quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Desconsideração e Falência - Possibilidade - julgado STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 1.211.823 - SP  (2010⁄0167776-4)    
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : A E S DO T L - FALIDA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL
  ANTÔNIO CARLOS ROCHA PIRES DE OLIVEIRA
  MARCIAL HERCULINO DE HOLLANDA FILHO E OUTRO(S)
  MARCELO FADEL
RECORRIDO : P B P L - MASSA FALIDA
ADVOGADOS : AFONSO HENRIQUE ALVES BRAGA E OUTRO(S)
  ANTÔNIO RULLI NETO
  OCTAVIO RULLI
 
 
EMENTA
 
 
PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. EXTENSÃO DE EFEITOS. SOCIEDADES COLIGADAS. POSSIBILIDADE. AÇÃO AUTÔNOMA. DESNECESSIDADE. DECISÃO 'INAUDITA ALTERA PARTE'. VIABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos.
2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses.
3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita independentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social.
4. Na hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a utilização de complexas formas societárias, é possível utilizar a técnica da desconsideração da personalidade jurídica com nova roupagem, de modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos.
5. Recurso especial não provido.
 
ACÓRDÃO
 
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). MARCIAL HERCULINO DE HOLLANDA FILHO, pela parte RECORRENTE: A E S DO T L.
 
 
Brasília (DF), 09 de agosto de 2011(Data do Julgamento)
 
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora
 
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.211.823 - SP (2010⁄0167776-4)
 
RECORRENTE : A E S DO T L - FALIDA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL
  ANTÔNIO CARLOS ROCHA PIRES DE OLIVEIRA
  MARCIAL HERCULINO DE HOLLANDA FILHO E OUTRO(S)
  MARCELO FADEL
RECORRIDO : P B P L - MASSA FALIDA
ADVOGADO : AFONSO HENRIQUE ALVES BRAGA E OUTRO(S)
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Trata-se de recurso especial interposto por A E S DO T L., para impugnação de acórdão exarado pelo TJ⁄SP no julgamento de agravo de instrumento.
Ação: de falência da sociedade P B DE P L.
Em 20 de julho de 2007, o síndico requereu a extensão dos efeitos da falência da sociedade P a uma série de empresas, discriminadas no requerimento apresentado (fls. 49 a 88, e-STJ), a saber: River South S.A., Vultee Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros, Securinvest Holdings S.A., Turvo Participações S.A., A E S do T L, Kiaparack Participações e Serviços Ltda., MT&T Prestação de Serviços em Envasamento Ltda., All Sugar International Inc (off-shore), Red Cloud Ltda (off-shore), Blue Snow Holdings Inc (off-shore) e Real Sugar Corporation (off-shore), Blue Snow Holdings Inc (off-shore) e Real Sugar Corporation (off-shore), além de uma série de pessoas naturais, a saber: Carlos Masetti Junior, Carlos Masetti neto, Ida Tufano, Francisco Bosque neto, Watson Gonçalves, Fernando Masetti, Wellengton Carlos de Campos, Myriam Nívea de Andrade Ortolan, Maria Isabel Quintino Nicotero Pestana e Watson Gonçalves (fls. 320 a 359, e-STJ).
O motivo seria o de que todas elas teriam participado de diversas operações realizadas com o intuito de desviar bens da massa falida. Especificamente com relação à recorrente A E S DO T L., o síndico argumenta que ela teria sido constituída para operar uma valiosa Usina de Álcool que havia, em uma simulada operação de lease back, sido repassada a empresas do Grupo Rural, em conjunto com o próprio Grupo Petroforte.
Decisão: esse pedido deferiu o pedido de extensão dos efeitos da quebra.
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto por A E S DO T L, nos termos da seguinte ementa (fls. 3.293 a 3.303, e-STJ) :
 
FALÊNCIA – PETROFORTE- EXTENSÃO DOS EFEITOS DE SUA QUEBRA À AGRAVANTE NOS AUTOS DA FALÊNCIA – ADMISSIBILIDADE – POSSIBILIDADE DE DEFESA POR MEIO DE RECURSO – NULIDADE INEXISTENTE – RECURSO DESPROVIDO.
FALÊNCIA – PETROFORTE – EXTENSÃO DOS EFEITOS DE SUA QUEBRA À AGRAVANTE – CABIMENTO – DESVIO DE FINALIDADE SOCIAL E ABUSO DE PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE – TRANSFERÊNCIAS SUCESSIVAS DE BENS PARA MANTÊ-LOS FORA DO ALCANCE DA JUSTIÇA – RECURSO DESPROVIDO.
 
Embargos de declaração: interpostos (fls. 3.319 a 3.333, e-STJ), foram rejeitados (fls. 3.338 a 3.341, e-STJ).
Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas 'a' e 'c' do permissivo constitucional (fls. 3.354 a 3.374, e-STJ). Alega-se a violação dos arts. 165, 458 e 535 CPC; 11, §1º e 12, §1º, 52 e 53 do DL 7.661⁄45.
Admissibilidade: após a apresentação de contrarrazões (fls. 3.423 a 3.484, e-STJ), o TJ⁄SP negou seguimento ao recurso especial, por decisão do i. Des. Presidente da Seção de Direito Privado, Luiz Antônio Rodrigues da Silva, motivando a interposição do Ag 1.227.327⁄SP, a que dei provimento ordenando a subida do recurso especial para melhor apreciação da controvérsia.
Medida cautelar: ajuizada objetivando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial. Distribuída sob o nº 14.673⁄SP, a medida liminar pleiteada foi por mim deferida nos termos da seguinte ementa:
 
Processo civil. Medida cautelar visando a atribuir efeito suspensivo a recurso especial ainda não interposto. Súmulas 634 e 635, do STF. Critérios para sua aplicação.
- Via de regra, não é possível conhecer, nesta sede, de pedido de atribuição a efeito suspensivo de recurso especial ainda não admitido na origem, por força do óbice contido nas Súmulas 634 e 635, do STF. Tal pedido deve ser formulado ao Tribunal de origem, nos termos do respectivo regimento interno.
- Em hipóteses excepcionais, o STJ deixa de aplicar essa regra, conferindo efeito suspensivo a recurso especial já interposto, mesmo que não tenha sido realizado, na origem, o exame de admissibilidade. Tal exceção, porém, somente se admite em hipóteses de claro e iminente prejuízo para a parte, de decisão evidentemente contrária à jusirprudência deste Tribunal ou de teratologia.
- A extensão da falência de uma empresa a outras que supostamente participaram de desvio patrimonial, com a lacração dos estabelecimentos, é medida extrema. A tomada de tal decisão, sem prévio contraditório, notadamente na hipótese em que a medida pode gerar o desemprego de aproximadamente 2.000 trabalhadores, configura circunstância que autoriza a mitigação da regra geral fixada pelas Súmulas 634 e 635⁄STF. Ganha relevo também o fato de que a empresa a quem se estendeu a falência pode permanecer em operação sob a estrita vigilância do síndico, sem prejuízo dos credores da massa, o que torna, ao menos 'prima facie', desnecessário sua lacração.
Medida liminar deferida.
 
Parecer do MPF: subscrito pelo i. Subprocurador-Geral da República Dr.  Pedro Henrique Távora Niess, pelo parcial conhecimento e, nessa parte, pelo desprovimento do recurso especial (fl. 3.591 a 3.601, e-STJ)
É o relatório.
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.211.823 - SP (2010⁄0167776-4)
 
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : A E S DO T L - FALIDA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL
  ANTÔNIO CARLOS ROCHA PIRES DE OLIVEIRA
  MARCIAL HERCULINO DE HOLLANDA FILHO E OUTRO(S)
  MARCELO FADEL
RECORRIDO : P B P L - MASSA FALIDA
ADVOGADO : AFONSO HENRIQUE ALVES BRAGA E OUTRO(S)
 
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Cinge-se a lide a estabelecer se é possível estender os efeitos da falência de uma empresa a outra, por decisão incidentalmente proferida, sem a oitiva da interessada, na hipótese em que não há vínculo societário direto entre as empresas, mas em que há suspeita de realização de operações societárias para desvio de patrimônio da falida nos anos anteriores à quebra, inclusive com a constituição de sociedades empresárias conjuntas para esse fim.
 
I – Histórico da alegada fraude
 
Para compreensão da lide, é necessário descrever, antes de mais nada, no que consistem as fraudes que a massa falida alega terem sido praticadas, justificando a desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência a uma série de empresas e pessoas físicas.
Segundo afirma o síndico, uma série de operações societárias foi montada para desvio de bens da massa falida, notadamente os bens da sociedade SOBAR S⁄A – ÁLCOOL E DERIVADOS, do grupo P. A fraude consistiria na seguinte operação, utilizando-se as palavras do acórdão recorrido:
 
 
Na hipótese sob exame, os autos indicam que entre a Rural Leasing e a Sobar foi celebrado contrato de arrendamento mercantil, na modalidade 'lease back'. Para instrumentalização do negócio, a Sobar transmitiu à Rural Leasing a propriedade do imóvel (por escritura aparentemente não registrada no Registro de Imóveis competente) e dos equipamentos nele instalados. Alegadamente inadimplido o contrato, a arrendadora ajuizou ação de rescisão, obtendo posteriormente sua reintegração na posse dos bens arrendados.
Entrementes, a Rural Leasing cedeu seus direitos creditórios, oriundos do mesmo contrato de arrendamento mercantil, à ora agravante, 'Securinvest Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros', que por seu turno integralizou, com os bens objeto do leasing (e não com os direitos creditórios de que era cessionária), ações destinadas ao aumento do capital social de 'Turvo Participações S.A.', que posteriormente os arrendou a 'A E S do T'. (omitimos)
Consta ainda a existência de um 'contrato particular de compra e venda de universalidade de bens' pelo qual a 'Turvo Participações S.A. alienou os mesmos bens a 'Kiaparack Participações e Serviços Ltda.', que por seu turno os teria arrendado (novamente...) a 'A E S do T'.
 
A mesma operação é descrita com mais detalhes pela SECURINVEST, no agravo de instrumento nº 1.335.918⁄SP, que trata da mesma controvérsia. Naquela oportunidade, a empresa SECURINVEST, objetivando fazer crer ao julgador que todo o processo foi revestido de legalidade, descreveu- da seguinte forma:
 
Não é demais relembrar que em 22 de agosto de 2000, a sociedade Rural Leasing realizou com Sobar S.A. – Álcool e Derivados uma operação de crédito revestida de toda legalidade, no caso um lease back. Por força da referida operação, a Rural Leasing adquiriu da Sobar o terreno, as construções nele erguidas e todas as máquinas e equipamentos empregados na atividade industrial. Ato contínuo os arrendou através de contrato de arrendamento mercantil. Tudo dentro da mais rigorosa legalidade, repita-se. Comprove-se pelos documentos que estão nos autos que por força da operação a Rural leasing efetivamente entregou à vendedora a importância de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), no caso o preço do negócio.
De seu lado, a arrendatária se obrigou a pagar à arrendante 42 (quarenta e duas) parcelas mensais, iguais e consecutivas, no valor de R$ 328.907,32, pelo arrendamento e R$ 187.320,79, pela antecipação do valor residual garantido. Em razão do inadimplemento parcial as partes celebraram instrumento de aditamento e re-ratificação do contrato de arrendamento mercantil ajustando que a dívida seria agora resgatada em 37 parcelas mensais e sucessivas de R$ 655.823,05, a partir de 22 de outubro de 2001. Diante do novo inadimplemento a Rural Leasing promoveu em face da Sobar a competente ação de rescisão contratual (2ª vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo – doc. Junto).
Uma vez cumprida a reintegração na posse dos bens objeto do arrendamento as partes em 7 de junho de 2002, celebraram novo acordo eis que não era interesse da rural Leasing ter a posse dos bens. Pelos termos do acordo, seriam pagos R$ 24.135.318,80 em 82 (oitenta e duas) parcelas mensais e consecutivas sendo a primeira em 25 de junho de 2002. Diante do reiterado descumprimento dos ajustes, a arrendante se reintegrou na posse do imóvel em 4 de abril de 2003, tudo conforme objeto do acordo. Foi quando a Agravante adquiriru os direitos junto à Rural Leasing que não tinha interesse ou em seu objeto a administração do acerca de bens.
 
Essa é, em linhas gerais, a principal das operações que teria justificado a extensão do decreto de quebra, não apenas à recorrente, mas uma série de outras empresas. Com efeito, segundo a recorrente, a quebra tem sido estendida a todas as empresas que, de qualquer modo, tenham figurado, em qualquer posição contratual, nas sucessivas transferências da Usina SOBAR. Por ocasião da interposição do agravo de instrumento que deu origem a este recurso, a recorrente informou que já eram 210 empresas a quem a falência havia sido estendida (fl. 6, e-STJ). No recurso especial, argumenta-se que, em 18⁄8⁄2008, esse número havia subido para 243 empresas e 76 pessoas físicas.
Todas essas quebras se justificariam pelas constantes fraudes supostamente perpetradas. Para o síndico, no caso específico da USINA SOBAR, além da reintegração judicial dos bens objeto do contrato de lease back, a operação de desvio teria sido complementada da seguinte forma: os antigos proprietários da SOBAR constituíram uma sociedade chamada RIVER SOUTH S.A. Essa empresa associou-se à SECURINVEST para a constituição de uma terceira sociedade, chamada TURVO PARTICIPAÇÕES LTDA. A SECURINVEST teria utilizado o patrimônio que recebeu da SOBAR para integralizar suas quotas na TURVO PARTICIPAÇÕES, na qual detinha 51% do capital social. Os outros 49% seriam da RIVER SOUTH, integrante do Grupo Petroforte. Posteriormente, a TURVO PARTICIPAÇÕES alienou os bens que lhe foram transferidos a uma outra sociedade, denominada KIAPARAK PARTICIPAÇÕES E SERVIÇOS LTDA., também supostamente do Grupo Rural e os bens teriam, então, sido arrendados a uma nova sociedade, A E S DO T L., aqui recorrente, sociedade empresária cujos sócios são duas off-shores sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas: All Sugar International e Real Sugar Corporation, ambas, segundo o Síndico, do Grupo Rural.
Ou seja: uma cadeia de operações societárias teria sido preparada, segundo o síndico, de modo a tentar criar uma veste de legalidade para a transferência dos bens. Durante a criação dessa cadeia, empresas do Grupo Rural teriam se associado com a Securinvest, criando, entre eles, significativo vínculo societário. O modus operandi das fraudes, ainda segundo o síndico, apresentaria um padrão:
 
As operações são sempre as mesmas: as empresas e os sócios do Grupo Econômico da Petroforte contraem dívidas – geralmente com o Rural Leasing ou com o Banco Rural – como não são pagas, são movidas ações judiciais que nem sequer chegam à segunda instância. Daí se obtém uma sentença judicial, ora condenatória, ora homologatória de acordo entre as partes e, como consequência, os bens dados em garantia são transmitidos aos 'credores' – empresas do Grupo Rural. Ato contínuo, aparece a Securinvest que subroga-se na dívida e os bens são rapidamente repassados a terceiros ou outras empresas dos mesmos Grupos Econômicos.
 
Além disso, haveria, sempre segundo o síndico, grande intercâmbio entre os grupos econômicos Rural e Petroforte. Afirma-se que "nos autos da ação falimentar da Petroforte existem diversos documentos que comprovam a interferência direta na administração das empresas relacionadas no parágrafo anterior [do grupo Petroforte] por pessoas que são funcionários do Grupo Rural". Toda a operação teria sido escancarada em uma ação declaratória de nulidade de ato jurídico proposta pela RIVER SOUTH em face de VULTEE, SECURINVEST e CARLOS MASETTI, na qual farta documentação acerca de tudo teria sido juntada.
É dentro desse panorama que o presente recurso deverá ser julgado.
 
 
 
 
II – Negativa de prestação jurisdicional. Violação dos arts. 165, 458 e 535 do CPC.
 
Os embargos de declaração constituem instrumento processual de emprego excepcional, visando ao aprimoramento dos julgados que encerrem obscuridade, contradição ou omissão. O acórdão recorrido se manifestou sobre todos os pontos suscitados nas apelações, inclusive os vários temas enumerados nas razões recursais e reputados de omissos ou contraditórios, alcançando solução tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente.
A prestação jurisdicional dada, portanto, corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem omissão a ser sanada, tampouco contradição a ser aclarada. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.
Por outro lado, já é pacífico o entendimento no STJ, e também nos demais Tribunais Superiores, de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição (AgRg no Ag 680.045⁄MG, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp 647.747⁄RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS 11.038⁄DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007).
Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.
 
 
 
 
III – Mérito do recurso.
III.a) A quebra sem prévia citação. Violação dos 11, §1º e 12, §1º do DL 7.661⁄45.
 
O tema de mérito deste recurso se resume à possibilidade de extensão da falência da PETROFORTE à AGRÍCOLA RIO TURVO, sem sua prévia intimação, citação ou oitiva. Com efeito, no processo que originou este recurso o pedido do síndico de extensão da quebra foi autuado em expediente avulso e deferido, pelo juízo, em primeiro grau, sem a participação da recorrente, destinatária dos efeitos da decisão. O exercício do contraditório foi, com isso, diferido, possibilitando-se a defesa da recorrente apenas por meio de recurso.
A análise da regularidade desse procedimento não pode, naturalmente, desprender-se das peculiaridades da espécie. Com efeito, não é mais possível, no processo civil moderno, tomar a apreciação de uma causa baseando-se exclusivamente nas regras processuais sem se considerar, em cada hipótese, as suas especificidades e, muitas vezes, a evidência com que se descortina o direito material por detrás do processo. Hoje está muito claro, tanto na doutrina como na jurisprudência, que as regras processuais devem estar a serviço do direito material, nunca o contrário.
No próprio recurso especial a recorrente demonstra que a extensão dos efeitos da falência sem a prévia citação vem sendo admitida pela jurisprudência da 3ª Turma nas hipóteses em que caracterizada a existência de grupo econômico. Cita, nesse sentido, inclusive, julgado de minha relatoria (RMS 12.872⁄SP, 3ª Turma, DJ de 16⁄12⁄2002)
Na hipótese dos autos, verifica-se que realmente não há notícia de que o juízo de primeiro grau tenha promovido a citação ou a notificação da recorrente antes da decretação da extensão de sua quebra. Contudo, é fato também que os efeitos dessa extensão não se produziram de imediato, tampouco se verificaram antes que tivesse, a parte, oportunidade para se defender.
Com efeito, apesar de inicialmente indeferido, o pedido de efeito suspensivo formulado pelo recorrente no agravo de instrumento que deu origem a este recurso especial foi deferido pelo TJ⁄SP para o fim de determinar a sustação dos "efeitos da falência, mantida a arrecadação, sem lacração, prosseguindo a agravante em sua atividade, sob fiscalização do síndico da falência da Petroforte" (fl. 2.435, e-STJ).
A condução do processo, portanto, deu-se de modo a garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa, não havendo que se falar em violação aos arts. 11 e 12 do DL 7.661⁄45.
Além disso, é importante frisar que a jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de dispensar a propositura de ação autônoma para que se defira a extensão dos efeitos da falência de uma sociedade a empresas coligadas, consoante se vê nos seguintes precedentes: REsp 1.034.536⁄MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 16⁄2⁄2009; REsp 228.357⁄SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 19⁄12⁄2003; entre outros. Assim, em princípio, caracterizada a coligação de empresas, a exigência de processo autônomo não se justificaria.
A caracterização de coligação de empresas, por sua vez, é, antes de mais nada, uma questão fática. Portanto, o que tiver decidido o Tribunal a esse respeito não pode ser revisto nesta sede por força do óbice da Súmula 7⁄STJ.
De todo modo, para além de seus contornos fáticos, a coligação consubstancia um conceito societário. A coligação se caracteriza, essencialmente, na influência que uma sociedade pode ter nas decisões de políticas financeiras ou operacionais da outra, sem controlá-la. Antigamente, a Lei das S⁄A dispunha, em seu art. 243, §1º, acerca de um montante fixo de participação no capital para que fosse automaticamente caracterizada coligação entre empresas. Dizia que "são coligadas as sociedades quando um participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la". Esse percentual, contudo, era fixado para estabelecer, consoante a disposição contida no caput desse artigo, a obrigatoriedade de menção dos investimentos nessa sociedade no relatório anual da administração. Na prática, contudo, independentemente de um percentual fixo, o conceito de coligação está muito mais ligado a atitudes efetivas que caracterizem a influência de uma sociedade sobre a outra. Há coligação, por exemplo, sempre que se verifica o exercício de influência por força de uma relação contratual ou legal, e em muitas situações até mesmo o controle societário é passível de ser exercitado sem que o controlador detenha a maioria do capital social. Basta pensar, nesse sentido, na hipótese de uma empresa com significativa emissão de ações preferenciais sem direito a voto.
No parecer subscrito pelo i. Prof. Fábio Ulhoa Coelho, juntado pela recorrente aos autos a e-STJ fls. 3.250 a 3.284, os grupos econômicos são tratados pela legislação interna dos diversos países que os reconhecem segundo dois amplos modelos: o modelo orgânico, segundo o qual o grupo é caracterizado mediante a análise de meras circunstâncias de fato que evidenciem a existência de direção econômica unitária para diversas sociedades formalmente autônomas; e o modelo contratual, segundo o qual, em vez disso, o grupo se formaria mediante um acordo expresso de vontades.
O Brasil teria adotado o modelo contratual para a caracterização de um grupo econômico, de modo que sua caracterização, nos termos do art. 265 e seguintes da Lei das S.A., submete-se à convenção celebrada para sua caracterização, cuja celebração é regulada pelo art. 269 da mesma lei. Assim, no Brasil a caracterização do grupo econômico seria jurídica, não meramente fática.
Contudo, o próprio professor Fábio Ulhoa Coelho reconhece no parecer que, mesmo nos países de modelo contratual, seria possível identificar a coexistência de duas categorias: os grupos de fato e os grupos de direito. Para ele,  "embora elejam certas formalidades cujo cumprimento é indispensável à configuração jurídica do grupo, eles [os países que adotam o modelo contrautal] não podem ignorar a existência de sociedades que, de fato, estão articulando seus esforços na realização de seus respectivos objetivos sociais sem o atendimento daquelas" (fl. 3.263, e-STJ). Um grupo de fato, assim, "seria aquele que atender às mesmas características de um grupo de direito, exceto as de ordem formal" (fl. 3.265, e-STJ).
Os grupos, ainda segundo Fábio Ulhoa Coelho, também podem ser subdivididos em grupos de subordinação e de coordenação. Nos primeiros, de subordinação, a estrutura é piramidal, com uma sociedade exercendo o controle sobre as demais. Nos segundos, de coordenação, há apenas articulação de atividades e investimentos (fl. 3.264, e-STJ). Mas a caracterização de gupo repousa na característica essencial de combinação de esforços das sociedades para realização dos respectivos objetivos ou participação em atividades ou empreendimentos comuns (art. 265 da Lei das S⁄A).
Essa característica, que já estava presente na Lei das S⁄A desde antes das reformas implementadas mais recentemente, hoje se encontra prevista de maneira clara. Ao tratar de coligação de sociedades, a Lei modificou o critério anterior, de atribuição de montante fixo de participação no capital social. Com a modificação empreendida pela Lei 11.941⁄2009, o art. 243, §1º, da Lei das S⁄A passou a simplesmente prever que "são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa". Essa influência, segundo o §5º desse artigo, incluído pela mesma Lei 11.941⁄2009 em consonância com a redação anteriormente dada pela MP 449⁄2008, é presumida "quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la", mas a influência significativa, para além disso, caracteriza-se "quando a investidora detém ou exerce o poder nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la". Há, portanto, razão quanto aos fundamentos utilizados pelo i. Professor Fábio Ulhoa Coelho em seu parecer. Não me alinho, contudo, às conclusões a que ele chegou.
Em primeiro lugar, as disposições legais supracitadas sequer foram cogitadas no recurso especial, deixando ao ar as alegações da recorrente de violação de seu direito.
Em segundo lugar, de todo modo a cadeia societária descrita neste processo, não só em relação ao complexo agroindustrial SOBAR, mas em relação a diversos outros bens, demonstra a existência de um modus operandi que evidencia a influência recíproca dos grupos societários RURAL, P. e SECURINVEST (seja ele ou não integrante do mais amplo GRUPO RURAL), uns sobre os outros.
Isso é especialmente significativo quando nos debruçamos sobre a operação societária aqui descrita, consistente em arrendamento de bens, posterior inadimplemento da arrendante, retomada judicial da garantia, constituição de empresas para a administração desses bens e seu posterior redirecionamento a sucessivas sociedades que, na forma, são aparentemente independentes, mas cujo capital social é, na maioria das vezes, detido por sociedades off shore cuja efetiva propriedade não é dado aos credores da massa falida conhecer. É significativo notar inclusive que a influência de um grupo sobre outro se manifesta até mesmo na constituição de uma sociedade (TURVO PARTICIPAÇÕES LTDA.) cujo capital era dividido entre o GRUPO SECURINVEST e o GRUPO P., para quem os bens aqui discutidos, retomados pelo GRUPO RURAL, foram inicialmente transferidos antes de serem repassados a terceiros supostamente independentes.
É possível coibir esse modo de atuação mediante o emprego da técnica da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que, para isso, seja necessário dar-lhe nova roupagem. Para as modernas lesões, promovidas com base em novos instrumentos societários, são necessárias soluções também modernas e inovadoras. A desconsideração da personalidade jurídica é técnica desenvolvida pela doutrina diante de uma demanda social, nascida da praxis, e justamente com base nisso foi acolhida pela jurisprudência e pela legislação nacional. Como sói ocorrer nas situações em que a jurisprudência vem dar resposta a um anseio social, encontrando novos mecanismos para a atuação do direito, referida técnica tem de se encontrar em constante evolução para acompanhar todas as mutações do tecido social e coibir, de maneira eficaz, todas as novas formas de fraude mediante abuso da personalidade jurídica.
Inexiste, portanto, sob a ótica dos arts. 11, §1º e 12, §1º do DL 7.661⁄45, violação a qualquer direito da recorrente.
 
III.b) A motivação do decreto de extensão da quebra e a ação revocatória. Violação dos arts. 52 e 53 do DL 7.661⁄45.
 
Por fim, a recorrente alega que foram violados os arts. 52 e 53 do DL 7.661⁄45, porquanto o TJ⁄SP, ao corroborar a decisão que lhe estendeu a quebra da P., teria se valido de motivos que somente autorizariam a propositura de ação revocatória.
 
Há, aqui, duas questões independentes. A primeira delas, consubstanciada na suposta inexistência de negócios jurídicos com a falida, não pode naturalmente ser revista nesta sede por força do óbice dos Enunciados 5 e 7 da Súmula de Jurisprudência do STJ. A segunda, consubstanciada na suposta necessidade de discussão da matéria via ação revocatória, converge para o que já foi ponderado acima: a jurisprudência do STJ tem considerado possível, sem ação autônoma, estender os efeitos do decreto de falências a sociedades coligadas ao falido.
Não há, portanto, sob qualquer uma das óticas apontadas, violação a ser corrigida nesta sede.
 
IV – Divergência jurisprudencial
 
O recurso, por fim, quanto à divergência, pauta-se pela alegada necessidade de processo autônomo para implementar a extensão dos efeitos da falência, como único instrumento passível de garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa. Essa questão já foi apreciada acima, quando da análise do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional. Assim, torna-se desnecessário tecer maiores considerações sobre a matéria porquanto, ainda que conhecido o recurso quanto à divergência, o seu resultado naturalmente convergirá para o que já se decidiu quando da análise da violação a dispositivos de lei federal.
 
Forte nessas razões, conheço do recurso especial, mas lhe nego provimento.
 
 
 
 
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010⁄0167776-4
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 1.211.823 ⁄ SP
 
 
Números Origem:  107420191595          5287074100            5287074301            742012001
 
PAUTA: 09⁄08⁄2011 JULGADO: 09⁄08⁄2011
  SEGREDO DE JUSTIÇA
Relatora
Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI
 
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
 
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES
 
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
 
AUTUAÇÃO
 
RECORRENTE : A E S DO T L - FALIDA
ADVOGADOS : SERGIO RONALDO SAHIONE FADEL
    ANTÔNIO CARLOS ROCHA PIRES DE OLIVEIRA
    MARCIAL HERCULINO DE HOLLANDA FILHO E OUTRO(S)
    MARCELO FADEL
RECORRIDO : P B P L - MASSA FALIDA
ADVOGADO : AFONSO HENRIQUE ALVES BRAGA E OUTRO(S)
 
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Empresas - Recuperação judicial e Falência
 
SUSTENTAÇÃO ORAL
 
Dr(a). MARCIAL HERCULINO DE HOLLANDA FILHO, pela parte RECORRENTE: A E S DO T L
 
CERTIDÃO
 
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
 
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Documento: 1079458 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 04/10/2011

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