Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 05/08/2009
A crise da GM parecia insolúvel. A companhia, que chegou a ser responsável pela venda de metade dos carros nos Estados Unidos e empregou, nos seus vários seguimentos, a quantidade de pessoas correspondente à população dos Estados de Nevada e Delaware juntos, e ainda era vista como modelo de gestão, estava finalmente à beira do abismo. Por se confundir com a era de ouro do capitalismo americano, sua débâcle parecia simbolizar a crise da própria hegemonia da economia dos Estados Unidos.
Após 40 anos perdendo mercado, a GM mantinha um perfil cada vez mais distante do modelo de eficiência de produção automobilística mundial. Além de oferecer benefícios para seus empregados e pensionistas fora dos padrões de mercado, a GM ainda continuava produzindo várias marcas de automóveis, sendo que muitas delas eram deficitárias. Por todas as suas peculiaridades, a indústria americana era jurássica se comparada com as montadoras asiáticas, especialmente a Toyota e a Honda. Enquanto a montadora americana continuava fabricando oito marcas de veículos (Cadillac, Buick, Pontiac, Chevrolet, Saab, GMC, Saturn e Hummer), a Toyota, com quase o mesmo percentual de mercado, mantinha apenas três marcas em produção, e a Honda somente duas.
Como resultado dessa realidade, a GM precisava, com urgência, reduzir custos, fechando 14 fábricas, encerrando 29 mil postos de trabalhos e milhares de concessionárias. O número de distribuidores de automóveis era um problema gravíssimo da montadora americana. Enquanto a GM mantinha uma rede gigantesca, de cerca de 7.000 distribuidores, a Toyota tinha apenas 1.500 e a Honda, cerca de 1.000 distribuidores. Mesmo ciente da necessidade de reduzir o número de distribuidores, a GM enfrentava um obstáculo legal, pois sabia que as concessionárias estavam protegidas por leis estaduais que lhes garantiam a permanência de seus contratos com a montadora.
A solução para rever os contratos com as distribuidoras seria através do ajuizamento de um pedido de reorganização, através do chamado "Chapter 11" da Lei de Falências americana, que afastaria a proteção das leis estaduais em relação aos distribuidores. Da mesma forma, os contratos de trabalho e os direitos dos pensionistas poderiam também ser modificados. Enfim, a proteção judicial da reorganização era o único caminho para enxugar a companhia, que havia perdido mais de US$ 80 bilhões nas últimas décadas. Além disso, esse sistema legal permitiria a segregação de ativos, sem que ficassem contaminados com o passivo anterior, criando uma nova montadora que não fosse a sucessora universal de todas as obrigações da velha companhia.
Mas faltava algo essencial para essa fórmula funcionar: dinheiro novo. Apesar do lobby fortíssimo, o governo relutava em oferecer ajuda, com receio de que não resolvesse o problema e ainda tornasse a empresa mais vulnerável à competição externa. Mas a GM gerava tantos empregos, direta e indiretamente, e a indústria automobilística estava tão arraigada na sociedade americana que o governo sentiu-se na obrigação de ajudá-la. Por isso, o governo Obama, além da ajuda anterior de US$ 19 bilhões, injetou mais de US$ 30 bilhões para assegurar a viabilidade da nova montadora (General Motors Company (GMC), que produziria apenas as marcas Chevrolet, Cadillac, GMC e Buick.
Assim, com um aporte de US$ 50 bilhões, foi possível à GM reduzir dívidas, cessar a produção de marcas que não eram competitivas (Hummer, Pontiac etc.) e, principalmente, diminuir em cerca de 40% sua rede de distribuidores. Com esse novo perfil, espera-se que a montadora americana volte a ser competitiva, principalmente em relação às montadoras asiáticas. Além de disputar mercado com as empresas japonesas e coreanas, a crise da indústria automobilística americana está acelerando a transferência de parte desse setor para os mercados emergentes, com destaque para a China.
Essa boa notícia da recuperação da GM foi bastante festejada pelo mercado, e também pela Casa Branca, destacando-se o fato de que o processo judicial foi concluído em apenas 40 dias. Todavia, essa solução beneficiou apenas a montadora, deixando centenas de concessionárias da velha GM à beira da insolvência. Assim, parece que vamos assistir a uma nova batalha das distribuidoras da antiga GM, para obter ajuda do governo americano, tal como ocorreu com a GM e a Chrysler.
Em artigo publicado em 14 de julho em sua página na internet (www.professorbainbridge.com), o professor Stephen M. Bainbridge lembrou que essa batalha já começou, pois as concessionárias de automóveis americanas já estão pressionando o Congresso americano a aprovar uma ajuda financeira - a "Automobile Dealers Economic Rights Restoration Act" -, sem a qual a recuperação dessa parte do setor automobilístico não será possível. As antigas distribuidoras da GM e da Chrysler somam mais de 3.300. Em síntese, tudo leva a crer que os distribuidores de automóveis americanos necessitarão da proteção do Chapter 11 da Lei de Falências americana. Falta apenas combinar com o governo americano para injetar mais dinheiro novo. É o que veremos nos próximos meses.
(Paulo Penalva Santos e Otto Eduardo Fonseca Lobo são advogados no Rio de Janeiro e em São Paulo e sócios do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados)
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