Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 20/09/2011
O processo de falência do Banco Santos, que chegou ao centésimo volume na Justiça paulista, deve receber em breve uma proposta para a criação de um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC). Elaborado pela Cadence Gestora de Recursos, o fundo reuniria todos os créditos da massa falida da instituição. Isso inclui tanto os valores já recuperados que estão em caixa quanto os que ainda dependem de decisões judiciais para serem efetivamente cobrados.
Hoje, a massa falida do Banco Santos tem R$ 281 milhões em caixa. Desse valor, R$ 274 milhões destinam-se a reservas e provisões, sendo que metade pertence a credores que não sacaram seus créditos nos dois rateios já realizados - boa parte estrangeiros que tentam na Justiça remeter os valores a seus países sem recolher Imposto de Renda.
O balanço da falência, iniciada em setembro de 2005, contabiliza R$ 760,5 milhões já pagos aos credores, incluindo os pagamentos pendentes. Ainda restam mais de R$ 2,5 bilhões devidos pela massa aos 1.944 credores quirografários (sem prioridade no recebimento) do Banco Santos.
A ideia de criar um FIDC para reunir todos os créditos do Banco Santos nasceu em 2009, mas foi alvo de críticas por parte de alguns credores, descontentes com a previsão de que o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira poderia se beneficiar dos resultados obtidos pelo fundo. Durante quase todo o ano passado, a proposta da Cadence, antecipada pelo Valor em 12 de novembro de 2009, foi ofuscada por diversos episódios que envolveram a conturbada falência do Banco Santos. Agora, volta à tona com alterações, às vésperas da realização de uma assembleia geral de credores, autorizada pela Justiça, mas ainda sem data para acontecer. E a principal delas é a exclusão do ex-banqueiro falido do rol de cotistas com direito aos créditos a serem recuperados.
Em um parecer emitido no fim de julho e anexado ao processo de falência do banco, o promotor do Ministério Público de São Paulo, Eronides Rodrigues dos Santos, afirma que não há qualquer problema no fato de credores articularem outras formas de realizar os ativos da massa falida. No entanto, observa que, para que qualquer proposta seja apreciada, é preciso que seja apresentada nos autos do processo falimentar.
Embora tenha confirmado a intenção de, em breve, apresentar o projeto do FIDC à 2ª Vara de Falências de São Paulo, onde tramita o processo, o sócio da gestora Cadence, João Adamo, afirma que seria prematuro se manifestar sobre os detalhes da operação, já que ela ainda não foi entregue à Justiça. O Valor, no entanto, teve acesso à minuta do regulamento do FIDC, que já circula entre credores do banco.
Ao contrário da minuta anterior apresentada a credores pela Cadence, o documento detalha o funcionamento do FIDC, já incluindo suas futuras administradora (BRL Trust Distribuidora de Títulos), custodiante (Citibank Distribuidora de Títulos) e auditoria (KPMG). De acordo com o texto, os cotistas serão unicamente os credores quirografários do banco e seu número de cotas será equivalente ao valor nominal de seus créditos. Se, após a liquidação de todas as cotas, sobrar dinheiro, ele será destinado à massa falida - e não mais a Edemar Cid Ferreira.
Ainda conforme o documento, os credores-cotistas receberiam em no máximo 120 dias os recursos transferidos da massa falida para o FIDC, com exceção de R$ 20 milhões destinados a um fundo de reserva "com o objetivo principal de jamais haver chamada de recurso dos credores". Distribuições futuras ocorrerão sempre em um prazo de 120 dias, conforme os créditos recuperados entrarem no caixa do fundo ou quando o excedente ultrapassar R$ 5 milhões, mantida a reserva inicial.
Fontes que acompanham de perto a falência do Banco Santos afirmam que, da forma como está, a proposta de FIDC seria inviável. Uma dessas fontes, que preferiu não se identificar, disse à reportagem que a única forma de garantir sucesso ao fundo seria se contemplasse o encerramento da massa falida e a quitação de ao menos 50% da dívida do banco - o que exigiria a entrada de dinheiro novo. "Não faz sentido simplesmente transferir recursos já arrecadados para outro veículo", diz.
O principal apelo para a criação do FIDC, conforme a proposta da Cadence, é a possibilidade de imprimir maior agilidade à cobrança dos créditos e a liquidação dos ativos do Banco Santos. Isso, no entanto, é uma incógnita, segundo a mesma fonte. A própria avaliação da carteira de contencioso do banco, feita pela Directa a pedido da massa falida, é alvo de contestações. Segundo a avaliação, que levou em consideração 635 contratos com 220 devedores, dos R$ 3,29 bilhões em ações de cobrança abertas pela massa, seria possível arrecadar apenas R$ 277,68 milhões - no cenário mais otimista.
A criação de um FIDC também teria entraves jurídicos de difícil solução. "O problema é que, nesse caso, não existe direito creditório, mas sim um contencioso judicial", diz o presidente do comitê dos credores do Banco Santos, Jorge Queiroz.
Além disso, entre as disputas judiciais do Banco Santos, há vários processos em que a massa falida cobra valores devidos por empresas que também cobram na Justiça por dívidas deixadas pela instituição. Antes de ir à falência, o banco de Edemar Cid Ferreira fechava contratos de reciprocidade, nos quais a concessão de empréstimos era condicionada à aplicação de parte do valor levantado em operações de outras empresas do banqueiro. Em alguns casos a massa falida já fez acordos com devedores-credores, mas em outros há a necessidade de perícia para comprovar as operações "casadas".
Se a proposta de FIDC for posta em negociação, um dos pontos mais polêmicos deve ser o custo da recuperação dos ativos. Até agora, a massa falida gastou R$ 39 milhões para recuperar mais de R$ 950 milhões - ou seja, o custo foi de 2,64%. Pelo regulamento do FIDC, o universo de credores pagará R$ 2,8 milhões ao ano em taxas de gestão e administração, sem incluir a taxa de performance do fundo, que varia conforme o valor recuperado em créditos e o tempo de recuperação.
(Cristine Prestes | De São Paulo)
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