quinta-feira, 30 de julho de 2009

Advogado americano - lei brasileira vs. lei americana

Introdução

Uma das características recentes da chamada "nova economia" é a tendência crescente de suas empresas se tornarem insolventes. Os diferentes países tratam das empresas insolventes de maneiras diferentes. Os Estados Unidos tratam das empresas insolventes através da "reorganização falimentar", nos termos do capítulo 11 da sua Lei de Falências. O Capítulo 11 é diferente do modelo usado no resto do mundo. O resto do mundo baseia-se em uma combinação de congelamento voluntário (ou involuntário), ou moratória do prazo de pagamento dos débitos, e a subseqüente venda da empresa se a moratória se mostrar inadequada para resolver os seus problemas (o modelo "moratória-ou-venda"). Embora o Capítulo 11 imponha moratória durante o processo falimentar, ele também minimiza as necessidades de caixa do insolvente mediante a conversão de suas dívidas em participação no capital. Além disso, ajuda a empresa insolvente mediante a conversão de algumas de suas obrigações continuadas ou "heranças" (e que sem essa providência permaneceriam assim), em dívidas, que podem ser convertidas em capital.

Neste artigo, sustento que o Capítulo 11, juntamente com os mercados à disposição do público, oferece um meio melhor para salvar certas empresas da "nova economia" do que o modelo moratória-ou-venda. Concluo que a comparação do Capítulo 11 com o modelo moratória-ou-venda, e a compreensão de como cada um deles trata da dívida, capital e heranças, ilustra como terceiros potencialmente parasitas podem colocar em perigo a empresa, mediante a imposição, ao processo, de custos desnecessários e muitas vezes fatais. No Capítulo 11, esses terceiros potencialmente parasitas são "administradores" - os executivos, advogados e outros profissionais envolvidos com o processo falimentar nos termos do Capítulo 11. No modelo moratória-ou-venda, os terceiros parasitas são políticos.

Definindo os termos

O tema da conferência é a "nova economia" e suas implicações na vida cotidiana. Para fins deste documento, a nova economia significa aquelas empresas ligadas a novos métodos de processamento e transmissão da informação, incluindo fabricantes de computadores, empresas de criação de software, empresas de telecomunicações e empresas da Internet. As empresas acima tendem a compartilhar certas características importantes para os fins desse documento. Em primeiro lugar, as empresas da "nova economia" geralmente exigem grandes investimentos de capital, em instalações e equipamentos, em tecnologia ou marketing. Os investimentos de capital vêm em dois sabores, dívida ou capital, que examinarei mais abaixo.

Em segundo lugar, o sucesso ou fracasso de uma empresa da "nova economia" parece depender mais da sua capacidade de conhecer (ou vender) algo "novo" e menos em fatores cíclicos do mercado ou da economia. O "novo" produto ou serviço poderá ter sucesso porque é melhor - mais desejável e mais barato que um produto ou serviço existente. Uma recessão cíclica pode retardar a substituição do produto ou serviço inferior existente pelo novo produto ou serviço, mas não deve diminuir a demanda. Um exemplo desse fenômeno é a substituição da máquina de escrever, da copiadora e do fax pelo processador de texto, pela impressora digital e pelo e-mail. Uma outra razão para o sucesso do novo produto ou serviço é que os compradores desse produto ou serviço convenceram-se de que precisam ter essa "nova" coisa - ela, em certo sentido, vicia. Exemplos desse fenômeno incluem o telefone celular e provedores de serviços de Internet como a America On Line.

A palavra "insolvente" é mais interessante. Para os fins deste documento, as empresas insolventes se dividem em duas categorias. A primeira é bem conhecida da legislação americana: uma empresa insolvente é aquela que não consegue pagar o que deve. As empresas de telecomunicações muitas vezes pertencem a essa categoria. Essas empresas investem pesadamente em infra-estrutura - infra-estrutura tangível como equipamentos de cabos de fibra ótica, torres de transmissão em terra ou satélites no ar, ou infra-estrutura intangível como direitos de transmissão em uma faixa de freqüência ou "direitos inalienáveis de uso" de linhas telefônicas de longa distância. Muitas vezes, as empresas de telecomunicações financiam seus investimentos mediante a tomada de empréstimos. O ônus de amortizar essa dívida é, em geral, a principal causa da insolvência entre essas empresas, porque a maioria das empresas de telecomunicações não pode cobrar por seus serviços mais do que o custo marginal de ofertar esses serviços. O custo marginal de um telefonema ou transmissão de dados adicional é praticamente zero. É o custo de capital para instalar a rede que leva as empresas à falência.

Esse tipo de empresa pode beneficiar-se com a "reorganização falimentar". Eu defino "reorganização falimentar" como o misto de processo jurídico e empresarial através do qual empresas insolventes tratam de suas necessidades de caixa.

O segundo tipo de empresa insolvente é aquela que não pode pagar pelas suas necessidades. A uma empresa assim falta dinheiro não apenas para pagar o que deve, mas também para continuar funcionando. A maioria das empresas da Internet, se é que podem ser chamadas de "empresas", pertencem a essa categoria. Muitas delas não parecem ser muito mais do que campanhas publicitárias, com um volume enorme de recursos gastos com marketing, relativamente pouco utilizado para prover o serviço e nenhuma atenção dedicada a fazer a receita marginal ser superior ao custo marginal. Às vezes alguma legislação governamental cria esse problema para empresas de verdade, tais como as empresas de energia elétrica da Califórnia, que foram proibidas de cobrar preços de mercado pela eletricidade, ao mesmo tempo em que tinham de pagar preços de mercado para comprá-la. Esse tipo de "empresa" se beneficia pouco ou nada com a reorganização falimentar, salvo se sua dificuldade de pagar pelo que necessita for temporária - talvez devido ao seu esforço em vão de pagar o que deve.

Na maior parte do mundo, as empresas insolventes têm duas alternativas. Ou seus credores abstêm-se de receber seus créditos pelo tempo que for necessário, ou os ativos da empresa são vendidos a um novo proprietário, livre de dívidas antigas, e a empresa, como pessoa jurídica independente, deixa de existir. Nos Estados Unidos, a "reorganização falimentar" é disciplinada pelo Capítulo 11 e significa algo bem diferente. Significa a conversão das dívidas da empresa em participação no capital - ou seja, a empresa é aliviada de parte ou de toda a sua dívida, seus credores tornam-se acionistas e seus acionistas são diluídos ou eliminados. A empresa continua funcionando. As administrações tradicionais tendem a gerir seu negócio através dos procedimentos do Capítulo 11, e às vezes vão além. A conversão de dívida em capital é chamada de "reorganização", e explica o título deste artigo.

Uma comparação entre o Capítulo 11 e o modelo moratória-ou-venda exige uma discussão preliminar sobre as expressões apresentadas acima: dívida, capital e "heranças".

"Dívida" é uma obrigação da empresa de pagar um valor determinado - nem mais, nem menos - às vezes com juros. Um credor poder forçar o pagamento do que lhe é devido por meios legais ou outros, incluindo a tomada física dos ativos da empresa e a venda daqueles bens para fazer caixa. O valor de um débito depende de três fatores: a data de vencimento da dívida, os juros devidos sobre a dívida e a probabilidade de liquidação da dívida. Nos Estados Unidos, a maioria das dívidas (nem todas) pode ser transferida, e as dívidas que são publicamente negociadas valem mais que aquelas que não são. Entretanto, cabe ressaltar que a vendabilidade de uma dívida aumenta de importância à medida que aumentam o prazo de vencimento, a variabilidade da taxa de juros e o risco do crédito. Em um extremo, os Estados Unidos têm vendido a indivíduos títulos de poupança de longo prazo, não-transferíveis, de taxa de juros flutuante, e a falta de mercado para esses títulos praticamente não afeta o seu valor. No outro extremo, o valor de um título de longo prazo, de taxa de juros fixa, emitido mediante um crédito de alto risco, será descontado caso não seja possível vendê-lo em um mercado líquido. A verdade dessa observação pode ser vista no desenvolvimento histórico dos mercados creditícios dos Estados Unidos. Créditos de curto prazo eram geralmente obtidos de bancos cujos empréstimos eram relativamente ilíquidos ; o crédito de longo prazo era tradicionalmente fornecido pelo mercado, público e líquido, de títulos de dívida.

"Capital" é a propriedade do negócio e geralmente implica no direito de dirigir suas operações e retirar da empresa valores acima do montante das dívidas. O valor do capital não depende apenas do valor líquido do empreendimento, mas da capacidade do detentor do capital de realizar o seu valor, quer através do recebimento de dividendos, ou mediante a venda da empresa ou do próprio capital. A capacidade de vender o capital em si é importante para o valor de qualquer participação minoritária no capital, porque, ao contrário da dívida, ao capital não está vinculado o direito legal de distribuição de dinheiros. Se o capital minoritário não puder ser transferido, os investidores americanos aplicam um desconto de 30% ao seu valor.

"Heranças", como observado, são deveres e obrigações contínuas. Na sua forma mais simples, as "heranças" são exigências legais que se aplicam a todos os negócios, sejam ou não insolventes, sejam ou não vendidos. Quando as empresas de energia elétrica da Califórnia tiveram problemas, vários clientes me perguntaram se um tribunal de falências poderia permitir-lhes aumentar o preço cobrado pela energia elétrica, apesar da legislação da Califórnia impor um teto a tais preços. Respondi perguntando se um tribunal de falências poderia autorizar a empresa a vender heroína, apesar da legislação em vigor sobre drogas. A resposta, evidentemente, é "não" em ambos os casos. Independentemente de estar insolvente ou falida, toda a empresa deve observar a legislação trabalhista, ambiental, bem como as leis relativas a higiene e segurança. Todas as empresas devem observar a legislação de patentes, marcas registradas e propriedade intelectual. Porém, a exigência da continuidade de outras obrigações é menos evidente. Antes da insolvência, uma empresa tem contratos que impõem obrigações continuadas - dissídios coletivos, recolhimentos a fundos de pensão e aposentadoria, obrigações de comprar bens ou serviços por um período de tempo, contratos para alugar ou usar imóveis. Essas obrigações podem ser pesadas, na medida em que representam acertos que não são mais interessantes. O aluguel de um escritório é um mau negócio quando caem os preços de mercado para aluguel de escritórios e há escritórios disponíveis por menor preço. Um contrato de longo prazo de licenciamento de tecnologia ou de aluguel de equipamentos é um mau negócio quando a tecnologia ou os equipamentos se tornam obsoletos.

Moratória-ou-Venda versus Capítulo 11

A moratória geralmente começa como algo "voluntário", isto é, os credores concordam em não exercer seu direito legal ao pagamento. A moratória voluntária é difícil de organizar e intrinsecamente instável, pois qualquer um dos credores pode, insistindo nos seus direitos, levar outros a abandonar a moratória. Algumas leis impõem moratória aos credores por certo período de tempo. Quando uma empresa está insolvente porque não pode pagar suas dívidas, a moratória permite que ela continue funcionando. Não é, porém, uma solução permanente para os problemas de uma empresa insolvente. Salvo se a insolvência for causada por um problema único ou cíclico - pouco provável em empresa da "nova economia" - a moratória mantém a dívida no balanço. A moratória dissuade novos credores a fornecer o crédito do qual a empresa (especialmente empresa da nova economia) pode precisar para sobreviver. Ao mesmo tempo, a prorrogação da data de vencimento (porque é isso que a moratória faz) diminui o valor do débito nas mãos dos credores. Assim, a moratória não atende às necessidades de longo prazo nem da empresa, nem dos credores.

A venda do negócio apresenta outros problemas.

Teoricamente, qualquer empresa insolvente pode ser vendida. Os administradores poderão perder seus empregos, os acionistas poderão perder seus investimentos, e os credores podem receber apenas uma parte daquilo que reclamam, mas muitos países têm leis que mantêm os trabalhadores trabalhando, os novos donos podem decidir quais contratos manter e quais rescindir, e uma venda não precisa acarretar muitas mudanças, salvo o nome na porta (e os nomes dos executivos).

Na prática, a venda pode não maximizar o retorno aos credores porque o vendedor precisa vender e os compradores (geralmente) não precisam comprar. De importância mais sistêmica, porém, é que uma venda tende a requerer dinheiro vivo do comprador justamente quando há pouca disponibilidade. As insolvências ocorrem em ondas. Geralmente as ondas estão vinculadas à recessão que permeia toda a economia e à falta de crédito. Os compradores em potencial podem não ter acesso a dinheiro ou crédito que lhes permitiria adquirir empresas insolventes. Mesmo aquelas empresas cujas crises são causadas por excesso de dívidas geralmente necessitam de aporte adicional de recursos para as despesas operacionais (incluindo heranças) ou para investimentos de capital, e os compradores em potencial podem não ter acesso a dinheiro ou crédito suficientes para pagar pelos ativos (isto é, pagar parte da dívida) e financiar adequadamente as operações.

As principais vantagens da venda são:

· pode ser mais rápida e,
· minimiza os custos dos serviços dos administradores.

Como no modelo moratória-ou-venda, o Capítulo 11 impõe moratória a todos os credores, através de uma "dilação automática" da ação dos credores enquanto durar o enquadramento no Capítulo 11, mas esse modelo vai além porque incentiva investidores a emprestar dinheiro novo à empresa durante os procedimentos judiciais, estipulando que os novos empréstimos serão pagos antes dos empréstimos não-garantidos contraídos antes da falência. O Capítulo 11 também elimina os juros sobre empréstimos não-garantidos.

Finalmente, e isso é o mais importante, o Capítulo 11 permite que um negócio insolvente satisfaça seus credores mediante a emissão de títulos (inclusive participação no capital) para honrar suas dívidas sob um "plano de reorganização", desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos básicos:

· Os credores devem receber, pelas dívidas que detêm, pelo menos o mesmo que receberiam se a empresa fosse vendida em processo de liquidação.
· Os credores têm o direito de votar em um plano que separa em classes de débito baseados nos diferentes graus de garantia.

O Capítulo 11 aumenta o valor da conversão de dívida em capital permitindo que certas heranças, que de outro modo teriam que ser pagas em dinheiro ao longo do tempo, sejam convertidas em dívidas que podem ser pagas com títulos patrimoniais. Por exemplo, uma empresa que celebrou contratos onerosos para a aquisição de bens (como uma empresa de telecomunicações que adquiriu, por um valor acima do mercado, o direito de utilização de uma linha telefônica de longa distância), de mão de obra (por exemplo, com um sindicato), ou para pagamento de aposentadorias e pensões, pode "rejeitar" esses contratos. Antes da rejeição, os contratos eram heranças, para serem pagos ao longo do tempo; após a rejeição, as obrigações futuras nos termos dos contratos são capitalizadas como dívidas.

O mais importante é que os credores que recebem participação no capital em troca das dívidas podem geralmente negociar esse capital, por duas razões. Em primeiro lugar, o processo falimentar atende às exigências de leis que de outra forma restringiriam a emissão e vendabilidade de títulos emitidos para credores. Em segundo lugar, há um mercado ativo tanto para dívidas pré-reorganização como para capital pós-reorganização. Esse mercado existe mesmo para dívidas (e capital) de empresas cujas ações não eram publicamente negociadas antes da falência. Uma empresa insolvente nos termos do Capítulo 11 deve apresentar um cronograma de suas dívidas, relacionando o nome e endereço de cada credor. Essa informação geralmente não está disponível antes do Capítulo 11. Uma vez disponível, corretores (dealers) e investidores irão procurar os credores e fazer ofertas pelas dívidas que tais credores detêm. Assim, a utilização do Capítulo 11 cria um mercado de dívidas, que por sua vez cria um mercado para o capital pós- reorganização. Como o valor do capital depende em grande parte da existência de um mercado, a criação de um mercado por parte do Capítulo 11 cria valor tanto para a empresa como para seus credores. Os credores se beneficiam porque a participação no capital que recebem vale mais. A empresa se beneficia porque, na medida em que os credores estão mais dispostos a receber capital negociável em troca de suas exigibilidades, elas precisam levantar menos recursos para se reorganizar.

Problemas com o Capítulo 11

O Capítulo 11 certamente não é um processo perfeito. Seu problema principal é o custo dos administradores. Esse custo deveria ser apenas uma compensação, a valores de mercado, a executivos, advogados, contadores e consultores financeiros que administram o negócio e os procedimentos do Capítulo 11. Essas pessoas executam um serviço necessário e muitas vezes fatigante. Para administradores, gerenciar uma empresa falimentar é geralmente menos motivador e certamente não menos difícil que dirigir uma empresa bem-sucedida. Os administradores de uma empresa insolvente quase certamente perderam o valor de ações durante a débâcle da empresa em direção ao Capítulo 11. Para os profissionais, os honorários no Capítulo 11 são examinados não apenas pelos seus clientes, geralmente sem muito dinheiro disponível, mas também por um escritório do Departamento de Justiça e pelo juiz da falência. Assim, quase certamente há menos oportunidade para esses profissionais cobrarem honorários excessivos em importantes casos do Capítulo 11, onde cada centavo é contado três vezes, do que em grandes transações empresariais ou litígios importantes.

Apesar disso, há notícias de abusos por parte dos administradores no controle do processo, com o objetivo de arrancar aumentos salariais para os executivos. Os profissionais têm sido acusados de prolongar os casos para maximizar seus honorários. Embora os administradores sempre tenham alguma condição de abusar do controle sobre uma empresa, o seu controle é maior nos casos do Capítulo 11 porque há uma ruptura dos mecanismos existentes de administração empresarial. Quase ninguém consegue demitir o conselho de administração de uma empresa que se encontra no Capítulo 11. Na legislação não-falimentar, os acionistas têm o direito de demitir o conselho de administração. Porém, a maioria das empresas "insolventes" não possui nenhum valor que exceda suas dívidas. Assim, os acionistas estão "fora do jogo", isto é, não possuem interesse econômico no negócio. Os tribunais de falência muitas vezes proíbem acionistas "fora do jogo" de demitir o conselho de administração de uma empresa, sob a alegação que o conselho (e os administradores por ele contratados) "trabalham para todos", inclusive para os credores. Os credores podem não gostar do conselho ou dos administradores, mas não têm o direito de votar pela sua manutenção ou não nos cargos. O único remédio à disposição dos credores é pedir ao tribunal de falências que o conselho seja substituído por um curador. O tribunal de falências raramente indica um curador, exceto se ficarem demonstradas práticas desonestas por parte dos administradores. Por razões históricas, a lei americana de falências não imputa à administração pré-falimentar culpa pela insucesso do negócio.

O Capítulo 11 não apenas mantém os administradores nos seus cargos, mas lhes dá o direito exclusivo de propor um plano para os primeiros 120 dias sob o Capítulo 11. Esse "período exclusivo" é normalmente prorrogado pelos tribunais de falência. Os administradores podem aumentar ainda mais seu controle sobre a empresa no Capítulo11 mediante a negociação de acordos em separado para obter apoio de credores. Por exemplo, os credores com garantias que reivindiquem pagamento de juros sobre os valores que lhes são devidos podem ter que concordar em não desencadear ações com as quais a administração discordar. Um litigante que esteja fazendo um acordo pode ter que concordar em apoiar apenas aqueles planos de reorganização que são propostos pela administração.

É difícil reduzir o poder dos administradores no Capítulo 11. O modelo de moratória-ou-venda pressupõe que os credores aprovem a administração em relação à moratória ou que o negócio será vendido a um comprador que terá seus próprios administradores, ou seja, os administradores subsistem com base na tolerância de terceiros ou são substituídos.

Contrariamente, o Capítulo 11 supõe que os administradores de antes da falência irão dirigir o negócio. Embora o Capítulo 11 permita a venda da empresa, não obriga o leilão. Se um comprador apresentar uma proposta para a aquisição da empresa, os administradores não têm obrigação legal explícita de examinar ou responder à proposta e os tribunais têm sido inconsistentes na imposição de tal obrigação.

Apesar disso, para empresas da "nova economia", os perigos de abusos por parte dos administradores geralmente pesa menos que as vantagens dos procedimentos do Capítulo11, em comparação à venda da empresa. Nos casos em que a empresa da "nova economia" foi criada pelo brilhantismo técnico de um gênio, faz mais sentido supor a permanência do gênio (como no Capítulo 11) do que supor a venda da empresa a donos outros que não o gênio (como no modelo moratória-ou-venda). Nos casos em que a empresa da "nova economia" está insolvente em razão do custo do serviço das dívidas contraídas para pagar pelas instalações, imóveis, equipamentos ou tecnologia, a conversão dessas dívidas em capital nos termos do Capítulo 11 permite que a empresa empregue o capital novo para o seu futuro e não para o seu passado.

Entretanto, quando a empresa da "nova economia" está insolvente porque não pode pagar pelo que precisa - quando não consegue cobrir seus custos operacionais, independentemente do serviço das dívidas - o negócio não tem futuro. Nem o Capítulo 11 e nem o modelo moratória-ou-venda podem ajudá-la. É por isso que a maioria das empresas da Internet não sobrevive no Capítulo 11. É também por isso que a assessoria das empresas de eletricidade da Califórnia admitiu - por escrito - que o Capítulo 11 não lhes oferece ajuda. O problema dessas empresas não é o excesso de dívidas. O seu problema é que não podem cobrar de seus clientes o suficiente para cobrir os custos da energia elétrica. A lição do Capítulo 11 é que uma empresa que é incapaz de pagar suas dívidas deve pertencer aos seus credores, mas uma empresa incapaz de pagar pelo que precisa deve pertencer a novos investidores. Sem isso, o novo investimento não será feito.

Conclusão

A comparação entre o Capítulo 11 e a moratória-ou-venda contém algumas lições que transcendem a escolha entre os dois modelos. Como observado, o universo da empresa insolvente é dominado pela dívida, o capital e as heranças. A dívida e o capital podem ser ajustados, convertidos ou eliminados sob o Capítulo 11 ou o modelo moratória-ou-venda. As heranças não podem. Assim, quanto maiores as heranças de uma empresa, menor sua probabilidade de sobreviver.

Uma sociedade pode decidir converter as heranças em dívidas, para que as heranças possam ser tratadas no processo de insolvência. O Capítulo 11 faz isso até certo ponto. Uma sociedade também pode decidir converter dívidas em heranças. Este é o problema final do modelo de moratória-ou-venda. Quando a venda é impensável ou impossível (quando, por exemplo, o devedor é um país soberano) a moratória é a única opção. Ao longo do tempo, a moratória ou destrói o valor das dívidas, como no Brasil e em muitas outras sociedades inflacionárias, ou converte as dívidas em heranças politicamente intocáveis, como no caso de reestruturação de dívidas de países soberanos.

Portanto, o modelo moratória-ou-venda é passível de corrupção, porque o valor das dívidas da empresa insolvente torna-se função do poder político dos credores. O ajuste das dívidas não depende das necessidades da empresa mas de fatores não-econômicos. Os políticos não têm coragem para resolver dívidas antigas porque devem favores políticos aos credores, e essas dívidas antigas desencorajam os investidores a promover o necessário aporte de novos recursos. Enquanto os credores praticam lobby e os políticos discursam, o país passa fome ou a empresa morre. Nós vimos isso acontecer em muitos países em desenvolvimento e suas principais empresas. Temo que veremos isso em breve na Califórnia, onde as empresas de energia elétrica precisam de dinheiro novo para sobreviver (na forma de aumento de preços), mas o estado, como fonte de dinheiro novo, nega-se a insistir, como qualquer investidor privado insistiria, na propriedade dessas empresas em troca do dinheiro novo. Espera-se que a negativa por parte da Califórnia de eliminar os credores existentes dessas empresas não tenha relação com as contribuições de campanha aos políticos californianos, feitas pelos principais credores.

THOMAS MOERS MAYER, sócio do escritório de advocacia
Kramer Levin Naftalis & Frankel, de Nova York,
especialista em direitos do credor e falências

Tradução de Istvan Vajda

quarta-feira, 22 de julho de 2009

STJ paralisa andamento de ações trabalhistas contra empresa em recuperação judicial

22/07/2009 - 11h08
DECISÃO
STJ paralisa andamento de ações trabalhistas contra empresa em recuperação judicial
O ministro João Otávio de Noronha, no exercício da Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu liminar parcial em um conflito de competência (tipo de processo), para interromper apenas algumas ações trabalhistas que já estão em fase de execução na Justiça de São Paulo contra a Reiplas Indústria e Comércio de Material Elétrico Ltda. A empresa está em recuperação judicial. O ministro também designou o Juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações de Empresas da Comarca de São Paulo para solucionar, em caráter provisório, questões urgentes relacionadas à indústria de material elétrico.

A Reiplas encaminhou o conflito de competência ao STJ para contestar as execuções trabalhistas que está sofrendo apesar de ter homologado judicialmente, na 2ª Vara de Falências e Recuperações de Empresas da Comarca de São Paulo/SP, seu plano de recuperação judicial, aprovado na Assembléia de Credores realizada em fevereiro de 2006.

A empresa solicitou que o STJ suspendesse o processamento de todas as execuções trabalhistas movidas contra ela e seus sócios relacionadas com créditos sujeitos aos resultados do plano de recuperação judicial, além da anulação de todos os atos que determinassem a penhora de bens ou de qualquer importância contra a empresa. Para a indústria, após a homologação do plano de recuperação, o Juízo da 2ª Vara de Falências tornou-se o competente para processar todas as ações e reclamações que a envolvem, pois se tornou o juízo universal da recuperação da empresa.

Ainda de acordo com a defesa da indústria, após a homologação do plano, a empresa encaminhou petições (documentos judiciais) aos Juízos trabalhistas onde tramitam ações contra ela – entre eles os Juízos das 1ª, 46ª e 53ª Varas do Trabalho de São Paulo, destacados no conflito de competência em análise no STJ. Nas petições, informou a impossibilidade de continuação das execuções de créditos trabalhistas, pois eles estariam sujeitos aos termos do plano de recuperação judicial por que passa a empresa, conforme determina a Lei de Falências (n. 11.101/05).

O ministro João Otávio de Noronha deferiu parcialmente liminar à indústria. Assim, ficam paralisadas apenas as execuções das reclamações trabalhistas indicadas no conflito de competência, que são as movidas por Mário Sérgio Silva Peres e Wilson Zadolynny, em tramitação nos Juízos da 1ª, da 46ª e da 53ª Vara do Trabalho de São Paulo, e não todas as ações contra a empresa e seus sócios, como solicitado no pedido ao STJ. Conforme a decisão do magistrado, cabe ao Juízo da 2ª Vara de Falências de São Paulo resolver, em caráter provisório, questões urgentes que envolvam a indústria.

Segundo o presidente do STJ em exercício, no caso em análise, estão presentes o fumus boni juris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo da demora de uma decisão). "Há nos autos comprovação do início de execuções nos juízos suscitados (indicados no conflito de competência), inclusive, com bloqueio online de valores constantes em suas contas bancárias", salientou o magistrado.

João Otávio de Noronha ressaltou o entendimento firmado pelo STJ no sentido de sua decisão de que "os atos de execução dos créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial, sob a égide do Decreto-Lei n. 7.661/45 ou da Lei n. 11.101/05, devem ser realizados pelo juízo universal", no caso, a 2ª Vara de Falências e Recuperações de Empresas de São Paulo, que homologou o plano de recuperação judicial da indústria de material elétrico.

Ao final de sua decisão, o ministro solicitou informações aos juízos indicados no conflito de competência e, com a chegada das informações, determinou que a ação seja enviada ao Ministério Público Federal para elaboração de parecer. Após esse trâmite, o conflito será encaminhado ao ministro Aldir Passarinho Junior, que vai relatar o processo no julgamento do mérito da questão no STJ sobre as ações e execuções judiciais movidas contra a empresa durante a evolução do seu plano de recuperação judicial. 

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Rumo a um mercado de ativos de recuperação

Rumo a um mercado de ativos de recuperação
Fonte: Valor Econômico
Publicado por: Coped
Data do documento: 17/07/2009


Se o que confere existência e caracteriza os mercados é a sua regulação, então a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3.934-2, recém-julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), contribuiu para pavimentar o caminho rumo à criação de um mercado de ativos de empresas em recuperação. A autorização estatal a determinadas trocas econômicas não importa na criação de um mercado, mas é um requisito indispensável à sua implementação.

É bem verdade que a alienação de ativos do empresário endividado, de boa-fé e com o fim de manter a empresa, já era, antes da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas - a Lei nº 11.101, de 2005 - permitida pela norma do artigo 164 do Código Civil, que reproduz o texto do artigo 112 do código anterior. A alienação de ativos, nessas circunstâncias e para esses fins, porque configura trespasse - na forma do artigo 1.146 do Código Civil -, determina, contudo, a imputação de responsabilidade ao adquirente, solidário ao alienante, pelas dívidas constituídas antes da transferência. Essa consequência é uma solução corrente em inúmeros julgados, especialmente em matéria trabalhista.

Deve-se lembrar, entretanto, que a permissão legal para vender ativos, condicionada à alocação do produto da venda na manutenção da empresa e à assunção das dívidas do alienante pelo adquirente, não se mantém se já houver execução em curso, capaz de reduzir o alienante à insolvência. Assim, se, incidente a norma do artigo 593 do Código de Processo Civil, o juiz declarar fraude à execução, o negócio será desfeito.

É fato que a sucessão do adquirente e a fraude à execução alinham-se para obstaculizar a alienação de ativos de empresas em dificuldades, produzindo, muitas vezes, resultados incompatíveis com o fim de proteger credores. Sabe-se que essas medidas protetivas diminuem drasticamente a liquidez e o preço dos ativos, além de incentivar o emprego de falsidades e simulações, mesmo quando o que se quer é manter a empresa e pagar os credores.

As regras do artigo 60 e do inciso II do artigo 141 da nova Lei de Falências, objeto do controle de constitucionalidade pleiteado e afirmado na referida Adin nº 3.934-2, têm, por outro lado, a finalidade de regular e restringir a aplicação da regra da sucessão, afastando-a, no âmbito de um plano de recuperação, também em relação aos créditos trabalhistas, quando a alienação do ativo concorrer à efetiva reabilitação da atividade, ou, ainda, na realização dos ativos do falido. O processamento do pedido de recuperação suspende as execuções e as demais medidas de cobrança em face da recuperanda e torna possível angariar recursos para pagar credores e reabilitar a atividade empresarial, sem que paire, sobre esses negócios, incerteza e insegurança intoleráveis, ainda que seja possível, na análise de cada caso concreto, o desfazimento dos negócios que, no bojo de um plano de recuperação aprovado, desviarem-se de sua finalidade e/ou tiverem malversados os seus produtos.

A declaração da constitucionalidade dessas regras não é, todavia, e a despeito de ser um passo decisivo, o suficiente para criar um mercado de ativos de empresas em recuperação, que seria valioso tanto para a plena satisfação dos direitos dos credores quanto para a recuperação da empresa. Serão convenientes e necessárias, ainda, a intervenção estatal ou a manifestação da iniciativa privada - nos limites da autorregulação - para incentivar o surgimento de mecanismos de classificação e de uma ideal formação de preços desses ativos, o que poderia ocorrer por meio da criação de bolsas de ativos. Essas bolsas, que seriam vias negociais reguladas, poderiam ser administradas, por exemplo, pelas federações de indústria e comércio ou por outras organizações privadas, admitindo à negociação apenas ativos cuja alienação encontre-se prevista e devidamente autorizada na forma de um plano de recuperação ou na fase de arrecadação em falência.

Os riscos residuais, a exemplo da possibilidade da alienação ser considerada fraudulenta em espécie, mormente em reclamações trabalhistas, seriam melhor acessados pelos adquirentes e até mesmo mitigados pela publicidade que se conferiria ao negócio, bem como pelo emprego dos recursos dele derivados. O preço vil, que é uma das frequentes alegações a vulnerar a alienação de ativos em recuperação, sai de cena com a adoção de mecanismos objetivos de precificação, fundados no encontro, no mercado, das maiores ofertas de compra com as menores ofertas de venda.

O surgimento dessas vias negociais mitigaria assimetrias de informação, atribuindo segurança aos adquirentes e melhores visibilidade, liquidez e preços aos ativos, de modo a beneficiar as empresas recuperandas e os seus credores, assumindo, por fim, uma relevância econômica capaz de desbordar os limites e os objetivos da recuperação de empresas.

(Walfrido Jorge Warde Jr. e Rudi Alberto Lehmann Jr. são advogados e sócios do escritório Lehmann, Warde Advogados e da Sociedade Brasileira de Recuperação de Empresas (SBRE))