segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Uso de FIP em recuperação enfrenta barreiras

Uso de FIP em recuperação enfrenta barreiras

Insegurança em relação à extensão de responsabilidade de gestores e cotistas de Fundos de Investimento em Participação (FIP) ainda inibe a aplicação efetiva desse instrumento em casos de recuperação judicial de empresas. Para especialistas, é preciso evidenciar o impedimento de exigir de cotistas recursos além do investido ou a utilização de bens de gestores para cobrir insucessos na nova fase das empresas

Por Andréa Háfez 23|09|2008
Luiz Leonardo Cantidiano

Empresas em dificuldades que ingressaram com pedido de recuperação judicial podem contar com mais um aliado em suas novas tentativas de sobreviver no mercado e continuar a gerar riquezas. Os chamados Fundos de Investimento em Participação _ FIPs _ são um instrumento do mercado de capitais que viabilizariam o ingresso de: novos recursos, para dar fôlego financeiro à companhia; de gestores, para permitir a adesão a melhores práticas na administração, sem que o controlador perdesse o seu lugar.

Uma conciliação de interesse que pode parecer perfeita para a busca de preservação de riquezas na economia brasileira: com a manutenção das atividades de empresas, dos empregos gerados pela mesma, e a potencialização do pagamento de débitos aos seus credores. No entanto, alguns questionamentos têm levado à criação de uma insegurança que barra a concretização desse tipo de operação nessas situações.

Em evento promovido recentemente pelo Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp), alguns especialistas da área de Direito de Mercado de Capitais e de Recuperação Judicial e Falências, debateram sobre partes dessa discussão. A maior preocupação está relacionada a até aonde os investidores e gestores dos FIPs devem responder pelos insucessos da empresa anteriores e posteriores ao seu ingresso.

O ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), hoje sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha, o advogado Luiz Leonardo Cantidiano acredita que os FIPs podem efetivamente colaborar nos processos de recuperação judicial de empresas. Segundo ele, esse tipo de instrumento consegue dar uma solução aos conflitos que tradicionalmente se fazem presentes em empresas que são viáveis, mas que necessitam de capital novo, mudar escalas de produção e aspectos de gestão. "Normalmente, há um trilema (sic) em empresas com esse perfil: os credores exigem mudança na gestão e a entrada de dinheiro novo para renegociar, o investidor colocaria novos recursos, mas desde que houvesse mudança na gestão, e o controlador não quer largar a gestão, pois acredita que sem ele a empresa vai quebrar".

O desenho dos FIPs vai de encontro a essas necessidades porque o investimento que ingressará por meio dele implicará em mudanças na gestão sem necessariamente mudar o controle da companhia. Segundo a sua regulamentação - Instrução CVM nº 391, esses fundos devem participar do processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão. No caso das empresas em processo recuperação, a IN n º 391 faz inclusive referência expressa de que, se o fundo decidir aplicar recursos nesse tipo de companhia, será admitida a integralização de cotas em bens ou direitos, inclusive créditos, desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao processo de recuperação da sociedade investida e desde que o valor dos mesmos esteja respaldado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada.

"A intenção era inserir uma regra expressa na regulamentação que explicitasse que aqueles fundos com pretensão de ser parte do processo de recuperação da empresa, mesmo antes de uma recuperação judicial, poderiam ter um mecanismo em que créditos, bens, direitos, envolvidos, relacionados com o processo de recuperação, desde que devidamente avaliados, pudessem fazer parte do fundo", afirma Cantidiano.

Assim, de acordo com ele, em uma recuperação poderia haver uma estruturação de FIPs estabelecida da seguinte maneira: um fundo controle com as ações do controlador, um fundo por classe diferenciada de credores: dos trabalhadores, dos credores quirografários, por exemplo, e um no qual fornecedores poderiam transferir bens ou serviços para a sua formação. Em todos haveria a possibilidade de migrar participações de um para o outro.

"Por meio desses fundos, existiriam mecanismos variáveis para a realização de crédito", afirma. Um investidor que quisesse apostar no processo de recuperação da empresa, teria a chance de ir a mercado e comprar cotas daquele investidor (credor, fornecedor) que tinha trocado o seu crédito ou seu ativo por cotas. O investidor como, por exemplo, um credor que quisesse sair poderia integralizar cotas do fundo e vendê-las; ou negociar o seu crédito no mercado secundário, para alguém que pretendesse ingressar no fundo.

No processo de recuperação judicial há um aspecto mais interessante ainda: existiria uma melhor organização, pois as discussões e deliberações por categoria de credores aconteceriam no âmbito de cada fundo, constituído a partir de cada tipo de credor, durante as assembléias de cotistas que já chegariam a suas definições. Na assembléia de credores no processo judicial somente participariam os representantes de cada fundo, o que facilitaria a efetiva tomada de decisões.

No entanto, com a exacerbação da responsabilidade no Brasil e a permanente tentativa de desconsiderar a Personalidade Jurídica, há um receio em usar esse instrumento. "Parece haver um entendimento de que os gestores sempre estão fraudando os credores e, por isso, devem ser responsabilizados, com o uso de seus bens, pelas dívidas das empresas", afirma Cantidiano. Essa situação gera uma insegurança que impede, muitas vezes, a possibilidade de uso dos FIPs. "Os FIPs participarão da gestão mas são condomínios civis, que não possuem uma lei específica, mas são regulamentados pela CVM". Assim, sua participação na gestão poderá acarretar em responsabilização de seus gestores somente quando efetivamente agirem de forma fraudulenta e não para quitar dívidas originadas inclusive fora de seu período de trabalho. Os cotistas também não deveriam arcar com resultados negativos além do próprio investimento feito, depois que ingressaram na empresa.

No entanto, a postura de representantes do Ministério Público e da Magistratura sinaliza em outra direção: se o fundo ingressar em sociedade com dificuldades financeiras, será responsabilizado _ por meio de seus gestores e cotistas _ pelo resultado, independente da existência de abuso ou fraude cometidos por seus participantes. "Assim, teriam que contribuir para algo que não foi conseqüência de atos realizados pelo fundo", afirma.

O sócio responsável pelas áreas Jurídica, Financeira e Administrativa do Pátria Investimentos, Luiz Otavio Magalhães, afirma que o Pátria não investiu em casos de empresas em recuperação judicial, por seu próprio perfil. No entanto, haveria a possibilidade. "Desde que o investidor não tivesse que cobrir além do investido: o limite da perda é o investimento. O risco não pode ir além disso."

Para o advogado Renato Mange, especialista na área de recuperações empresariais e falências, concorda: "o investidor entra no risco: mas o limite é o valor colocado. Se ele for envolvido em questões pré-existentes à sua entrada, não haverá investimento". É preciso considerar inclusive que a gestão de uma empresa em dificuldade tem que ser ousada. "E a ousadia às vezes dá certo ou não. Mas a gestão tem que ser protegida e não simplesmente punida".

Segundo ele, uma possibilidade de tornar o uso dos FIPs mais viáveis e de evitar o fim das empresas é utilizar as novas disposições da legislação de recuperações e falências. "A grande mudança da lei foi a inversão da realização do ativo. Na legislação anterior a 2005, primeiro se apurava o passivo para depois realizar o ativo. Agora, o ativo pode ser realizado de imediato", diz. "A empresa vai passar pela falência, o juiz tem que acreditar que pode vender esse ativo e, então, podem ser criados FIPs para dar continuidade ao negócio livre de todas as questões fiscais e trabalhistas".

Segundo Mange, é inviável a predominância da postura adota pelo Judiciário, principalmente o trabalhista, no sentido de que o credor precisa receber, não importa de quem. "Não se pode colocar a massa falida como um ente superior, caso contrário não haverá investimento". Se o gestor, tanto o que atuava anterior à falência ou recuperação como o que ingressou depois, agir mal, ele deverá responder, mas por ter adotado essa posição e não porque é gestor.

advogado ainda destaca a necessidade de compreensão de que o possível acontecimento da falência faz parte do negócio. "É uma das formas de liquidar a empresa e não é preciso haver culpa. Se houver crime, tem que ser apurado". Além disso, Mange lembra que a falência não é o fim da empresa. "A nova lei permite: faliu, realizem os ativos". Para a realização dos ativos, os leilões precisam ser válidos. "Muitas vezes, os leilões são feitos e depois o que foi disposto não vale. Se o juiz determina que não há sucessão trabalhista e fiscal, não deve ocorrer modificações, pois, caso contrário, ninguém acredita nos leilões". Assim, os ativos realizados entram para a massa falida, mas o resto é atividade nova e permite o ingresso de novos investidores, sem compromisso com o passado.

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