segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Leilão judicial na recuperação de empresas

Leilão judicial na recuperação de empresas

Por Ivo Waisberg

Uma questão muito debatida nos anos iniciais de aplicação da Lei nº 11.101, de 2005 (LRE), é a necessidade ou não da ocorrência de leilão judicial para que a aquisição de uma unidade produtiva isolada (UPI) seja feita sem sucessão do adquirente nas obrigações da recuperanda. Em resumo, o ponto central da discussão é se para que uma alienação seja feita nos termos do artigo 60 da LRE se exige ou não a realização de leilão judicial nos termos do artigo 141 e 142 da referida legislação.

A dúvida tem origem na menção de um artigo pelo outro: Com efeito o artigo 60 dispõe: Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei. E, por sua vez, o artigo 142 da LRE tem a seguinte redação: Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades: I - leilão, por lances orais; II - propostas fechadas e III - pregão. Os parágrafos do referido artigo 142 regram procedimentos de cada modalidade. A interpretação literal do artigo 60 faria supor que o adquirente somente estaria isento de responsabilidade se a alienação da UPI for realizada por leilão em algumas das modalidades supra referidas.

Ousamos discordar desta interpretação literal.

Antes de qualquer avanço, vale lembrar a motivação da existência do dispositivo legal do artigo 60, isto é, dar segurança ao adquirente e incentivar os agentes de mercado a adquirirem bens da empresa recuperanda, de forma a propiciar capital para viabilizar o pagamento dos credores e a continuidade da atividade econômica. Note-se que a lei nunca se refere à atividade da mesma sociedade empresária, pois o artigo 47 é claro ao dizer que o princípio da lei é manter a atividade econômica, isto é, manter os bens, insumos e empregados em atividade, não necessariamente com a mesma empresa nem com o mesmo empresário.

O referido artigo 142 está na parte da lei que regra a falência. A falência, por sua vez, é um processo de liquidação, completamente diferente da recuperação judicial. A venda prevista no artigo 142 independe da autorização dos credores, partindo de uma sugestão do administrador judicial. O objetivo aqui é, no momento da liquidação, no qual o devedor já não tem controle da sociedade e no qual o administrador judicial tem como função efetuar a liquidação da forma mais eficiente possível, garantir por leilão o melhor preço ao ativo, sem a discricionariedade do administrador judicial, de forma a não prejudicar nem os credores nem a massa falida. O leilão tem por objeto, portanto, maximizar o preço.

Na recuperação judicial, na qual se insere o artigo 60, a situação é completamente diversa. O devedor tem controle da sociedade e, portanto, do plano de recuperação judicial que depende de sua aprovação. Os credores têm completo poder sobre a venda do ativo, pois devem aprovar ou não o plano de recuperação judicial e a proposta. A recuperação judicial não é um processo de liquidação.

Não pode haver dúvida de que o leilão judicial não é necessário na recuperação

Não pode haver dúvida de que o leilão judicial não é necessário neste contexto, isto porque, o devedor e os credores têm ampla condição de negociar com o possível comprador a alienação da UPI. A transparência está garantida por ao menos dois fatores: (i) pela discussão do plano e (ii) pela existência da proposta ou contrato com condição suspensiva de aprovação em assembleia nos autos ou na própria assembleia-geral de credores. A maximização do valor, portanto, está assegurada pela negociação que antecede aprovação do plano e da venda pelos próprios credores.

Notem que os credores têm direito não só de vetar a venda como de discutir suas condições e o uso dos recursos oriundos dela. Mais que isso, tem o poder de por maioria, se não satisfeitos, propor a realização de um leilão. Mas se aceitam as condições da venda apresentadas, cumprem a função econômica e de legitimação do eventual leilão.

É imperioso compreender as diferenças da alienação da UPI no bojo da recuperação e da falência. Não é a toa que os princípios da recuperação judicial estão no artigo 47 os da falência no artigo 75. Os princípios são diversos, pois os procedimentos e seus fins são diferentes. Exigir o leilão previsto no artigo 142 significaria afrontar a intenção do artigo 60, pois poderia afastar interessados em negociar as unidades sabendo que depois teriam que passar por leilão, aumentando os riscos e os custos de transação. Significaria, também, afrontar o próprio artigo 47.

Como se assume que a lei não tem palavras inúteis restaria a pergunta: o que quer dizer, então, a parte final do caput do artigo 60? Em minha visão, numa interpretação sistêmica, significa que, o artigo 142 deve ser seguido no que couber, isto é, havendo a previsão de leilão no plano, devem ser seguidos os meios e regras previstas nos parágrafos do artigo 142 para cada modalidade na realização do leilão, quando previsto.

Concluindo, uma aquisição de UPI feita sem leilão judicial no bojo da recuperação judicial, desde que os termos da venda sejam de conhecimento dos credores por estarem juntados aos autos ou serem apresentados em AGC, é suficiente para a aplicação da não sucessão prevista no artigo 60 da LRE.

Ivo Waisberg é sócio de Costa, Waisberg e Tavares Paes Sociedade de Advogados, doutor e mestre em direito pela PUC-SP. Master of Laws pela New York University, professor de direito comercial da PUC-SP.

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