segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O "cram down" da lei de falências e recuperações judiciais

 

Luiz Fernando Höfling

O "cram down" da lei de falências e recuperações judiciais

A lei de falências e recuperações judiciais, agora em vigor, assimilou, da legislação americana, o "cram down", vale dizer, o mecanismo pelo qual, mediante a deliberação da maioria dos credores, aqueles que não aprovarem o plano de recuperação judicial devem, necessariamente, conformar-se com ele, a despeito de manifestação de vontade em sentido contrário.

Admite-se, até mesmo, que essa técnica corresponda a princípios saudáveis de preocupação com a manutenção das empresas, dada a sua relevância social e econômica para o país.

Na prática, entretanto, está ocorrendo perversão do princípio, na medida em que tem sido utilizado como mecanismo de compra de apoio da maioria, em detrimento da minoria, o que caracteriza uma "unfair discrimination" que o legislador, certamente, repudiaria, se tivesse conhecimento prévio dessa prática, que colide, frontalmente, com o princípio da igualdade entre os credores.

E a perversão consiste, rusticamente, no seguinte:

A recuperanda apresenta um plano de recuperação judicial, sem base de sustentação entre os credores, como, por exemplo, o que preveja desconto de 40% do crédito, pagamento em vinte e cinco anos, com correção monetária pelo INPC, com uma carência de dois anos para início dos pagamentos.

Na data designada para a assembleia – que monumental erro do legislador foi o de admitir que as assembleias fossem feitas na comarca correspondente ao domicílio da devedora, que pode ser em cidades distantes, submetidas à influência política do devedor, o que torna, no mínimo, perigosa a presença do credor e de seus advogados - sentam-se os devedores, diante dos credores, indagando deles o que querem para aprovação do plano.

A recuperanda curva-se, diante de cada uma dessas vontades, satisfazendo-as: com um, faz acordo para receber em dois anos, com carência de dois meses, mediante pagamento de juros de 1% ao mês, mais taxa referencial; com outro, para receber em quatro anos, com carência de três meses, mediante pagamento de juros de 0,5% ao mês, além de correção pelo INPC; e, assim, sucessivamente, até chegar-se à metade mais um dos votos dos credores, em, pelo menos, duas classes de credores e 1/3 dos credores, na terceira classe, preenchendo-se, destarte, os requisitos do artigo 58 do texto legal.

Alcançado esse número, a recuperanda deixa de celebrar acordo com os demais credores, que ficam, então, condenados à vala comum do precário plano de recuperação geral, inicialmente submetido à assembleia.

Estes últimos credores, dessa forma, ficam prejudicados, pois, diante da posição favorável dos demais credores, na proporção exigida pelo artigo 58 do texto legal, o juiz poderá conceder a recuperação judicial à recuperanda, muito embora tenham sido objeto de "unfair discrimination", sendo submetidos, sem mais nem menos, ao rigor do "cram down".

É óbvia a "compra' dos votos assembleares, mediante a concessão de favores ao número de credores necessários para assegurar a aprovação do plano modificado em assembleia!

Dir-se-ia que esse mecanismo, sem dúvida perverso, seria obstado pela aplicação da regra do parágrafo segundo do artigo 58 do texto legal, segundo a qual a recuperação judicial somente será concedida se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.

A verdade, porém, é que essa regra somente é evocável se houver, na terceira classe, rejeição do plano de recuperação, com aprovação de, tão somente, um terço.

Se, ao contrário, houver aprovação do plano de recuperação judicial, nas três classes, não será possível aplicá-la.

É, com efeito, difícil identificar, na jurisprudência de nossos tribunais, aí incluído o paulista, casos em que essa regra tenha sido evocada, como neutralizadora da ação nefasta da compra dos votos assembleares, pela via da celebração de acordos individuais com cada um dos credores de cada classe.

Cabe, dessa forma, aos julgadores, a função de atentarem para o princípio da "pars conditio creditorum", de forma a evitarem que credores da mesma classe – muitas vezes a pretexto de que continuariam a financiar as atividades da recuperanda – possam ser tratados de forma diferente, com privilégios concedidos à maioria do artigo 58 do texto legal.

De contrário, o mecanismo perverso produzirá as suas piores consequências, deixando ao desabrigo o interesse dos credores que, embora minoritários, não podem deixar de ver reconhecidos os seus direitos, em face dos demais concorrentes.

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*Luiz Fernando Höfling é advogado do escritório Höfling, Thomazinho Advocacia

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Banco Santos terá proposta de FIDC

Banco Santos terá proposta de FIDC
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 20/09/2011


O processo de falência do Banco Santos, que chegou ao centésimo volume na Justiça paulista, deve receber em breve uma proposta para a criação de um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC). Elaborado pela Cadence Gestora de Recursos, o fundo reuniria todos os créditos da massa falida da instituição. Isso inclui tanto os valores já recuperados que estão em caixa quanto os que ainda dependem de decisões judiciais para serem efetivamente cobrados.

Hoje, a massa falida do Banco Santos tem R$ 281 milhões em caixa. Desse valor, R$ 274 milhões destinam-se a reservas e provisões, sendo que metade pertence a credores que não sacaram seus créditos nos dois rateios já realizados - boa parte estrangeiros que tentam na Justiça remeter os valores a seus países sem recolher Imposto de Renda.

O balanço da falência, iniciada em setembro de 2005, contabiliza R$ 760,5 milhões já pagos aos credores, incluindo os pagamentos pendentes. Ainda restam mais de R$ 2,5 bilhões devidos pela massa aos 1.944 credores quirografários (sem prioridade no recebimento) do Banco Santos.

A ideia de criar um FIDC para reunir todos os créditos do Banco Santos nasceu em 2009, mas foi alvo de críticas por parte de alguns credores, descontentes com a previsão de que o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira poderia se beneficiar dos resultados obtidos pelo fundo. Durante quase todo o ano passado, a proposta da Cadence, antecipada pelo Valor em 12 de novembro de 2009, foi ofuscada por diversos episódios que envolveram a conturbada falência do Banco Santos. Agora, volta à tona com alterações, às vésperas da realização de uma assembleia geral de credores, autorizada pela Justiça, mas ainda sem data para acontecer. E a principal delas é a exclusão do ex-banqueiro falido do rol de cotistas com direito aos créditos a serem recuperados.

Em um parecer emitido no fim de julho e anexado ao processo de falência do banco, o promotor do Ministério Público de São Paulo, Eronides Rodrigues dos Santos, afirma que não há qualquer problema no fato de credores articularem outras formas de realizar os ativos da massa falida. No entanto, observa que, para que qualquer proposta seja apreciada, é preciso que seja apresentada nos autos do processo falimentar.

Embora tenha confirmado a intenção de, em breve, apresentar o projeto do FIDC à 2ª Vara de Falências de São Paulo, onde tramita o processo, o sócio da gestora Cadence, João Adamo, afirma que seria prematuro se manifestar sobre os detalhes da operação, já que ela ainda não foi entregue à Justiça. O Valor, no entanto, teve acesso à minuta do regulamento do FIDC, que já circula entre credores do banco.

Ao contrário da minuta anterior apresentada a credores pela Cadence, o documento detalha o funcionamento do FIDC, já incluindo suas futuras administradora (BRL Trust Distribuidora de Títulos), custodiante (Citibank Distribuidora de Títulos) e auditoria (KPMG). De acordo com o texto, os cotistas serão unicamente os credores quirografários do banco e seu número de cotas será equivalente ao valor nominal de seus créditos. Se, após a liquidação de todas as cotas, sobrar dinheiro, ele será destinado à massa falida - e não mais a Edemar Cid Ferreira.

Ainda conforme o documento, os credores-cotistas receberiam em no máximo 120 dias os recursos transferidos da massa falida para o FIDC, com exceção de R$ 20 milhões destinados a um fundo de reserva "com o objetivo principal de jamais haver chamada de recurso dos credores". Distribuições futuras ocorrerão sempre em um prazo de 120 dias, conforme os créditos recuperados entrarem no caixa do fundo ou quando o excedente ultrapassar R$ 5 milhões, mantida a reserva inicial.

Fontes que acompanham de perto a falência do Banco Santos afirmam que, da forma como está, a proposta de FIDC seria inviável. Uma dessas fontes, que preferiu não se identificar, disse à reportagem que a única forma de garantir sucesso ao fundo seria se contemplasse o encerramento da massa falida e a quitação de ao menos 50% da dívida do banco - o que exigiria a entrada de dinheiro novo. "Não faz sentido simplesmente transferir recursos já arrecadados para outro veículo", diz.

O principal apelo para a criação do FIDC, conforme a proposta da Cadence, é a possibilidade de imprimir maior agilidade à cobrança dos créditos e a liquidação dos ativos do Banco Santos. Isso, no entanto, é uma incógnita, segundo a mesma fonte. A própria avaliação da carteira de contencioso do banco, feita pela Directa a pedido da massa falida, é alvo de contestações. Segundo a avaliação, que levou em consideração 635 contratos com 220 devedores, dos R$ 3,29 bilhões em ações de cobrança abertas pela massa, seria possível arrecadar apenas R$ 277,68 milhões - no cenário mais otimista.

A criação de um FIDC também teria entraves jurídicos de difícil solução. "O problema é que, nesse caso, não existe direito creditório, mas sim um contencioso judicial", diz o presidente do comitê dos credores do Banco Santos, Jorge Queiroz.

Além disso, entre as disputas judiciais do Banco Santos, há vários processos em que a massa falida cobra valores devidos por empresas que também cobram na Justiça por dívidas deixadas pela instituição. Antes de ir à falência, o banco de Edemar Cid Ferreira fechava contratos de reciprocidade, nos quais a concessão de empréstimos era condicionada à aplicação de parte do valor levantado em operações de outras empresas do banqueiro. Em alguns casos a massa falida já fez acordos com devedores-credores, mas em outros há a necessidade de perícia para comprovar as operações "casadas".

Se a proposta de FIDC for posta em negociação, um dos pontos mais polêmicos deve ser o custo da recuperação dos ativos. Até agora, a massa falida gastou R$ 39 milhões para recuperar mais de R$ 950 milhões - ou seja, o custo foi de 2,64%. Pelo regulamento do FIDC, o universo de credores pagará R$ 2,8 milhões ao ano em taxas de gestão e administração, sem incluir a taxa de performance do fundo, que varia conforme o valor recuperado em créditos e o tempo de recuperação.

(Cristine Prestes | De São Paulo)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Impugnação a plano de recuperação judicial pode ser retirada até assembleia de credores

Falência

Impugnação a plano de recuperação judicial pode ser retirada até assembleia de credores

 
O credor pode retirar sua impugnação contra plano de recuperação judicial até a convocação da assembleia de credores. Esse entendimento fundamentou o voto do ministro João Otávio de Noronha, do STJ, em recurso movido por empresa de engenharia, incluída no regime de recuperação previsto pela lei 11.101/05, contra instituição bancária. A 4ª turma acompanhou integralmente a decisão do relator.

Um dos credores havia impugnado o plano de recuperação da empresa, mas, antes da convocação da assembleia, ele retirou a objeção. O juiz homologou a desistência e determinou que a recuperação prosseguisse. Entretanto, um banco, também credor, entrou com recurso no TJ/RN para ver reconhecida a impossibilidade da desistência ou que os outros credores fossem ouvidos.

O tribunal decidiu que o juiz não poderia ter homologado a desistência. Para o TJ/RN, a legislação tem o propósito de evitar conluios que possam prejudicar os demais credores, bem como impedir que a empresa em dificuldades seja constrangida "em troca de generosos benefícios".

No seu recurso ao STJ, a defesa da empresa em recuperação afirmou que, com a desistência, a assembleia de credores prevista no artigo 56 da lei 11.101 se tornou desnecessária. O credor retirou a impugnação apenas seis dias após apresentá-la, antes que qualquer outra medida pudesse ser tomada.

O ministro João Otávio de Noronha reconheceu que a lei não prevê procedimento no caso de o credor objetar o plano de recuperação e depois desistir. "Certo é que não existe nenhuma vedação à desistência, tampouco se pode obrigar a parte a prosseguir com a impugnação", esclareceu. Para o relator, não haveria razão legal para não homologar a desistência.

"Se o credor, voluntariamente, abriu mão do seu intento e julgou melhor acolher as condições postas no plano do devedor, não há por que não acolher a desistência apresentada", disse ele.

Como a lei de Falências permite que qualquer interessado impugne o plano de recuperação – observou o ministro –, se o banco tinha interesse nisso, deveria apresentar suas próprias razões. O ministro destacou ainda que a impugnação não chegou a ser levada aos outros credores, então, até aquele momento, apenas quem a apresentou tinha interesse nela.

__________

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.153 - RN (2007/0298115-2)

RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

RECORRENTE : ENGEQUIP ENGENHARIA DE EQUIPAMENTOS LTDA

ADVOGADO : MARUSKA LUCENA MEDEIROS E OUTRO(S)

RECORRIDO : BANCO ARBI S/A

ADVOGADO : EDUARDO SERRANO DA ROCHA E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CREDOR. DESISTÊNCIA ANTES DE CONVOCADA A ASSEMBLÉIA-GERAL DE CREDORES. POSSIBILIDADE.

1. O credor pode desistir da objeção ao plano de recuperação judicial se o pedido de desistência tiver sido apresentado antes de convocada a assembléia-geral de credores.

2. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 04 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Trata-se de recurso especial interposto por ENGEQUIP ENGENHARIA DE EQUIPAMENTOS LTDA. com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE HOMOLOGOU O PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL OPOSTO POR UM DOS CREDORES. IMPOSSIBILIDADE DE O JUÍZO FALIMENTAR APRECIAR A OBJEÇÃO FORMULADA. NECESSIDADE DE CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA-GERAL DE CREDORES. INTELIGÊNCIA DO ART. 56 DA LEI N. 11.101/2005. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTÊMICA DO DISPOSITIVO À LUZ DO ART. 89 DA ANTIGA LEI DE FALÊNCIAS. IDENTIDADE DE PROPÓSITOS. INTUITO DE EVITAR CONLUIOS TENDENTES A PREJUDICAR OS DEMAIS CREDORES, BEM COMO CONSTRANGER O FALIDO COM EXPEDIENTES E ARDIS EM TROCA DE GENEROSOS BENEFÍCIOS. PARÊMIA UBI EADEM RATIO, IBI EADEM JURIS DISPOSITIO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO" (fl. 141).

Sustenta a recorrente afronta aos arts. 267, VIII, do CPC e 56 da Lei n. 11.101/2005, porque um dos credores levantou objeção ao plano de recuperação judicial, mas desistiu antes da convocação da assembléia-geral de credores, sendo desnecessária a manutenção dessa reunião.

O recorrido ofereceu contrarrazões (fl. 152).

Admitido o recurso na origem (fls. 180/182), ascenderam os autos ao STJ.

O Ministério Público Federal ofertou parecer sumariado nos termos a seguir:

"COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. HOMOLOGAÇÃO DO PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL OPOSTO POR UM DOS CREDORES. INVIABILIDADE. ART. 65 DA LEI N. 11.101/2005. ASSEMBLÉIA-GERAL DE CREDORES. CONVOCAÇÃO NECESSÁRIA.

Parecer pelo improvimento do recurso especial, para manter o acórdão recorrido" (fl. 189).

É o relatório

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):

A empresa recorrente requereu recuperação judicial em razão de atravessar crise econômico-financeira. A credora Açotubo Indústria e Comércio Ltda. apresentou impugnação ao pedido de recuperação e desistiu antes da designação da Assembléia-Geral de Credores prevista no art. 56 da Lei n. 11.101/2005.

O magistrado de primeira instância homologou o pedido de desistência e determinou o prosseguimento da recuperação. O credor Banco Arbi S/A, ora recorrido, interpôs agravo de instrumento para ver reconhecida a impossibilidade da desistência ou que, pelo menos, os demais credores fossem ouvidos previamente sobre o pedido.

O Tribunal a quo entendeu que o juiz não poderia homologar a desistência, e o recorrente apresentou este recurso especial.

A Lei n. 11.101/05 rege o procedimento para a recuperação judicial de empresa que atravesse dificuldades econômico-financeiras. O artigo 55 da lei em comento autoriza qualquer credor a apresentar objeção ao plano apresentado pela empresa em recuperação, e o artigo seguinte determina que, havendo a objeção, o juiz convoque assembléia-geral de credores para que esses deliberem acerca do plano apresentado.

Não apresentada objeção, prossegue-se no procedimento de recuperação com a juntada dos documentos exigidos na lei, e, em seguida, o juiz concede a recuperação judicial em razão da aprovação tácita do plano, que se dá pela inércia dos credores (arts. 55 e 58, primeira parte).

Na situação dos autos, no dia 22 de fevereiro de 2007, a credora Açotubo Indústria e Comércio Ltda. apresentou objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pela recorrente (fl. 57). No dia 28 seguinte, antes de convocada a assembléia-geral de credores ou tomada qualquer outra medida que pudesse instaurar o contraditório, houve desistência da objeção apresentada (fl.86), a qual foi homologada com a concordância do Ministério Público.

A lei não prevê o procedimento a ser adotado caso o credor apresente objeção e posteriormente desista. Certo é que não existe nenhuma vedação à desistência, tampouco se pode obrigar a parte a prosseguir com a impugnação ao plano de recuperação judicial. Se o credor, voluntariamente, abriu mão do seu intento e julgou melhor acolher as condições postas no plano do devedor, não há por que não acolher a desistência apresentada.

Demais disso, a lei prevê que qualquer credor pode objetar; se o recorrido tinha interesse na impugnação das condições apresentadas pela empresa devedora, deveria ter apresentado as suas razões.

Destaque-se, mais uma vez, que o pedido de desistência foi protocolizado e homologado antes de convocada a assembléia-geral de credores e ainda, antes de publicizada a sua apresentação, ou seja, a objeção ainda não tinha sido levada aos demais credores, presumindo-se que, até aquele momento, somente quem a apresentou tinha interesse no processamento.

Assim, conclui-se ser possível o credor desistir da objeção ao plano de recuperação judicial se o pedido de desistência tiver sido apresentado antes de convocada a assembléia-geral de credores.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a possibilidade de homologação da desistência ao pedido de objeção ao plano de recuperação judicial.

É o voto.
 

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

contrato de leasing e a lei 11.101/05,

Fonte: www.migalhas.com.br de 1/set/2011
 

Ricardo Thomazinho da Cunha

O contrato de leasing e a lei 11.101, de 9/2/05, que regulou a recuperação judicial e a falência do empresário e da sociedade empresária

A lei 11.101 (clique aqui), de 9/2/05, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro profundas reformas, das quais, certamente, a mais relevante é a constante do artigo 49, a seguir reproduzido:

"Artigo 49 – Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos."

Esse enunciado faz supor que a universalidade dos credores da empresa em recuperação judicial está sujeita às condições desta última, e, pois, sob influência do plano de recuperação judicial aprovado em assembleia geral de credores.

Dele, entretanto, há importantes exceções:

- os créditos fiscais, dos quais se ocupou o parágrafo 7 do artigo 6, pois está previsto que "as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento do pedido de recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica";

- os créditos de que se ocupou o artigo 48, parágrafo terceiro, ou seja, de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóveis em contratos com cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade, de proprietário em contrato de compra e venda com reserva de domínio, pois, em relação a estes, a suspensão dos processos valerá, por tão somente 180 dias, prazo findo o qual terão andamento normal;

- os créditos oriundos de adiantamento a contrato de câmbio, que, nos termos do inciso II do artigo 86, deverão ser devolvidos ao credor, por meio de pedidos de restituição.

A posição das instituições financeiras, que se dedicam à celebração de contratos de arrendamento mercantil, consequentemente, está bem definida na nova legislação:

- caberá ao credor, uma vez notificado o devedor, aguardar seis meses, da data do deferimento do pedido de recuperação judicial;

- depois desse prazo, poderá, sem qualquer autorização judicial, ou propor a ação de recuperação judicial do bem, ou dar seguimento à ação anteriormente proposta, que tenha sido objeto de suspensão.

As instituições financeiras arrendadoras, consequentemente, não deveriam preocupar-se com o pedido de recuperação judicial de seus devedores, pois, a exemplo do que ocorria com a concordata, no regime legislativo anterior, o exercício de seu direito à recuperação do bem objeto do arrendamento não ficará prejudicado, senão pela circunstância de poder ser exercido, tão somente, depois de decorrido o prazo de seis meses, a contar da data do pedido de deferimento da recuperação judicial.

É certo, porém, que se instalou, na jurisprudência dos tribunais, a doutrina oriunda do princípio da preservação das empresas, dada a sua função social.

Esse princípio tem tido várias manifestações, na jurisprudência dos tribunais, das quais é possível indicar as seguintes:

- uma empresa de alimentos de Itaquecetuba, no interior do Estado de São Paulo, não pôde recuperar um imóvel que lhe havia sido dado em propriedade fiduciária, pois o Superior Tribunal de Justiça entendeu que este último seria indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, que, contando com 150 empregados, não poderia subsistir, sem contar com aquele imóvel;

- segundo o mesmo princípio, as ações do Fisco têm sido bloqueadas, em homenagem àquele princípio;

- no ano passado, foram devolvidas duas máquinas a uma empresa instalada no interior de São Paulo, as quais haviam sido leiloadas em um leilão judicial promovido pela Fazenda Nacional contra a empresa devedora;

- no caso a que se aludiu, entendeu-se que não seria justo tirar um bem essencial de uma empresa em dificuldades, pois, se ela quebrar, perderá a sociedade com o desemprego e o próprio Fisco, que deixará de arrecadar tributos;

Pode-se mencionar, ainda, recente decisão do STJ que suspendeu a penhora de dinheiro, na conta bancária de uma devedora de Brasília, a pretexto de que esse ato quebraria o plano de recuperação judicial, elaborado a partir de um planejamento para o pagamento dos credores.

Em nossa própria experiência, apresentou-se caso que ocorreu na Comarca de Lagoa Santa, no Estado de Minas Gerais, em que foram protagonistas, de um lado, a Sul Leasing International USA Inc., e, de outro lado, a empresa Clima Termo- acústica Ltda.

Nesse caso, proposta, por parte do arrendador, a ação de recuperação do equipamento, contra o arrendatário, negou o juiz a medida antecipatória pleiteada.

E o fez porque entendeu que os bens objeto da recuperação judicial seriam indispensáveis para o funcionamento da empresa em recuperação judicial.

Houve recurso de agravo de instrumento, para o TJ/MG, que, no entanto, negou-lhe provimento, sob a seguinte argumentação:

"Devo, ainda, salientar que os bens objeto da reintegração, conforme documentos trazidos pela agravada em sua contra-minuta, são indispensáveis à atividade-fim da empresa, motivo pelo qual sua remoção, incontestavelmente, comprometerá a eficácia do instituto da recuperação judicial.

É notório que o artigo 47 da lei 11.101 de 2005 exprime o princípio basilar da recuperação judicial de empresas em colapso econômico.

Tal princípio busca a manutenção de empregos, o estímulo à atividade empresarial e o crescimento econômico.

Assim, ainda que o artigo 49, parágrafo terceiro, determine que o arrendador não ficará sujeito aos efeitos da recuperação, importante observar o intuito do instituto em questão, que é de recuperar a empresa.

Deste modo, entendo acertada a decisão hostilizada, eis que, tratando-se de bem essencial à atividade da empresa recuperanda, a reintegração, ainda que após o prazo de 180 dias, não poderá ser efetivada, sob pena de inviabilizar-se a recuperação da empresa."

Esse voto, da relatora do recurso, desembargadora Selma Marques, teve a aprovação dos outros dois juízes, tendo sido vencedor.

A decisão foi objeto de recurso, por parte da empresa de leasing, ao STJ.

O recurso, entretanto, não chegou a ser conhecido, por parte do STJ, pois:

- antes do julgamento no STJ, houve quebra da empresa recuperanda, que, nesses termos, teve convolado o seu regime de recuperação judicial em falência;

- sendo assim, já não se poderia manter o entendimento de que o objeto da ação seria essencial à atividade da empresa, pois esta, em razão da decretação da falência, já não tinha atividade alguma, nem essencial, nem não essencial.

Foi, então, possível pedir, ao juiz de 1ª instância, que concedesse a medida antecipatória requerida, o que foi feito, alcançando-se a recuperação do objeto do contrato de leasing, que foi devolvido à arrendadora.

É certo, porém, que, não fosse o advento da falência da empresa em recuperação judicial, não se teria alcançado a restituição dos objetos do contrato de leasing, que permaneceriam, destarte, por tempo indeterminado, na posse do arrendatário.

Desse caso, extrai-se importante lição:

- a consideração de que determinado bem é essencial à atividade da empresa pode ser um importante argumento, no momento em que o crédito é concedido, por parte do analista;

- é que, em razão dessa essencialidade, considerará ele que a tomadora do crédito não deixará de pagar as contraprestações previstas no contrato, para não vir a perder o equipamento e, assim, inviabilizar o funcionamento da empresa;

- mas, em função do que se expôs, a essencialidade do equipamento, para as atividades da empresa, pode conduzir, exatamente, ao oposto do que deseja aquele que concede o crédito, ou seja, à impossibilidade de retomada do equipamento, dentro da recuperação judicial, em virtude da consagração do princípio da preservação das empresas.

Em função de quanto se expôs, o assunto relativo ao contrato de leasing, em face das situações em que se tenha declarado a recuperação judicial das empresas, no Brasil, deve inspirar o maior cuidado, por parte das empresas investidoras.

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*Ricardo Thomazinho da Cunha é advogado do escritório Höfling, Thomazinho Advocacia