terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A responsabilidade do avalista na recuperação judicial da empresa

A responsabilidade do avalista na recuperação judicial da empresa

 
Jean Carlos Fernandes*

Concentra-se este ensaio na interpretação da expressão sócio solidário contida no caput do artigo 6º da Lei n. 11.101/05 (clique aqui) que assim dispõe:

"A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário."

Como ponto de partida tem-se a recente decisão do TJ/SP que incluiu na expressão sócio solidário a figura do sócio avalista da sociedade em recuperação judicial:

"Execução por título extrajudicial - Ação dirigida contra pessoa jurídica e contra os sócios desta, devedores solidários – Recuperação judicial homologada – Benefício legal que torna inexigível o título tanto para a devedora principal, quanto para os garantes, em razão de serem sócios da empresa em recuperação judicial – Análise do artigo 49, § 1º, da Lei 11.101/2005, combinado com o artigo 739-A do CPC (clique aqui) – Recurso provido." (TJ/SP, 21ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 7.166.479-6, relator Des. Souza Lopes).

O problema que motiva a análise proposta pode ser assim explicitado: suponha-se que a sociedade empresária emita uma cédula de crédito bancário a favor de uma instituição financeira, oferecendo como garantia o aval de seus sócios que também a subscrevem. Em razão das contingências do mercado, a sociedade empresária propõe recuperação judicial, tendo o seu processamento deferido. Os efeitos da suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções, previsto no artigo 6º da Lei n. 11.101/05 atingem a situação de coobrigados (avalistas) dos sócios da sociedade recuperanda? Pode o credor fazer a opção entre habilitar o seu crédito na recuperação judicial ou executar os sócios avalistas?

Ora, a extensão dos efeitos aos avalistas do benefício da recuperação judicial deferida à devedora principal não encontra sustentação no contexto da teoria geral dos títulos de crédito, principalmente diante da autonomia e independência das obrigações cambiais, muito menos na própria Lei n. 11.101/05.

Sabe-se que o avalista é responsável por obrigação autônoma e independente, exigível inclusive se a obrigação principal for nula, falsa ou inexistente. É forçoso, portanto, reconhecer que a norma excepcional do artigo 6º da Lei n. 11.101/05 não se estende para suspender a execução contra ele já iniciada ou a que vier a ser proposta. Aliás, assim determina o próprio artigo 49, § 1º da Lei 11.101/05:

"Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 1o Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso".

A recuperação judicial destina-se ao empresário individual ou a sociedade empresária, sendo apenas a eles aplicável o artigo 6º da Lei n. 11.101/05. No muito, poderia se cogitar de sua aplicação, em caso de falência, aos sócios solidários e ilimitadamente responsáveis integrantes das sociedades em nome coletivo, comandita simples e comandita por ações.

A propósito, o referido artigo 49, § 1º da Lei n. 11.101/05 reproduz a regra do revogado artigo 148 do Decreto-Lei n. 7.661/45 (clique aqui), ao se referir à concordata, excluindo do seu alcance o coobrigado, pois inaplicável à espécie, sujeitando-o a ser executado independentemente. Com efeito, o § 1º do artigo 49 da Lei n. 11.101/05, como dispunha o revogado artigo 148 do Decreto-lei n. 7.661/45, estabelece que os efeitos da recuperação judicial não atingem os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

Ademais, o artigo 99, inciso V da Lei n. 11.101/05, no âmbito da falência, conduz ao mesmo entendimento, ao dispor que a sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações, ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, salvo as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 6º daquele diploma legal.

Tem-se, portanto, que a referência a sócio solidário pelo dispositivo se faz para englobar as sociedades em nome coletivo, comandita simples (sócio comanditado) e comandita por ações (acionista diretor). Em tais modalidades de organização societária existem sócios que respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, também sendo considerados falidos caso ocorra a falência da sociedade, em conformidade com o artigo 81 da Lei n. 11.101/05.

Ressalvadas tais situações, o dispositivo em comento não engloba na expressão sócio solidário a obrigação do sócio na modalidade de avalista da sociedade empresária em recuperação e, pela aplicação do princípio da independência das obrigações cambiais, eventual novação com a aprovação do plano de recuperação judicial não tem o efeito de liberá-lo das dívidas originais.

Tal entendimento coaduna-se com a natureza autônoma do aval. Além disso, a recuperação judicial é da sociedade empresária e não de seus sócios, meros empreendedores.

Conclui-se, pois, que a obrigação do avalista, mesmo sendo sócio da pessoa jurídica em recuperação judicial, é diversa relativamente ao credor; conquanto seja responsável solidariamente pelo cumprimento da obrigação, não se sujeita aos efeitos do procedimento recuperacional. Trata-se de solidariedade cambial e não de direito comum, a autorizar a execução independente dos sócios avalistas.

_____________

*Coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Diretor Adjunto do Depto. de Direito Empresarial do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O poder dos credores na recuperação judicial

O poder dos credores na recuperação judicial
Fonte: Valor Econômico
Publicado por: Coped
Data do documento: 13/02/2009


Os credores, na extinta concordata preventiva, eram compelidos a assistir inermes à tramitação longa e monótona do processo e a contabilizar seus créditos na "conta de créditos de duvidosa liquidação", ou, o que era corriqueiro, a vendê-los, por quantias irrisórias, a testas de ferro do próprio devedor, porquanto a revogada Lei de Falências e Concordatas não lhes dava instrumentos para obrigar o inadimplente a honrar os compromissos contraídos.

Época houve, de triste memória, rotulada de era da indústria da concordata, em que o devedor se locupletava às custas dos credores, pois pagava suas dívidas sem correção monetária muitos anos após o vencimento, enquanto os credores empobreciam sem nada poder fazer, eis que a concordata preventiva era um favor legal, concedido, por norma jurídica cogente, ao devedor em mora, que a lei supunha probo e de boa-fé, fato raramente comprovado ao final do processo.

A Lei de Falências e Recuperação de Empresas ? LFRE (Lei nº 11.101, de 09.02.2005) ? mudou radicalmente a situação dos credores na recuperação judicial do devedor, eis que é certo, absolutamente indiscutível, que hoje os credores são os protagonistas do novel instituto e a assembléia geral de credores o órgão soberano e supremo do processo de reerguimento da empresa insolvente, como demonstrei no livro Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, coordenado pelos professores Paulo Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão (editora Saraiva, 2ª edição, páginas 119 a 202).

Agora, o devedor não sai do buraco se não obtiver a concordância expressa ou tácita dos credores, que se reúnem em assembleia geral para examinar, discutir, propor modificações ao plano de recuperação apresentado pelo devedor e, ao final, votar, aprovando-o ou rejeitando-o, após acurada "ponderação dos valores, princípios e fins" do sistema brasileiro de reestruturação da empresa em crise, minuciosa análise dos autos do processo judicial e escorreito estudo da demonstração da viabilidade econômico-financeira do plano, e, em especial, das propostas de reestruturação do poder de controle, financeira, econômica, administrativa e societária.

Por isso, tenho afirmado que a LFRE, ao disciplinar o instituto da recuperação do empresário e da sociedade empresária produtora ou distribuidora de bens ou de serviços e inserir o país no movimento universal de discussão e aplicação do direito da crise econômica da empresa, o faz com espírito inovador.

Ademais, ao estabelecer, como objeto da recuperação judicial, o saneamento "da situação de crise econômica-financeira da empresa", e, como fins, na esteira do sistema escandinavo, garantir "a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores", dá um passo à frente em relação ao direito francês ? de longe, o melhor que se conhece, muito superior ao americano e alemão ? que busca a preservação apenas da empresa e do emprego, preocupando-se, tão só, como o levantamento do passivo, pondo em segundo plano o pagamento aos credores, o que é nefasto, como demonstra a experiência, pois a salvação da empresa em dificuldades financeiras depende, primordialmente, dos credores.

Por derradeiro, observe-se ? e isto é fundamental para o funcionamento eficaz da assembléia geral de credores ? ao adotar o sistema de dupla maioria, quanto aos credores com garantia real, quirografários, com privilégio geral, com privilégio especial e subordinados, e o voto por cabeça, quanto aos credores trabalhistas e por acidentes de trabalho, nas decisões sobre o plano de recuperação, a LFRE visa a estimular o comparecimento dos credores à assembléia geral, a sua efetiva participação no conclave, qualquer que seja o valor dos seus créditos, ainda que diminutos, e o exercício consciente e responsável do poder que hoje possuem, e do qual não podem e nem devem declinar, sob pena de incorrerem em inescusável omissão.


(Jorge Lobo, advogado)