segunda-feira, 25 de março de 2013

ACCs não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial

22/03/2013 - 08h06
DECISÃO
ACCs não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial
A execução de títulos de adiantamento a contrato de câmbio (ACC) não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, previstos no artigo 49, parágrafo 4°, da Lei 11.101/05. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que definiu a questão por três votos a dois. O relator é o ministro Villas Bôas Cueva.

Conforme destacou o ministro em seu voto, "sem declaração de inconstitucionalidade, as regras da Lei 11.101 sobre as quais não existem dúvidas quanto às hipóteses de aplicação não podem ser afastadas a pretexto de se preservar a empresa".

O ministro Cueva lembrou que a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências disciplinou como devem ser as relações entre a empresa em crise e seus credores. E uma dessas regras, segundo o ministro, determina expressamente que a cobrança dos chamados adiantamentos de créditos decorrentes de contratos de câmbio celebrados na operação de exportação, os ACCs, não é influenciada pelo deferimento da recuperação judicial.

O recurso

O caso trata de crédito derivado de ACC pertencente ao HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo na recuperação judicial da Siderúrgica Ibérica. No recurso ao STJ, o banco sustentou que o entendimento aplicado à questão pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) violou o artigo 49, parágrafo 4º, da Lei 11.101.

O tribunal local constatou que os ACCs representariam 41,45% da dívida da siderúrgica. Afirmou que haveria "impossibilidade fática de coexistência harmônica" entre os artigos 47 e 49, parágrafo 4º, da lei. O primeiro trata do princípio da preservação da empresa; o segundo traz a regra de que não está sujeita aos efeitos da recuperação judicial a importância entregue ao devedor decorrente de ACC para exportação.

Com isso, o TJPA optou por aquele que, a seu ver, "melhor se alinha aos objetivos da República e aos princípios constitucionais da ordem econômica", privilegiando a preservação em detrimento do artigo 49, que exclui os créditos de ACC.

Irresignado, o banco defendeu em seu recurso que os créditos decorrentes de ACC não se sujeitam à recuperação judicial e que a proteção a eles prevista no artigo 49 não pode simplesmente ser afastada sob pena de quebra da segurança jurídica, "com grave desestímulo à contratação do crédito na modalidade em pauta por parte das instituições financeiras".

Regra e princípio

Ao analisar a questão, o relator relembrou a distinção entre regra e princípio e advertiu que o juízo de ponderação, feito no caso pelo TJPA, só se admitiria em hipótese de colisão de princípios, não neste julgamento, em que há conflito entre uma regra (artigo 49) e um princípio (artigo 47).

"A ponderação é recurso interpretativo que se molda a resolver conflitos de normas da mesma natureza, o que não se verifica no caso. Estamos diante de dois dispositivos trazidos pelo mesmo veículo normativo, portanto do mesmo nível hierárquico", explicou.

"Quando a estipulação do princípio não advém de legislação editada com o fim de dispor sobre normas gerais, mas do mesmo plano normativo que a regra, a regra deve prevalecer sobre o princípio, salvo se houver declaração de inconstitucionalidade que lhe retire eficácia", completou Cueva.

O ministro também destacou que é clara e direta a opção do legislador no sentido de preservar a restituição dos ACCs de forma independente do plano da recuperação. Se não fosse assim, Cueva alerta que a inclusão de tais créditos na recuperação comprometeria "a fluidez dos investimentos lastreados na modalidade do crédito em questão (largamente utilizado pelos exportadores), encarecendo o custo da captação de recursos e dificultando a geração de renda, emprego, inovação e a arrecadação de tributos".

Transferência de propriedade

Acompanharam esse entendimento os ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino. Em seu voto de desempate, Sanseverino acrescentou que a regra do artigo 49 "densifica e delimita" os princípios do artigo 47. A proteção aos créditos de ACC, disse Sanseverino, concretiza, no plano dos créditos sujeitos à recuperação judicial, os princípios do artigo 47, entre os quais os da preservação e da função social da empresa.

O ministro Sanseverino ainda lembrou a existência da Súmula 307 do STJ, segundo a qual os ACCs constituem crédito extraconcursal na falência (que não concorrem com outros na falência), devendo sua restituição ser atendida antes de qualquer crédito. Isso porque, "sendo o contrato de câmbio modalidade de compra e venda, o adiantamento ao exportador da moeda nacional, antes do recebimento da moeda estrangeira, não implicaria a transferência da propriedade da moeda nacional".

A constatação, no entender do ministro Sanseverino, implica também a exclusão dos ACCs na recuperação, "pois os bens que não integram o patrimônio da recuperanda [a siderúrgica] não podem ser utilizados para o cumprimento do plano".

Votaram em sentido contrário à posição vencedora a ministra Nancy Andrighi e o ministro, já aposentado, Massami Uyeda.

A notícia ao lado refere-se
aos seguintes processos:

quinta-feira, 21 de março de 2013

STJ - SUJEIÇÃO DOS CRÉDITOS CEDIDOS FIDUCIARIAMENTE AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

DIREITO EMPRESARIAL. SUJEIÇÃO DOS CRÉDITOS CEDIDOS FIDUCIARIAMENTE AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

Não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial os créditos representados por títulos cedidos fiduciariamente como garantia de contrato de abertura de crédito na forma do art. 66-B, § 3º, da Lei n. 4.728/1965. A Lei n. 11.101/2005 estabelece, como regra geral, que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49, caput). Todavia, há alguns créditos que, embora anteriores ao pedido de recuperação judicial, não se sujeitam aos seus efeitos. Segundo o § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Ademais, de acordo com o art. 83 do CC/2002, consideram-se móveis, para os efeitos legais, os direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações. O § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, após estabelecer a regra de que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis "não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial", estabelece que "prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial". Isso, contudo, não permite inferir que, não sendo o título de crédito "coisa corpórea", à respectiva cessão fiduciária não se aplicaria a regra da exclusão do titular de direito fiduciário do regime de recuperação. Com efeito, a explicitação contida na oração "prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa" tem como escopo deixar claro que, no caso de bens corpóreos, estes poderão ser retomados pelo credor para a execução da garantia, salvo em se tratando de bens de capital essenciais à atividade empresarial, hipótese em que a lei concede o prazo de cento e oitenta dias durante o qual é vedada a sua retirada do estabelecimento do devedor. Assim, tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusulas de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Portanto, em face da regra do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, devem ser excluídos dos efeitos da recuperação judicial os créditos que possuem garantia de cessão fiduciária. REsp 1.263.500-ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/2/2013.

Aval, novação e recuperação judicial

Aval, novação e recuperação judicial

Autor(es): Bruno Valladão Guimarães Ferreira
Valor Econômico - 21/03/2013
 

 

O tema desse artigo é a possibilidade de se cobrar, ou não, do avalista de devedor que impetra recuperação judicial.

Desde o julgamento dos embargos de divergência em agravo nº 1.179.654-SP, em março de 2012, pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 3ª e a 4ª Turma da Corte parecem haver firmado jurisprudência no sentido de que o avalista responderá sempre, exceto na hipótese de ser também sócio da devedora principal e com responsabilidade ilimitada, quando estaria blindado apenas nos primeiros 180 dias - período em que são suspensas as execuções contra a avalizada.

A Corte possui, em síntese, dois argumentos. Um, de que o aval (modalidade de garantia de uma obrigação, assumida num título de crédito) é autônomo, ou seja, existe independentemente do negócio que deu origem ao título e das relações dele constantes. Outro, de que a Lei de Recuperação de Empresas, em seus arts. 49, parágrafo 1º e 2º; e 59, caput, determina que os credores "conservam seus direitos contra os coobrigados", sendo o plano aprovado "sem prejuízo das garantias", "salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano".

Com o devido respeito, porém, divergimos desse entendimento.

A leitura isolada desses dispositivos dá a entender que, na recuperação judicial, em regra, preserva-se o aval, que somente é extinto se o plano assim determinar.

No entanto, a Lei de Falências deve ser interpretada em conformidade a todo ordenamento jurídico, principalmente quando trata de institutos estranhos à especialidade de sua matéria.

E, no que tange ao aval e à novação, o Código Civil é, sem dúvidas, mais específico do que a lei falimentar.

A novação é definida pelo Código Civil como sendo a constituição de uma obrigação nova em substituição à anterior, que fica extinta.

De acordo com seu art. 364, a novação "extingue as garantias da dívida sempre que não houver estipulação em contrário" pelas partes que figuram na nova relação e pelo garantidor.

Portanto, pelo Código Civil, em regra, no silêncio das partes e do avalista, a novação acarretará a extinção do aval. E isso não depende da característica da autonomia dessa garantia, pois o desaparecimento de todas as relações anteriores havidas dentro de um título de crédito entre credor, devedor principal e avalista é necessário para que estes não permaneçam duplamente vinculados perante aquele.

Desse modo, ao interpretar a Lei de Falências em conformidade ao Código Civil, entendemos que, com a aprovação do plano pelos credores, seguida da decisão judicial que a homologa e concede a recuperação judicial ao devedor, as dívidas são novadas (novação "sui generis", pois condicionada ao cumprimento do plano durante a recuperação) e o aval somente persistirá caso conste expressamente do plano, devendo ser criado novo título de crédito, cuja obrigação principal corresponderá àquela assumida no plano, e no qual o avalista formalizará a prestação da garantia.

Aliás, permitir-se que a extinção do aval em razão da novação seja regra em todas as relações exceto na recuperação judicial é colaborar para a indesejada insegurança jurídica em nosso ordenamento. O plano deve ser apresentado pelo devedor em até 60 dias contados da decisão judicial que defere o processamento de sua recuperação e que, no mesmo ato, suspende por 180 dias as execuções contra o mesmo.

A suspensão objetiva oferece tempo para reorganizar suas atividades e renegociar suas dívidas, sem que no período possa vir a quebrar por bloqueios ou expropriações de seus bens. O êxito da negociação gerará, justamente, o plano de recuperação.

Os 180 dias coincidem com outros prazos legais ao fim dos quais o plano deverá estar votado pelos credores. E, então, ou não terá sido aprovado e a falência será decretada ou o terá sido, e a recuperação será concedida com a consequente novação das dívidas.

Portanto, dentro daqueles 180 dias, o avalista pode vir a ser cobrado porque ainda não há novação.

Notamos, aqui, que a Lei de Falências também suspende as execuções promovidas por "credores particulares do sócio solidário". Para os aludidos tribunais, se o avalista é sócio solidário às obrigações da sociedade (sua responsabilidade é ilimitada), a ele incide tal suspensão.

Todavia, em nosso entender, suspensas são as execuções movidas por "credores particulares", exclusivos de alguém que seja sócio ilimitadamente responsável de empresa que impetrou recuperação; e não aquelas propostas por credores da sociedade contra avalista que também é sócio, já que é apenas sua qualidade de avalista - e não de sócio solidário - que se considera para se definir se responderá, ou não, pela dívida. O sócio-avalista deve estar ciente dos riscos da garantia, que não é mera formalidade.

Por fim, consignamos que o plano pode estabelecer obrigações para além do período dentro do qual o devedor estiver sob recuperação judicial (em tese, no máximo 2 anos, conforme arts. 61 e 63). No entanto, caso descumpra obrigação posterior, a consequência será a falência sem o retorno às condições anteriores à aprovação do plano - mantendo-se, porém, o eventual título criado em razão da preservação do aval (art. 62).

Concluímos no sentido de que o avalista, sócio ou não, responde enquanto não proferida a decisão que concede a recuperação judicial da sociedade; caso o plano não seja aprovado pelos credores; se, durante o processo de recuperação judicial, alguma obrigação do plano for descumprida, cuja consequência será a decretação da quebra com os credores tendo "reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas" (art. 61, § 1º e 2º, da Lei de Falências, dessa vez em consonância ao Código Civil). Ou ainda se, após o encerramento da recuperação, o devedor descumprir obrigação do plano, o que dará ensejo à execução do título de crédito constituído quando da aprovação do plano que houver preservado o aval.

Bruno Valladão Guimarães Ferreira é advogado

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