quinta-feira, 7 de julho de 2011

A polêmica trava bancária e a Lei de Falências

A polêmica trava bancária e a Lei de Falências
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 07/07/2011


A polêmica gira em torno da propriedade fiduciária no contexto dos tribunais estaduais com decisões conflitantes que sistematicamente excluem esses créditos do âmbito de incidência da norma falitária, estendendo a aplicação do próprio comando do artigo 49, inclusive com as recentes súmulas do Tribunal de Justiça de São Paulo (59 a 62). Não há, ainda nesse instante, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, gerando larga insegurança jurídica.

As questões centrais são: quais são os limites de incidência da norma, considerando o princípio da preservação da empresa? Seria razoável a inclusão dessa espécie de crédito no plano de recuperação judicial, impondo a seus credores os mesmos efeitos daqueles sujeitos à empresa recuperanda? Com a exclusão dessa espécie de créditos dos efeitos da recuperação e a sistemática migração que se percebe na prática, dos créditos hipotecários para as chamadas cessões fiduciárias de recebíveis em garantia, não estariam colocando em risco o próprio princípio norteador da lei?

Um dos fatores geradores dessa controvérsia reside no fato de que os credores desse tipo de garantia são as instituições financeiras, que atuam como fomentadoras da própria atividade empresarial no país. Tais instituições possuem a faculdade e não a obrigatoriedade de conceder créditos, conforme prévia e criteriosa avaliação de riscos e da capacidade de pagamento do devedor solicitante de crédito. Outra fator é o espírito da lei, preservação da empresa como fonte produtora.

Os tribunais vêm consolidando o entendimento de que a trava bancária é legal
Destaco que um dos principais objetivos da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE) é ampliar o acesso ao crédito e reduzir seu custo no Brasil, ou seja, dar condições para a diminuição do spread bancário. Mas a queda dos spreads é muito lenta e desproporcional à queda dos juros básicos. E análises convergem: os spreads inviabilizam o processo recuperatório.

Assim, o interesse público da preservação da empresa, dentre outros, deve prevalecer em relação ao interesse privado dos credores nesse estado de exceção que se encontra a empresa em crise? Desde já nos posicionamos pela prevalência da preservação apoiada no princípio constitucional da proporcionalidade.

A Constituição Federal de 1988 autoriza que a norma - Lei nº 11.101, de 2005 - restrinja ou mesmo limite o interesse particular, em determinadas situações (como é o caso da excepcionalidade da empresa em crise), em favor do interesse público. Não seria a supremacia, mas sim a prevalência do interesse público em relação ao interesse privado, onde deve estar presente a observância da proporcionalidade - razoabilidade -, vedação ao excesso e preservação do chamado núcleo essencial.

Entretanto, em grande parte dos processos de recuperação judicial os planos limitam-se à ampliação dos prazos para o pagamento das dívidas e ao "hair cut" (deságio) que, na prática, variam de 70% a 90% sobre o valor da dívida, apresentando soluções que se mostram, muitas vezes, incapazes de permitir a reestruturação necessária à efetiva superação da crise.

Dessa forma, a operação se torna vantajosa na perspectiva das instituições financeiras em decorrência do artigo 49, parágrafo 3º, da LFRE, segundo o qual credores de propriedade fiduciária de bens móveis não estariam sujeitos ao procedimento de recuperação judicial, prevalecendo seus direitos sobre o bem dado em garantia e as condições contratualmente previstas. Ao contratar tal empréstimo, comumente fica estabelecido entre as partes que o valor emprestado -- os créditos cedidos a título de garantia -, bem como outros valores operados pela devedora, são segregados em depósito em conta sob a administração daquela instituição financeira, garantindo, por via de consequência, a chamada trava bancária.

Portanto, a polêmica reside no fato de que ao outorgar esse verdadeiro - "fast track" - privilégio às instituições financeiras, elas poderão imediatamente expropriar do patrimônio da devedora-recuperanda, por exemplo, fluxo de caixa presente e inclusive futuro. Já os demais credores estarão obrigatoriamente submetidos à moratória estabelecida no momento da aprovação do plano e deverão aguardar o cumprimento do estabelecido na novação do plano de recuperação judicial.

Em resumo, quando a instituição financeira dá aquela garantia como forma de pagamento, a atividade da devedora-recuperanda fragiliza-se ainda mais, pois aqueles valores que seriam destinados ao caixa da empresa para pagamento dos demais credores que estão sujeitos a par "conditio creditorum" serão apropriados imediatamente como forma de cumprimento da obrigação perante a mesma.

Tal privilégio gerou quantidade considerável de ações judiciais contra as instituições financeiras e tem contribuído para o fracasso do processo recuperatório uma vez que deixa, nos termos do artigo 47, de viabilizar a superação da crise econômico-financeira da devedora-recuperanda. Perigosamente, aos poucos, os tribunais vêm consolidando o entendimento de que a "trava bancária" e a consequente expropriação da garantia da cessão fiduciária de direitos creditórios é legal e deve ser respeitada.

(Ecio Perin Junior é doutor e mestre em direito comercial pela PUC-SP e consultor jurídico de Viseu Advogados)

domingo, 3 de julho de 2011

RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - TRAVA BANCÁRIA - FISCO - PRESERVAÇÃO DA EMPRESA






VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS




STJ impede leilão em recuperação judicial



As empresas em recuperação judicial têm conseguido no Judiciário evitar que seus bens sejam leiloados ou comprometidos para o pagamento de dívidas tributárias e até mesmo bancárias. Em casos como esses, que já encontram apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem-se aplicado o que se chama juridicamente de princípio geral de preservação ou função social das empresas. A ideia é evitar a venda ou penhora de bens essenciais à produção ou manutenção da companhia, cuja retirada significaria a quebra do empreendimento.

Essa linha de entendimento evitou, por exemplo, que uma empresa de alimentos de Itaquecetuba, interior de São Paulo, fosse despejada de sua própria sede. O imóvel onde funciona a fábrica foi dado em garantia a uma dívida de R$ 10 milhões com um fundo de investimentos - contrato de alienação fiduciária. A empresa em recuperação judicial não conseguiu quitar o débito na data prevista e o fundo passou a ter direito de propriedade sobre o imóvel. Por esse motivo, o credor pediu ao Judiciário e obteve decisão favorável para a desocupação do local.

No entanto, apesar de as questões previstas em contratos de alienação fiduciária não se submeterem aos efeitos da Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101, de 2005), a empresa recorreu ao STJ, que interpretou a questão de modo diverso. Para a Corte, o bem seria indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, "sob pena de inviabilizar a empresa e os empregos por ela gerados". A companhia emprega 150 pessoas e gera indiretamente cerca de 400 empregos.

Para os ministros, isso não significa que o imóvel não será entregue ao fundo de investimentos, mas que o juiz da recuperação judicial deverá estabelecer prazos e condições para essa entrega, fixando remuneração pela ocupação do bem. O advogado Fernando De Luizi, da Advocacia De Luizi, representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Guarulhos e Região, que também participou do processo, afirma que o STJ tem adotado uma posição firme em relação à constrição de bens de empresas em recuperação judicial e evitado que a retomada das companhias possa ser prejudicada. "A finalidade social das empresas, como a geração de empregos, tem sido considerada", afirma. Segundo o advogado, o mesmo princípio tem evitado que o Fisco - que não participa dos planos de recuperação judicial - consiga penhorar bens para o pagamento de débitos tributários.

No ano passado, por exemplo, o STJ determinou a devolução de duas máquinas à Borcol Indústria de Borracha, fabricante de tapetes, instalada em Sorocaba, interior de São Paulo. Os equipamentos foram leiloados em um processo de execução fiscal promovido pela Fazenda Nacional contra a empresa e chegaram a ser arrematados. A ação de cobrança foi apresentada pelo menos dois anos antes de a empresa entrar em recuperação. Como a Lei de Falências não determina a suspensão desse tipo de execução, ela continuou a correr paralelamente ao processo de recuperação.

A juíza do processo de recuperação determinou a suspensão da execução, mas o juiz federal responsável pela ação de cobrança do Fisco não aceitou o pedido. Por isso, a questão foi parar no STJ num conflito de competência entre os magistrados, pois ambos entendiam que poderiam decidir a questão. A Corte superior suspendeu os leilões por considerar mais importante naquele momento a manutenção dos empregos e a finalidade social da companhia do que os créditos fiscais. "Não é justo tirar um bem essencial de uma empresa em dificuldade. Se ela quebrar, perderá a sociedade com o desemprego e o próprio Fisco, que deixará de arrecadar tributos", afirma o especialista em recuperação judicial Júlio Mandel, do Mandel Advocacia.

Já em uma decisão recente, o STJ suspendeu a penhora de dinheiro na conta bancária da Lotáxi Transportes Urbanos, de Brasília. O advogado que representou a empresa no processo, Marcus Vinícius de Almeida Ramos, do escritório Almeida Ramos Advogados, afirma que sua cliente está em recuperação judicial e, no entanto, sofreu penhora de recursos financeiros para o pagamento de débito com o Fisco federal. Segundo ele, esse tipo de decisão quebra o plano de recuperação judicial, elaborado a partir de um planejamento de pagamento dos credores. "Essas decisões atacam o patrimônio da empresa e podem inviabilizar o plano", afirma Ramos.

Nesse caso, além da função social da empresa, o STJ considerou que apesar da Lei de Falências ser de 2005, até hoje não foi aprovado pelo Congresso, como previsto na própria norma, um parcelamento especial para as empresas em recuperação judicial, destinado a quitar débitos com os fiscos estaduais, municipais e federal.

Zínia Baeta - De São Paulo