A responsabilidade do avalista na recuperação judicial da empresa
Concentra-se este ensaio na interpretação da expressão sócio solidário contida no caput do artigo 6º da Lei n. 11.101/05 (clique aqui) que assim dispõe:
"A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário."
Como ponto de partida tem-se a recente decisão do TJ/SP que incluiu na expressão sócio solidário a figura do sócio avalista da sociedade em recuperação judicial:
"Execução por título extrajudicial - Ação dirigida contra pessoa jurídica e contra os sócios desta, devedores solidários – Recuperação judicial homologada – Benefício legal que torna inexigível o título tanto para a devedora principal, quanto para os garantes, em razão de serem sócios da empresa em recuperação judicial – Análise do artigo 49, § 1º, da Lei 11.101/2005, combinado com o artigo 739-A do CPC (clique aqui) – Recurso provido." (TJ/SP, 21ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 7.166.479-6, relator Des. Souza Lopes).
O problema que motiva a análise proposta pode ser assim explicitado: suponha-se que a sociedade empresária emita uma cédula de crédito bancário a favor de uma instituição financeira, oferecendo como garantia o aval de seus sócios que também a subscrevem. Em razão das contingências do mercado, a sociedade empresária propõe recuperação judicial, tendo o seu processamento deferido. Os efeitos da suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções, previsto no artigo 6º da Lei n. 11.101/05 atingem a situação de coobrigados (avalistas) dos sócios da sociedade recuperanda? Pode o credor fazer a opção entre habilitar o seu crédito na recuperação judicial ou executar os sócios avalistas?
Ora, a extensão dos efeitos aos avalistas do benefício da recuperação judicial deferida à devedora principal não encontra sustentação no contexto da teoria geral dos títulos de crédito, principalmente diante da autonomia e independência das obrigações cambiais, muito menos na própria Lei n. 11.101/05.
Sabe-se que o avalista é responsável por obrigação autônoma e independente, exigível inclusive se a obrigação principal for nula, falsa ou inexistente. É forçoso, portanto, reconhecer que a norma excepcional do artigo 6º da Lei n. 11.101/05 não se estende para suspender a execução contra ele já iniciada ou a que vier a ser proposta. Aliás, assim determina o próprio artigo 49, § 1º da Lei 11.101/05:
"Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 1o Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso".
A recuperação judicial destina-se ao empresário individual ou a sociedade empresária, sendo apenas a eles aplicável o artigo 6º da Lei n. 11.101/05. No muito, poderia se cogitar de sua aplicação, em caso de falência, aos sócios solidários e ilimitadamente responsáveis integrantes das sociedades em nome coletivo, comandita simples e comandita por ações.
A propósito, o referido artigo 49, § 1º da Lei n. 11.101/05 reproduz a regra do revogado artigo 148 do Decreto-Lei n. 7.661/45 (clique aqui), ao se referir à concordata, excluindo do seu alcance o coobrigado, pois inaplicável à espécie, sujeitando-o a ser executado independentemente. Com efeito, o § 1º do artigo 49 da Lei n. 11.101/05, como dispunha o revogado artigo 148 do Decreto-lei n. 7.661/45, estabelece que os efeitos da recuperação judicial não atingem os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
Ademais, o artigo 99, inciso V da Lei n. 11.101/05, no âmbito da falência, conduz ao mesmo entendimento, ao dispor que a sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações, ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, salvo as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 6º daquele diploma legal.
Tem-se, portanto, que a referência a sócio solidário pelo dispositivo se faz para englobar as sociedades em nome coletivo, comandita simples (sócio comanditado) e comandita por ações (acionista diretor). Em tais modalidades de organização societária existem sócios que respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, também sendo considerados falidos caso ocorra a falência da sociedade, em conformidade com o artigo 81 da Lei n. 11.101/05.
Ressalvadas tais situações, o dispositivo em comento não engloba na expressão sócio solidário a obrigação do sócio na modalidade de avalista da sociedade empresária em recuperação e, pela aplicação do princípio da independência das obrigações cambiais, eventual novação com a aprovação do plano de recuperação judicial não tem o efeito de liberá-lo das dívidas originais.
Tal entendimento coaduna-se com a natureza autônoma do aval. Além disso, a recuperação judicial é da sociedade empresária e não de seus sócios, meros empreendedores.
Conclui-se, pois, que a obrigação do avalista, mesmo sendo sócio da pessoa jurídica em recuperação judicial, é diversa relativamente ao credor; conquanto seja responsável solidariamente pelo cumprimento da obrigação, não se sujeita aos efeitos do procedimento recuperacional. Trata-se de solidariedade cambial e não de direito comum, a autorizar a execução independente dos sócios avalistas.
_____________
*Coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Diretor Adjunto do Depto. de Direito Empresarial do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
Nenhum comentário:
Postar um comentário