Pedidos de restituição: uma análise à luz do Decreto-Lei nº 7.661/45 e da Lei nº 11.101/05
Jussara de Barros Araújo*
http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=71716
Havia dois pedidos de restituição previstos no Decreto-lei nº 7.661/45 (clique aqui), antiga Lei de Falências. O primeiro, delineado no caput do artigo 76, tinha por fundamento a titularidade de direito real sobre o bem arrecadado e o seu objetivo era o destaque das coisas que não pertenciam ao patrimônio da sociedade falida para resguardar o direito do real proprietário do bem. Sendo julgada procedente a medida proposta, o bem era destacado da massa para retorno às mãos do titular do domínio. Não havia outra forma de o proprietário ser reintegrado na posse do bem e competia exclusivamente ao juiz, e não ao síndico, dizer se determinado bem encontrado no estabelecimento da falida pertencia, ou não, a esta.
O outro pedido de restituição era encontrado no § 2º do artigo 76 e fundava-se na reclamação de coisas vendidas a crédito e entregues à falida nos 15 dias anteriores à distribuição do pedido de falência, se ainda não alienadas pela massa. Visava coibir a má-fé presumida da falida, uma vez que, às vésperas da quebra, os representantes legais e os administradores da sociedade sabiam que dificilmente poderiam honrar novos compromissos firmados nesse período. Era imprescindível que o pedido fosse formulado no juízo falimentar antes da venda judicial das mercadorias e com as provas pertinentes, pois, uma vez feita essa venda, na fase de liqüidação ou antecipadamente, nos termos do artigo 73 do Decreto-lei nº 7.661/45, não haveria mais direito restituitório. Nesse caso, restava ao vendedor habilitar o crédito e concorrer com outros credores.
Embora os fundamentos e objetivos fossem diversos, o procedimento era idêntico. Quando a restituição se realizasse em espécie deveria seguir-se imediatamente ao trânsito em julgado da sentença que acolhesse o pedido, sendo determinado pelo juiz, nas 48 horas seguintes, a expedição de mandado para a entrega da coisa a quem de direito. Já quando a restituição fosse feita em dinheiro, o síndico deveria providenciar o pagamento ao beneficiário do direito durante a liqüidação, após pagar as despesas inadiáveis com a administração da falida e antes de atender à ordem de preferência dos credores da sociedade falida. Assim, os titulares do direito à restituição, ainda que esta tivesse de realizar-se em dinheiro, não entravam na classificação de credores.
Vale ressaltar que na concordata inexistia arrecadação de bens, por esse motivo é que o concordatário permanecia na administração direta de seus bens, embora sob fiscalização do comissário. Aqui não havia que se falar em pedidos de restituição formulados por terceiros, cujos bens tivessem sido arrecadados em poder do devedor. Entretanto, a concordata preventiva era passível de pedido de restituição, como mostra o artigo 166 do Decreto-lei nº 7.661/45 – "ressalvadas as relações jurídicas decorrentes de contrato com o devedor, cabe na concordata preventiva pedido de restituição, com fundamento no art. 76, prevalecendo para o caso do § 2º, a data do requerimento da concordata".
Em outras palavras, o pedido de restituição na concordata preventiva se traduzia na faculdade concedida ao credor de reaver a coisa vendida a crédito e entregue ao concordatário nos quinze dias que antecedem o pedido de concordata.
Já pela análise da Lei nº 11.101/05 (clique aqui), que trata da falência e da recuperação de empresas e empresários, constata-se a previsão de quatro pedidos de restituição apenas para a falência, não havendo previsão de restituição de mercadoria para o caso de recuperação judicial ou extrajudicial.
O primeiro delineado no caput do artigo 85, tal como na Lei antiga, tem por fundamento a titularidade de direito real sobre o bem arrecadado e o seu objetivo é o destaque das coisas que não são do patrimônio da sociedade falida para resguardar o direito do real proprietário do bem. A Lei nº 11.101/05 autoriza o pedido de restituição mesmo para bem não arrecadado, desde que se demonstre que tal bem se encontrava em poder do devedor na data da decretação da falência.
O outro pedido de restituição, encontrado no parágrafo único do artigo 85 da Lei nº 11.101/05, igualmente ao previsto no § 2º do artigo 76 do Decreto-lei nº 7.661/45, funda-se na entrega de mercadorias vendidas a prazo e não pagas, nos 15 dias que antecederam à distribuição do pedido de falência e visa à coibição da má-fé presumida da falida.
O terceiro, previsto no artigo 75, § 3º, da Lei nº 4.728/65 (clique aqui), que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento, diz respeito à restituição de adiantamento ao exportador feito com base num contrato de câmbio e visa estimular as exportações, facilitando e barateando seu financiamento. Ao estabelecer a Lei a restituição das quantias adiantadas ao exportador falido com base em um contrato de câmbio, definindo o crédito da instituição financeira como extraconcursal, atenua-se o risco associado à insolvência e, conseqüentemente, os juros cobrados nessa linha de financiamento, já que a exportadora se compromete a entregar mercadorias ao comprador situado no exterior. Este, por sua vez, se compromete a pagar-lhe o valor das mercadorias.
Se, antes da entrega das mercadorias e vencimento do crédito, ocorrer a falência do exportador, este não poderá dar cumprimento ao contrato. Em conseqüência, a instituição financeira contratada pelo estrangeiro comprador não desembolsará nenhuma divisa e o banco que procedeu à antecipação da quantia correspondente perderá a garantia. Nessa hipótese, tem a instituição financeira direito à restituição do valor antecipado antes do pagamento de outros créditos, inclusive trabalhistas.
Cumpre ressaltar que a formulação de pedido de restituição, com base no artigo 75, § 3º, da Lei nº 4.728/65, também era possível quando em vigor o Decreto-lei nº 7.661/45. A diferença é que na Lei nº 11.101/2005 há expressa menção àquela Lei nº 4.728/65 no inciso II do artigo 86.
Por fim, cabe o pedido de restituição para atendimento do credor de boa-fé, na hipótese de revogação ou ineficácia do contrato, como determinado pelo artigo 136 da Lei nº 11.101/05. Não tem necessariamente o sentido de coibir a má-fé do falido como é o caso da restituição do parágrafo único do artigo 85. É cabível quando recursos monetários que se encontram na massa falida objetiva devem ser destacados dela para proteger o contratante de boa-fé, cujo contrato foi declarado ineficaz.
Determinados atos que frustram os objetivos do concurso falimentar, praticados com ou sem fraude, podem ser declarados ineficazes perante a massa falida de credores, quando então os bens devem retornar à massa falida, o que pode importar em prejuízo a terceiros contratantes de boa-fé. Assim, visando evitar o enriquecimento indevido da massa, o prejudicado com a declaração da ineficácia, provando a sua boa-fé, pode requerer a restituição do dinheiro que neutralize a lesão sofrida. A restituição, nesse caso, é sempre feita em dinheiro, e não em espécie.
São, portanto, quatro pedidos de restituição possíveis na Lei nº 11.101/05, com fundamentos e objetivos distintos, também iguais apenas na disciplina procedimental. Nos dois primeiros casos referidos acima, deferido o pedido de restituição, a coisa deve ser restituída em espécie, ou seja, o juízo falimentar destaca da massa ativa e devolve ao requerente exatamente o mesmo bem de sua propriedade ou a mesma mercadoria por ele vendida e entregue. Caso perdida a coisa ou mercadoria por qualquer razão nas outras duas situações, opera-se a restituição em dinheiro.____________
*Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário