quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Empréstimo bancário de empresa é incluído em recuperação judicial

São Paulo, 17 de agosto de 2009

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

Empréstimo bancário de empresa é incluído em recuperação judicial


Ainda que em poucos casos, algumas empresas em recuperação judicial têm conseguido incluir empréstimos bancários classificados como cessão fiduciária em seus planos de recuperação. Em uma decisão recente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) aceitou o argumento da E.E.C.I. e E. de I. e desfez o que se chama no mercado de "trava bancária" -- mecanismo batizado com esse nome por, na prática, autorizar o banco a sacar os valores de recebíveis diretamente da conta corrente do cliente, evitando a inadimplência.

Os tribunais de Justiça do Espírito Santo e do Mato Grosso também têm seguido esse mesmo caminho e incluído esses contratos de cessão fiduciária nos créditos sujeitos à recuperação judicial. Porém, tribunais de peso, como o de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná têm sido predominantemente favoráveis aos bancos, que continuam com a posse dos recebíveis depositados.

Na decisão da 6ª Câmara Cível do TJMG, os desembargadores entenderam, por unanimidade, que o B.I. não comprovou que os valores depositados na conta corrente da E., em recuperação judicial, se referem à cessão fiduciária. Por isso, afastaram a possibilidade de retirar esses créditos a receber do processo de recuperação. O foco das discussões está nos empréstimos concedidos e classificados como cessão fiduciária de direitos creditórios e cuja garantia são os recebíveis das empresas.

No entanto, ainda que fosse comprovada a cessão fiduciária, o relator, desembargador Maurício Barros, ressalta que isso deveria, de qualquer forma, entrar no roll de credores da empresa. Entendimento que foi seguido pelos demais magistrados. O Itaú já ingressou com embargos de declaração no tribunal contra a decisão.

De acordo com o relator, "a cessão fiduciária de títulos não se encontra na exceção prevista no parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Falências". Esse artigo exclui da recuperação o proprietário fiduciário de bens móveis e imóveis. No entanto, o desembargador entendeu que esses títulos são bens móveis imateriais, que não estariam englobados no artigo. Isso porque, segundo ele, quando o artigo estabelece que não é permitida a retirada de bens essenciais à atividade empresarial do devedor durante o prazo legal de suspensão, demonstra estar se referindo a bens móveis materiais em todo o contexto do dispositivo legal.

Esse tipo de entendimento, no entanto, não tem sido comum nos tribunais estaduais. Em geral, os casos favoráveis às empresas ocorrem porque há falhas no registro do contrato de cessão fiduciária. Para o advogado da empresa, Luiz Alberto Leschkau, "a decisão está em total consonância com o princípio geral da Lei de Falências de preservação da empresa, uma vez que esses resgates de valores feitos pelos bancos das contas de empresas em recuperação acabam por inviabilizar suas atividades".

O advogado Julio Mandel, do Mandel Advocacia, também concorda que esse artifício criado pelos bancos, ao passar a chamar suas garantias de cessão fiduciária em lugar de caução de títulos, retira a possibilidade de a empresa reerguer-se. "Cria-se um desequilíbrio de forças que faz com que a recuperação judicial volte a ser, no futuro, como a antiga concordata e se perca toda a modernidade e eficácia".

Já para o advogado Luiz Roberto de Assis, do Levy e Salomão Advogados, que assessora instituições financeiras, a decisão do TJMG não seria a mais acertada. Segundo ele, o artigo 49 da Lei de Falências menciona que estaria excluído da recuperação o proprietário fiduciário de bens móveis e imóveis, sem fazer a distinção realizada pelo desembargador com relação a bens materiais ou imateriais.

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa do Itaú não retornou até o fechamento dessa reportagem.

Adriana Aguiar , de São Paulo  

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A recuperação judicial da General Motors

A recuperação judicial da General Motors
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 05/08/2009


A crise da GM parecia insolúvel. A companhia, que chegou a ser responsável pela venda de metade dos carros nos Estados Unidos e empregou, nos seus vários seguimentos, a quantidade de pessoas correspondente à população dos Estados de Nevada e Delaware juntos, e ainda era vista como modelo de gestão, estava finalmente à beira do abismo. Por se confundir com a era de ouro do capitalismo americano, sua débâcle parecia simbolizar a crise da própria hegemonia da economia dos Estados Unidos.

Após 40 anos perdendo mercado, a GM mantinha um perfil cada vez mais distante do modelo de eficiência de produção automobilística mundial. Além de oferecer benefícios para seus empregados e pensionistas fora dos padrões de mercado, a GM ainda continuava produzindo várias marcas de automóveis, sendo que muitas delas eram deficitárias. Por todas as suas peculiaridades, a indústria americana era jurássica se comparada com as montadoras asiáticas, especialmente a Toyota e a Honda. Enquanto a montadora americana continuava fabricando oito marcas de veículos (Cadillac, Buick, Pontiac, Chevrolet, Saab, GMC, Saturn e Hummer), a Toyota, com quase o mesmo percentual de mercado, mantinha apenas três marcas em produção, e a Honda somente duas.

Como resultado dessa realidade, a GM precisava, com urgência, reduzir custos, fechando 14 fábricas, encerrando 29 mil postos de trabalhos e milhares de concessionárias. O número de distribuidores de automóveis era um problema gravíssimo da montadora americana. Enquanto a GM mantinha uma rede gigantesca, de cerca de 7.000 distribuidores, a Toyota tinha apenas 1.500 e a Honda, cerca de 1.000 distribuidores. Mesmo ciente da necessidade de reduzir o número de distribuidores, a GM enfrentava um obstáculo legal, pois sabia que as concessionárias estavam protegidas por leis estaduais que lhes garantiam a permanência de seus contratos com a montadora.

A solução para rever os contratos com as distribuidoras seria através do ajuizamento de um pedido de reorganização, através do chamado "Chapter 11" da Lei de Falências americana, que afastaria a proteção das leis estaduais em relação aos distribuidores. Da mesma forma, os contratos de trabalho e os direitos dos pensionistas poderiam também ser modificados. Enfim, a proteção judicial da reorganização era o único caminho para enxugar a companhia, que havia perdido mais de US$ 80 bilhões nas últimas décadas. Além disso, esse sistema legal permitiria a segregação de ativos, sem que ficassem contaminados com o passivo anterior, criando uma nova montadora que não fosse a sucessora universal de todas as obrigações da velha companhia.

Mas faltava algo essencial para essa fórmula funcionar: dinheiro novo. Apesar do lobby fortíssimo, o governo relutava em oferecer ajuda, com receio de que não resolvesse o problema e ainda tornasse a empresa mais vulnerável à competição externa. Mas a GM gerava tantos empregos, direta e indiretamente, e a indústria automobilística estava tão arraigada na sociedade americana que o governo sentiu-se na obrigação de ajudá-la. Por isso, o governo Obama, além da ajuda anterior de US$ 19 bilhões, injetou mais de US$ 30 bilhões para assegurar a viabilidade da nova montadora (General Motors Company (GMC), que produziria apenas as marcas Chevrolet, Cadillac, GMC e Buick.

Assim, com um aporte de US$ 50 bilhões, foi possível à GM reduzir dívidas, cessar a produção de marcas que não eram competitivas (Hummer, Pontiac etc.) e, principalmente, diminuir em cerca de 40% sua rede de distribuidores. Com esse novo perfil, espera-se que a montadora americana volte a ser competitiva, principalmente em relação às montadoras asiáticas. Além de disputar mercado com as empresas japonesas e coreanas, a crise da indústria automobilística americana está acelerando a transferência de parte desse setor para os mercados emergentes, com destaque para a China.

Essa boa notícia da recuperação da GM foi bastante festejada pelo mercado, e também pela Casa Branca, destacando-se o fato de que o processo judicial foi concluído em apenas 40 dias. Todavia, essa solução beneficiou apenas a montadora, deixando centenas de concessionárias da velha GM à beira da insolvência. Assim, parece que vamos assistir a uma nova batalha das distribuidoras da antiga GM, para obter ajuda do governo americano, tal como ocorreu com a GM e a Chrysler.

Em artigo publicado em 14 de julho em sua página na internet (www.professorbainbridge.com), o professor Stephen M. Bainbridge lembrou que essa batalha já começou, pois as concessionárias de automóveis americanas já estão pressionando o Congresso americano a aprovar uma ajuda financeira - a "Automobile Dealers Economic Rights Restoration Act" -, sem a qual a recuperação dessa parte do setor automobilístico não será possível. As antigas distribuidoras da GM e da Chrysler somam mais de 3.300. Em síntese, tudo leva a crer que os distribuidores de automóveis americanos necessitarão da proteção do Chapter 11 da Lei de Falências americana. Falta apenas combinar com o governo americano para injetar mais dinheiro novo. É o que veremos nos próximos meses.

(Paulo Penalva Santos e Otto Eduardo Fonseca Lobo são advogados no Rio de Janeiro e em São Paulo e sócios do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados)