (Manual de Direito Comercial e de Empresa, 5ª edição, São
Paulo, Saraiva, 2007, vol. 1, n.º 16.1.4, pp. 274-275).

SÉRGIO CAMPINHO traz a mesma lição, recordando que, "firme no
posicionamento de que os sócios, ainda que solidária e ilimitadamente
responsáveis pelas dívidas sociais, não reúnem a condição jurídica de
empresário – na época comerciante -, estabelecia o artigo 5º do
Decreto-lei n.º 7.661/45 que não seriam eles atingidos pela falência
da sociedade, mas ficariam sujeitos aos demais efeitos jurídicos que a
sentença da quebra produzisse em relação à sociedade empresária
falida".

Depois de observar que "a norma em questão sofreu algumas impugnações
doutrinárias, desejosas em ver restabelecida a regra dos diplomas
anteriores (Lei n.º 2.024/1908 e Decreto n.º 5.746/29) que afirmavam
acarretar a falência da sociedade a falência dos sócios de
responsabilidade solidária e ilimitada", sobressaindo, na esteira
dessas objeções, o entendimento de Waldemar Ferreira, que reproduz, o
ilustre professor da Universidade do Rio de Janeiro assevera:

"O argumento não nos convencia, nem, diante da nova realidade legal
(artigo 81), nos convence. O fato de os sócios, com esse tipo de
responsabilidade, ficarem sujeitos à eficácia resultante da decretação
da falência da pessoa jurídica não pode alargar conceitos, para
despersonalizar a sociedade, a fim de formalmente declará-los falidos
de direito. Uma coisa é ser falido, outra é ficar sujeito aos efeitos
da falência. Essa sujeição, inclusive, não é privilégio dos sócios de
responsabilidade solidária e ilimitada. A falência irromperá uma nova
ordem nas relações jurídicas da sociedade falida, atingindo seus
credores, contratos e bens.

Precisa era a lição de Miranda Valverde que punha, em nossa visão
termo à discussão, necessitando, tão-somente, ser adaptada ao novo
regime do Código Civil de 2002, vez que enunciada quando a figura
central ainda era a do comerciante e das sociedades mercantis. Ei-la,
em suas palavras: A lei revogada, contra rationem juris, mandava
estender a falência da sociedade aos sócios solidária e ilimitadamente
responsáveis pelas obrigações sociais. No entanto, já era ponto
assentado na doutrina e jurisprudência nacional que tais sócios não
eram, como não são, só por terem essa qualidade, comerciantes. Com
efeito, eles não exercem o comércio em seu próprio nome; participam de
uma pessoa jurídica, que tem existência distinta da dos seus membros,
com patrimônio separado, responsável, em primeiro grau, pelas
obrigações por ela assumidas no exercício do comércio para que foi
especialmente constituída. Os membros que formam a entidade jurídica,
embora solidária e ilimitadamente obrigados pelas dívidas sociais por
efeito de disposições expressas da lei, que regula os diferentes tipos
de sociedades mercantis, não agem em nome individual, porém como
administradores ou gerentes de uma organização ou entidade com prática
de atos, de que se originam direitos e obrigações, que entram na
composição de seu patrimônio".

(...)

Nutrimos simpatia pela visão de limitar a decretação da falência aos
sócios que encarnarem a qualidade de empresário. Para os demais, não
haveria propriamente a decretação de suas falências pessoais, mas
tão-somente a sujeição, fundamentalmente no âmbito patrimonial, aos
mesmos efeitos jurídicos produzidos pela sentença em relação à
sociedade. Essa interpretação encontra-se em plena sintonia com a
regra do artigo 1º, da Lei de Recuperação e Falência, que adota o
sistema restritivo do instituto, erigindo como sujeitos passivos o
empresário individual e a sociedade empresária. Igualmente, mantém o
padrão de consonância com o regramento do Código Civil de 2002, que
preconiza não apenas formal, mas também substancialmente, a distinção
entre empresário e não-empresário e, no campo societário, entre
sociedade empresária e sociedade simples. Não sendo os sócios
empresários, não podem ser declarados falidos, quer por obrigações
pessoais, de sua direta responsabilidade, ou por obrigações da
sociedade de que participam. A exegese sustentada afastaria a
impropriedade maior do preceito" (Falência e Recuperação de Empresa,
2ª edição, Rio de Janeiro, Renovar, 2006, n.º 115, pp. 200-203).

Em outra passagem, elucida:

"É princípio assente em nosso direito positivo que os administradores
das sociedades anônima e limitada não respondem pessoalmente pelas
obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica, derivadas de ato
regular de gestão (Código Civil, artigo 1.022, e Lei n.º 6.404/76,
artigo 158, caput). Respondem, todavia, civilmente, perante a
sociedade e terceiros prejudicados, pelos prejuízos causados por culpa
no desempenho de suas funções, desatendendo os seus deveres legais de
diligência e lealdade. Ficam obrigados à reparação do dano quando
verificado ato irregular de gestão ou procederem com violação da lei
ou do ato constitutivo da sociedade (artigos 1.016 do Código
Civil/2002 e artigo 158, incisos I e II, da Lei n.º 6.404/76). Essas
responsabilidades serão objeto de apuração, em ação própria, no juízo
da falência. O artigo 82 não as define, remetendo sua conceituação ao
estabelecido nas respectivas leis de regência dos aludidos tipos
societários.

Os administradores que forem responsabilizados não terão contra si a
extensão da falência da sociedade. A procedência do pedido veiculado
na ação de responsabilização não os tornam falidos, mas determina seja
a massa indenizada dos prejuízos por eles causados" (autor e obra
citados, n.º 117, pp. 208-209).

O magistério de Miranda Valverde, antes transcrito, encontra-se em
seus Comentários à Lei de Falências, 2ª edição, Rio de Janeiro,
Forense, 1955, vol. I, n.º 43, p. 77, e 4ª edição, atualização de J.
A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos, Rio de Janeiro, Forense,
1999, vol. I, n.º 51, pp. 112-113.

Na doutrina nacional, não há quem defenda que a falência da sociedade,
sem sócios de responsabilidade ilimitada, também acarrete a falência
dos sócios, ou seja, fora da hipótese do art. 81 da Lei 11.101/2005, e
sim, como é evidente, todos são unânimes em ponderar que "a
responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos
controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida
nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência,
independentemente da realização do ativo e da prova da sua
insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento
ordinário previsto no Código de Processo Civil" (artigo 82 da Lei
11.101/2005).

FÁBIO ULHOA COELHO, por exemplo, destaca que, no art. 81, "a lei
operou uma mudança aparentemente significativa no trato da matéria,
mas que, bem examinada, não tem nenhuma implicação prática de relevo",
explicando que "a falta de implicação prática relevante reside no
âmbito de incidência do preceito", que "diz respeito unicamente às
sociedades em nome coletivo, comandita simples (em relação ao
comanditado) e por ações (em relação ao acionista-diretor)",
acrescentando que "apenas nesses tipos societários há sócios
ilimitadamente responsáveis pelas obrigações da sociedade" e
concluindo que "como esses tipos de sociedade são raramente utilizados
hoje em dia, a profunda alteração que o dispositivo introduz acaba se
limitando ao aspecto conceitual da questão" (Comentários à Nova Lei de
Falências e de Recuperação de Empresas, 2ª edição, São Paulo, Saraiva,
2005, n.º 170, pp. 206-207).

CARLOS KLEIN ZANINI também releva a diminuta aplicabilidade do
dispositivo, "ante a raríssima utilização de tipos societários
desprovidos do instituto da limitação da responsabilidade", realçando
que, "além de aplicar-se apenas às sociedades com sócios
ilimitadamente responsáveis, deve-se ter presente que o escopo da Lei
de Falências e Recuperação é restrito ao empresário e às sociedades
empresárias (art. 1º)", havendo, pois, "dois critérios determinantes
da escassa aplicabilidade do artigo: (i) o da restrição às sociedades
de responsabilidade ilimitada; (ii) o da empresarialidade",
esclarecendo que "o primeiro de per se já exclui o empresário, a
sociedade limitada e a sociedade anônima".

Assim, "da combinação desses dois critérios excludentes resulta o
estreitamento do âmbito de aplicação do dispositivo, que se limita a
alcançar as sociedades em nome coletivo e as em comandita, sendo
nessas últimas apenas em relação à categoria dos sócios ilimitadamente
responsáveis" (Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e
Falência, coordenação Francisco Sátiro de Souza Júnior e Antônio
Sérgio A. de Moraes Pitombo, 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2007, n.º 194, pp. 350-351).

Esse autor assinala, em considerações de lege ferenda:

"O fato de a extensão automática da falência ao sócio ilimitadamente
responsável estar prevista em profusão no direito comparado não deve
desencorajar a reflexão crítica. Até mesmo porque, mesmo nos países
que a adotam, reconhece-se na doutrina sua incompatibilidade com
princípios muito caros ao direito societário, como assevera Giuseppe
Ferri: "O sistema da lei não encontra justificativa em considerações
de ordem lógica, mas sim de ordem prática".

Em uma das melhores monografias dedicadas ao tema, Alessandro Nigro
observa ser a extensão da falência em relação ao sócio originária das
sociedades familiares, em que sua decretação produzia efeitos em
relação a todos os familiares do sócio falido, incluindo cônjuge,
ascendentes e descendentes.

Diversas objeções podem ser opostas à extensão da falência agora
introduzida na Lei. Primeiramente, há de se reconhecer que a extensão
da falência ao sócio pode resultar em uma decretação de quebra
absolutamente sui generis, ante a absoluta ausência de um estado de
insolvência do devedor. Tal circunstância, aliás, não passou
despercebida a Alessandro Nigro, que observou ser possível, em tais
casos, fosse um determinado sujeito (o sócio) alcançado pela falência
sem que se encontrasse em condição de insolvência ou insolvabilidade.
A extensão automática da falência ao sócio igualmente investe contra a
autonomia patrimonial da sociedade, fazendo tabula rasa da separação
existente entre o patrimônio do sócio e o da sociedade, o que se
constitui em preceito elementar do direito societário. É que, mesmo em
se tratando de sócios de responsabilidade ilimitada, sua
responsabilidade é sempre de natureza subsidiária em relação à da
sociedade, recomendando-se, por conseguinte, o prévio exaurimento do
acervo da sociedade antes de se buscar o patrimônio pessoal do sócio.
O que, obviamente, resta inobservado na sistemática da extensão
automática da falência ora introduzida na Lei" (autor e obra citados,
n.º 199, pp. 352-353).

Na mesma linha, o magistério de ECIO PERIN JÚNIOR:

"Considerando que a sociedade empresária é pessoa jurídica, e portanto
ente distinto dos sócios que a compõe, sua falência não autoriza a
declaração da falência destes, tanto por força do que dispunha o art.
20 do Código Civil de 1916, segundo o qual as pessoas jurídicas têm
existência distinta da de seus membros, como também pelo art. 5º da
Lei de Falências anterior, que dispunha que os sócios da sociedade
falida não eram atingidos pela falência.

Não se pode negar a personalidade jurídica da sociedade, simplesmente
estendendo o estado de falência da pessoa jurídica aos sócios que a
compõe, ainda que respondam ilimitadamente com o seu patrimônio
pessoal pelas obrigações da sociedade" (Curso de Direito Falimentar e
Recuperação de Empresas, 3ª edição, São Paulo, Editora Método, 2006,
n.º 13.2, p. 88).

JÚLIO KAHAN MANDEL, comentando o art. 82, diz que "outra modalidade de
responsabilizar os sócios, os acionistas ou os diretores da empresa
pelas dívidas da sociedade é a chamada desconsideração da
personalidade jurídica da falida, que, com base neste artigo, somente
poderá ocorrer em procedimento ordinário, com ampla possibilidade de
defesa para os réus", esclarecendo a seguir:

"Em primeiro lugar, devemos distinguir esta ação de responsabilidade
da chamada extensão dos efeitos da falência. Muitos fazem confusão
entre os dois institutos, totalmente distintos. A teoria da
desconsideração da personalidade jurídica pode servir de base para
estender os efeitos da quebra, mas são institutos diferentes.

Estender uma falência significa ampliar os efeitos da decretação de
quebra para outras empresas diretamente ou não ligadas à falida, com a
intenção de buscar ativos indevidamente desviados da empresa devedora
para outras empresas visando fraudar credores. Acontece normalmente em
casos de confusão patrimonial, societária e financeira entre duas
empresas de um mesmo grupo econômico.

A extensão de efeitos da falência, mesmo não estando explicitamente
expressa no Decreto-lei n.º 7.661/45, vinha sendo cada vez mais
aplicada pelos juízes brasileiros, firmando escassa, porém crescente,
jurisprudência em nossos tribunais.

Se estendidos os efeitos da quebra para um acionista, ele
obrigatoriamente tem de ser pessoa jurídica" (Nova Lei de Falências e
Recuperação de Empresas, São Paulo, Saraiva, 2005, pp. 153-154).

DIVA CARVALHO DE AQUINO, na mesma linha de pensamento, alerta que "o
Código Civil de 2002 não repetiu o disposto no artigo 20 do estatuto
civil de 1916, segundo o qual "as pessoas jurídicas têm existência
distinta da dos seus membros", o que mereceu a crítica de alguns
doutrinadores", advertindo que, "em que pese tal omissão, porém, foi
mantido o princípio clássico da autonomia da pessoa jurídica, em
relação aos sócios que a compõem, sendo expressamente reconhecida a
existência da personalidade jurídica da sociedade", ou seja, "dúvida
não pode haver quanto à manutenção da separação entre a pessoa
jurídica e seus membros como regra geral".

Sustenta que o art. 81 da Lei 11.101/2005 "configura, na verdade, a
desconsideração da personalidade jurídica, sem que, para tanto, tenham
sido preenchidos os requisitos determinados pela lei civil e
processual. A decretação da falência, por si só, será causa
determinante desta desconsideração, em relação aos sócios
ilimitadamente responsáveis, confundindo-se, nesta hipótese, os bens
sociais e os particulares destes sócios, assim como o tratamento dado
aos credores da sociedade e dos sócios desta espécie" (Direito
Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas,
coordenação de Luiz Fernando Valente de Paiva, São Paulo, Quartier
Latin, 2005, p. 383 e seguintes, passim).

Por fim, RONALDO VASCONCELOS, abordando o tema das ações incidentais
falimentares, traz o magistério, segundo o qual "a sistemática de
responsabilidade dos sócios das empresas falidas adotada pela Lei de
Recuperação e Falências não destoa daquela encontrada no direito
comparado", dando destaque ao fato de que "a decretação da falência da
sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis (espécie rara nos
dias atuais) produz uma alteração no seu estado, que passam a ser
considerados tão falidos quanto a própria sociedade da qual fazem
parte, nos termos dos arts. 81 e 190 da Lei de Recuperação e
Falências", motivo pelo qual, no pedido de falência de tais
sociedades, há litisconsórcio passivo necessário, havendo
indispensabilidade de citação dos sócios de responsabilidade
ilimitada.

De outro lado, "o art. 82 da Lei de Recuperação e Falências, por sua
vez, estabelece a apuração da responsabilidade solidária dos
controladores e administradores das sociedades por ações", assinalando
que, "a partir da decretação da falência, a Lei de Recuperação e
Falências previu apenas as hipóteses de (I) inabilitação dos sócios
falidos para o exercício da atividade empresarial (LRF, art. 102) e
(II) afastamento da sociedade (LRF, art. 103)".

Diz que, com a responsabilização dos sócios e administradores da
empresa falida, "abre-se espaço para a aplicação da regra da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica traduzida no art. 50 do
Código Civil", dissertando:

"Ocorre que o Código Civil pouco inovou em matéria de responsabilidade
civil dos administradores, já que as regras trazidas para o seu bojo
têm inspiração, quando não mera reprodução, nas normas da Lei das
Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/76). Apesar de o Código Civil de
2002 não ter repetido o disposto no art. 20 do Diploma de 1916,
segundo o qual "as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos
seus membros", manteve o clássico princípio da autonomia da pessoa
jurídica, sendo expressamente reconhecida a existência da
personalidade jurídica da sociedade e a possibilidade de proteção dos
direitos da personalidade (CC, arts. 985 e 52, respectivamente)"
(Direito Processual Falimentar, São Paulo, Quartier Latin, 2008, n.º
46, p. 287 e seguintes, passim).

Assim, exceção feita aos sócios de responsabilidade ilimitada nas
sociedades em nome coletivo e em comandita, a lei atual seguiu a
orientação da lei anterior, em cuja Exposição de Motivos se salientou:

"A reação dos juristas perante a não extensão da falência aos sócios
solidários situou o problema entre duas orientações extremas. Alguns
entendem que, provocando a falência uma completa fusão dos patrimônios
da sociedade e dos sócios frente ao passivo social, não se justifica a
isenção dos sócios daquele estado. Outros inspirados no conceito de
empresa que a moderna doutrina vem cristalizando, julgam possível uma
integral separação entre a empresa e o seu titular, sugerindo que o
sujeito passivo da falência seja aquela e não este. Em tal concepção,
não só o sócio ficaria isento de falência, como, ainda, o próprio
comerciante individual não seria declarado falido.

Entre os que propugnam pelo sistema tradicional e os que pretendem
antecipar, na lei, o advento de conceito ainda em formação na
doutrina, o projeto se manteve na justa medida do sistema da
personalidade jurídica consagrada na lei civil.

Conferindo o Cód. Civil personalidade jurídica às sociedades
comerciais, estas não mais significam a reunião de pessoas que se unem
para comerciar em comum, visto como é a própria pessoa jurídica que
exerce o comércio. Dentro desse conceito, a solidariedade dos sócios
toma sentido tão acentuadamente patrimonial que não justifica lhes
seja estendido o estado de falência da sociedade" (cf. Trajano de
Miranda Valverde, obra citada, pp. 265-266).

Em suma:

a) a lei só autoriza que seja declarado falido o sócio ilimitadamente
responsável, o que ocorre nos casos raros de sociedades em nome
coletivo e comandita simples (artigo 81 da Lei n.º 11.101/2005);

b) nos casos de sociedades outras, como a sociedade anônima, a
responsabilidade dos controladores e dos administradores será apurada
na forma da lei (artigo 82 da Lei n.º 11.101/2005);

c) na hipótese de instituição financeira, como a dos autos, essa ação
de responsabilização é a ação civil pública já em andamento, prevista
na Lei n.º 6.024, de 13 de março de 1974, na qual, inclusive, foi
deferida medida com caráter cautelar, autorizando a arrecadação dos
bens particulares do agravado;

d) em qualquer hipótese de propositura de ação de responsabilização,
de desconsideração da personalidade jurídica e de extensão da
falência, a sua eventual procedência só pode ter conseqüências
patrimoniais, ou seja, sujeitando os bens do sócio, controlador ou
administrador, ao pagamento das obrigações sociais, mas não o
sujeitando à condição de falido;

e) não se sujeita o acionista controlador de sociedade anônima à
condição de falido porque continua vigorando o princípio da autonomia
da pessoa jurídica, de tal modo que, como disse JÚLIO KAHAN MANDEL,
"se estendidos os efeitos da quebra para um acionista, ele
obrigatoriamente tem de ser pessoa jurídica".

Enfim, na dicção de FÁBIO ULHOA COELHO:

"A falência de uma sociedade empresária projeta, claro, efeitos sobre
os seus sócios. Mas não são eles os falidos e, sim, ela. Recorde-se,
uma vez mais, que a falência é da pessoa jurídica, e não dos seus
membros" (obra citada, n.º 230, p. 290).

Anoto, por pertinente, que, no julgamento do Agravo de Instrumento n.º
536.131.4/6-00, Res. Des. ELLIOT AKEL, a 1ª Câmara da Seção de Direito
Privado decretou a desconsideração da personalidade jurídica da
falida, de modo a submeter aos efeitos da quebra os bens dos sócios,
matéria diferente da que está em discussão nestes autos.

Aqui, não está em causa a desconsideração da personalidade jurídica,
mesmo porque, como já anotado, existe ação civil pública com o mesmo
objetivo e prevista na Lei n.º 6.024/74, na qual a responsabilização
patrimonial do agravado foi deferida em caráter cautelar.

O que os agravantes perseguem, nestes dois agravos de instrumento, não
é a responsabilização patrimonial do acionista controlador pelas
obrigações sociais, mesmo porque, para esse fim, como acentuou a r.
decisão agravada, "já existe ação civil pública, proposta na forma da
Lei 6.024/74, em que figura a mencionada pessoa como réu e, portanto,
poderá ter o seu patrimônio atingido para atender ao prejuízo da
administração nefasta já mencionada".

O que os agravantes perseguem é mesmo, além da desconsideração da
personalidade jurídica e da extensão dos efeitos da falência, que o
agravado, pessoa natural, seja declarado falido, e isso, a meu ver,
como sustentado acima, não é possível.

Destarte, pelo meu voto, e renovando a devida vênia, nego provimento
ao recurso.

ROMEU RICUPERO
Relator Designado

domingo, 7 de setembro de 2008

'Travas bancárias' começam a ser analisadas pelo Judiciário

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
'Travas bancárias' começam a ser analisadas pelo Judiciário


Empresas em recuperação judicial têm buscado a Justiça para que os empréstimos tomados de instituições financeiras possam ser incluídos nos planos de recuperação. As primeiras disputas começam a ser julgadas nos tribunais de Justiça (TJs) com um placar, ainda que inicial, favorável aos bancos. Nos TJs de São Paulo e Paraná, por exemplo, há algumas decisões favoráveis às instituições. Já o TJ do Espírito Santo - um dos poucos conhecidos julgamentos favoráveis a uma companhia - entendeu que a "cessão fiduciária de títulos" está sujeita aos efeitos de uma recuperação judicial.

O foco das discussões está nos empréstimos concedidos e classificados como cessão fiduciária de direitos creditórios e cuja garantia são os recebíveis futuros das empresas. Na prática, segundo advogados, uma empresa - que posteriormente entra em recuperação - fecha um ou vários empréstimo com o banco. As garantias oferecidas são os chamados recebíveis, ou seja, os valores futuros a serem recebidos pela empresa de contratos de fornecimentos ou de vendas por cartões de créditos, por exemplo. Esses contratos, denominados de cessão fiduciária de créditos, além dos recebíveis, prevêem que o depósito destes seja efetuado na conta bancária da empresa, desde que na instituição em que tomou o empréstimo. Sendo assim, o desconto é efetuado diretamente pelo banco, sem a chance de a empresa pegar o dinheiro e tornar-se inadimplente. No mercado, esse mecanismo ganhou o nome de "trava bancária".

Nessas ações, a empresa em recuperação pede à Justiça que o pagamento dos empréstimos entre no plano de recuperação - assim como o direito a ter de volta os valores dos recebíveis, necessários para o capital de giro da companhia em recuperação. Nos processos, os bancos alegam que esses contratos, por terem natureza de alienação fiduciária, estariam fora da recuperação, conforme previsto no artigo 49 da nova Lei de Falências. O dispositivo, no parágrafo 3º, estabelece que contrato de alienação fiduciária de bem móvel ou imóvel não se sujeitam à recuperação.

O advogado Luiz Gustavo de Oliveira Ramos, especialista em contencioso empresarial do escritório Rayes, Fagundes e Oliveira Ramos Advogados Associados, obteve recentemente duas decisões favoráveis para seus clientes, instituições financeiras, nos TJs de São Paulo e Paraná. Nos dois casos, as cortes entenderam que se tratava de contratos de cessão fiduciária, e que portanto que não entrariam na recuperação. O advogado afirma que essa tem sido uma das modalidades de empréstimos mais utilizadas pelos bancos. Segundo ele, os bancos só concedem crédito nessas situações porque sabem que estão protegidos pela lei. Ele afirma que em um dos casos, o devedor - uma empresa em recuperação - mudou o domicílio bancário para depósito dos recebíveis e o TJSP entendeu que isso seria fraude.

Enquanto os bancos afirmam que os contratos de alienação fiduciária em geral estariam fora da recuperação, as empresas alegam que a alienação para a recuperação só existiria para os bens móveis e imóveis, ou seja, a cessão fiduciária não estaria incluída no rol previsto na Lei de Falências. O argumento é defendido pelo advogado Gilberto Giansante, do escritório Yunes, Giansante & Pereira Lima Advogados Associados, em processos de empresas em recuperação. Segundo ele, a alienação fiduciária do título de crédito ou recebíveis não foi expressamente mencionada na Lei de Falências. De acordo com o advogado, o que deve ser analisado é a verdadeira natureza do contrato celebrado com o banco e não o nome que o banco dá ao mesmo. Em uma decisão favorável a uma empresa em recuperação, o TJ do Espírito Santo julgou que "os títulos de crédito deveriam estar previstos de forma expressa na lei, como excluída dos efeitos da recuperação judicial, o que não seria o caso".

"Esses contratos, quando não entram na recuperação, inviabilizam a empresa", afirma o advogado Júlio Mandel, do escritório Mandel Advocacia. Segundo ele, a empresa que já está em dificuldade fica em uma situação ainda pior. A advogada Laura Mendes Bumachar, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, afirma que hoje a maior parte dos bancos usam esse tipo de cessão para evitar a lei de recuperação. No caso da alienação para bens móveis e imóveis, a questão já é definida a favor dos bancos, como afirma. O que está em aberto e só será definido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a questão da cessão fiduciária de créditos.

Zínia Baeta, De São Paulo

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

TJSP nega 'falência' de Edemar Cid Ferreira

TJSP nega 'falência' de Edemar Cid Ferreira

Laura Ignacio, de São Paulo

Valor Econômico
03/09/2008

 

 

A Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, ex-controlador do Banco Santos, não deve ser declarado "falido". Com isso, ficou frustrada a estratégia do Ministério Público de São Paulo de agilizar a arrecadação e a venda dos bens pessoais do ex-banqueiro para pagar os credores do banco. A decisão do TJSP, no entanto, não interfere na do juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais paulista, que tornou os bens de Edemar indisponíveis - com a ressalva dos bens de família - até o julgamento da ação civil pública proposta pelo promotor Alberto Caminã Moreira. Com base nela, se os bens do Banco Santos não forem suficientes para pagar os credores, os bens dos administradores, membros do conselho de administração e de Edemar, já arrestados por meio da decisão, serão alcançados.

 

De acordo com um dos promotores de falência do Ministério Público, Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos, que assumiu o caso do Banco Santos há dois meses, enquanto a ação civil pública não transitar em julgado, não é possível que os credores disponham dos bens do ex-banqueiro. "Demora muito mais a tramitação de uma ação civil pública, por isso, ajuizamos essa ação para que Cid Ferreira fosse declarado falido", explica o promotor. A procuradoria ainda vai decidir se recorrerá da decisão do TJSP no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

De acordo com a decisão, os desembargadores entenderam que em qualquer hipótese de ação de responsabilização, desconsideração da personalidade jurídica ou extensão da falência, sua eventual procedência só pode sujeitas os bens do sócio, controlador ou administrador ao pagamento das obrigações sociais, mas não o sujeitando à condição de "falido". "A falência de uma sociedade empresária projeta, claro, efeitos sobre os seus sócios, mas não são eles os falidos e, sim, ela", diz a decisão. Os desembargadores ainda afirmaram na decisão que quando se trata de uma instituição financeira, como é o caso, essa ação de responsabilização é a ação civil pública já em andamento, prevista na Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974.

 

Outra decisão recente do TJSP aflige credores e promotores. "A maior repercussão até agora, na verdade, é a decisão do habeas corpus, que trancou o inquérito policial falimentar contra Edemar e declarou prescritos os crimes falimentares contra o banqueiro", afirma o administrador da massa falida do Banco, Vânio César Aguiar. "Ela impede que Edemar seja investigado", diz. O problema, segundo Aguiar, é que o maior entrave para que os credores possam receber é que a maioria dos bens de Edemar Cid Ferreira estão em nome de empresas. "E é um trabalho grande descaracterizar pessoas jurídicas para alcançar bens. Obtivemos uma decisão favorável que estendeu o pedido de falência a outras empresas de Cid Ferreira, mas aguardamos o julgamento do recurso do ex-banqueiro", explica.

 

De acordo com Vânio Aguiar, no total cinco empresas foram atingidas por essa decisão, do juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira. Uma delas é a Atalanta Participações e Propriedades, dona da residência de Edemar, avaliada em R$ 150 milhões. Outra é a Cid Collection, dona de obras de arte no valor de R$ 50 milhões. Na avaliação da massa falida, nominalmente os bens das empresas ligadas a Edemar Cid Ferreira equivalem a R$ 250 milhões. Outro problema ainda não resolvido pela Justiça, segundo Aguiar, é um conflito de competência. "Isso porque a Justiça federal criminal também requer esses bens, mas para a União", diz. O caso depende do julgamento do conflito de competência no Superior Tribunal de Justiça (STJ), impetrado no início de junho pela massa falida do banco contra uma decisão do juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo.

 

O advogado Luiz Antonio de Almeida Alvarenga, do escritório Almeida Alvarenga Advogados Associados e advogado de Edemar Cid Ferreira na ação que pede a extensão da falência ao banqueiro, disse que quem exerce a atividade empresarial é o banco. "Eventualmente, por ato de má gestão do administrador da empresa, seria possível pedir a extensão da falência à pessoa física. Não é o caso", afirma.