quinta-feira, 29 de outubro de 2009

STJ autoriza prosseguimento de execução trabalhista da Vasp (estourou o prazo de 180 dias)

29/10/2009 - 08h05
DECISÃO
STJ autoriza prosseguimento de execução trabalhista da Vasp
Passados 180 dias do deferimento do processamento de recuperação judicial, caso não tenha sido aprovado o respectivo plano de recuperação, é permitido que se prossiga a execução de dívidas da empresa recuperanda, fora do juízo específico. A decisão é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de agravo em conflito de competência que abre a possibilidade de execução da Fazenda Piratininga, da Viação Aérea São Paulo S.A. (Vasp), em favor de indenização trabalhista aos ex-funcionários da empresa aérea.
 
Trecho da Lei de Recuperação e Falência:
Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

        [...]

        § 4o Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.


O relator, ministro Fernando Gonçalves, acolheu a argumentação do Ministério Público do Trabalho de que, "ultrapassado o prazo de 180 dias previstos no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei n. 11.101/2005 (Lei da Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências), deve ser restabelecido o direito dos credores de continuar suas execuções contra o devedor, se não houver plano de recuperação judicial aprovado".

Em seu voto, o relator ainda argumenta que "o Juízo da recuperação judicial é competente para decidir acerca do patrimônio da empresa, mesmo que já realizada a penhora de bens no Juízo Trabalhista. No entanto, na hipótese dos bens terem sido adjudicados em data anterior ao deferimento do processamento de recuperação judicial, a Justiça do Trabalho deve prosseguir no julgamento dos demais atos referentes à adjudicação".

Os autos indicam que a adjudicação pela 14ª Vara do Trabalho de São Paulo dos bens (fazenda, benfeitorias, imóveis, móveis e semoventes) foi deferida em 27 de agosto de 2008, enquanto o processamento da recuperação judicial foi deferido três meses depois, em 13 de novembro.

O Ministério Público do Trabalho havia recorrido de decisão do próprio STJ que, ao julgar o conflito de competência suscitado por Agropecuária Vale do Araguaia Ltda. (Fazenda Piratininga), declarou competente o juízo de Direito da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal (DF) para julgar as demandas contra a Vasp.

Na ocasião, os ministros da Segunda Seção seguiram o entendimento de que prevalece o juízo universal da recuperação judicial, devendo os valores em execução trabalhista, eventualmente já constritos, serem colocados à disposição do juízo de direito onde processado o plano de reabilitação da empresa.

No entanto, segundo o MPT, a adjudicação de imóvel, móveis e semoventes compreendidos no bem denominado Fazenda Piratininga foi deferida em 27/8/2008, data anterior ao deferimento do processamento da recuperação judicial, em 13/11/2008.

Ressaltou, ainda, que o prazo de 180 dias, previsto no artigo 6º da Lei n. 11.101/2005, se esgotou em 11/5/2008, "o que possibilita o prosseguimento da execução trabalhista independentemente de pronunciamento judicial".

O Sindicato Nacional dos Aeronautas, por sua vez, afirma que o deferimento da adjudicação representa "ato jurídico perfeito que não pode ser mais afetado por decisão posterior proferida pelo juízo da Recuperação Judicial".

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Informativo STJ 412 - Out/09

FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA.
A recorrente é massa falida de uma sociedade empresária que exercia a atividade de factoring, mas captava recursos de forma ilícita junto à população, dando em garantia apenas notas promissórias que sequer eram registradas em seus livros contábeis. Com lastro em uma dessas notas, a recorrida pretendeu a habilitação de crédito sob a égide do DL n. 7.661/1945. Porém, o art. 82 desse mesmo DL dispõe ser indispensável o credor do falido demonstrar a exata importância de seu crédito, bem como sua própria origem. Entende-se por origem do crédito o negócio, o fato ou as circunstâncias que geraram a obrigação do falido. Essa exigência tem por fim possibilitar a verificação da legitimidade dos créditos para evitar fraudes e abusos contra os verdadeiros credores da falida, não se tratando de mero formalismo. A jurisprudência do STJ entende imprescindível o cumprimento dessa exigência, mesmo nos casos em que título de crédito dotado de autonomia e abstração lastrear o valor pretendido. Dessa forma, a simples declaração de que o crédito é consubstanciado na nota promissória apresentada, tal como se deu no caso, não atende as exigências impostas ao credor na referida lei falimentar. Apesar da hipótese narrada nos autos, em que é notória a ocorrência de condutas ilícitas, a lei tem que ser respeitada, justamente para beneficiar aqueles que, comprovadamente e de boa-fé, contrataram com a falida. Precedentes citados: REsp 556.032-SP, DJ 20/9/2004; REsp 10.208-SP, DJ 28/10/1991, e REsp 18.995-SP, DJ 3/11/1992. REsp 890.518-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2009.
 
EXECUÇÃO INDIVIDUAL. FALÊNCIA. PENHORA.
A Turma decidiu que a nomeação extemporânea de bens à penhora, no juízo de execução individual, impede o prosseguimento do pedido de falência (art. 652 do CPC e art. 2º, I, da antiga Lei de Quebra, DL n. 7.661/1945). Com efeito, conforme a melhor exegese dos supracitados dispositivos legais, a falência não pode ser requerida antes do cumprimento do prazo processual para pagamento, o que não significa que, esgotado o prazo, impõe-se a decretação da falência de quem não se manteve de todo inerte na execução individual. Precedente citado: REsp 136.565-RS, DJ 14/6/1999. REsp 741.053-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/10/2009.
 
CONCORDATA SUSPENSIVA. FAZENDA PÚBLICA.
A Turma, por maioria, entendeu cabível a flexibilização da incidência do art. 191 do CTN com a concessão da concordata suspensiva, no caso de a empresa recorrida já ter quitado seus débitos trabalhistas, apresentando bom fluxo de caixa e situação patrimonial promissora suficientes para manter a atividade produtiva e viabilizar sua recuperação. Com efeito, uma vez concedida a concordata, a empresa continua a funcionar normalmente, podendo a Fazenda Nacional, na via executiva, proceder à cobrança dos créditos fiscais, com a prova de quitação dos tributos devidos. Ademais, o Fisco não está sujeito a eventual concurso de credores ou liquidação (art. 29 da Lei n. 6.830/1980). Precedente citado: REsp 614.005-SC, DJ 19/9/2005. REsp 723.082-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/10/2009.

As atribuições do Comitê de credores no processo de recuperação judicial

As atribuições do Comitê de credores no processo de recuperação judicial

Rodrigo da Fonseca Chauvet*

Fonte:
A Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (lei 11.101/2005 - clique aqui) atribuiu ao Comitê de Credores funções de grande importância nos processos de recuperação judicial, como a fiscalização do todos os personagens na recuperação, dentre os quais o administrador judicial e a (s) sociedade (s) em recuperação. Não obstante, disciplinou a criação, composição e extinção do órgão e tratou de diversos outros aspectos referentes ao Comitê adiante analisados.

Tratando inicialmente da instauração e composição do Comitê de Credores, disciplinou-se que será constituído por deliberação de quaisquer das classes de credores na Assembléia-Geral, quando ocorrerá a constituição do Comitê e a escolha de seus membros, valendo mencionar que também será deliberada na referida Assembléia, entre outras questões, a aprovação ou rejeição do Plano de Recuperação Judicial.

Conforme previsto no artigo 26 da lei 11.101/2005, o Comitê será composto por 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes, 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes e 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.1

Devem ser observadas as restrições previstas no artigo 30 da referida Lei, segundo as quais está impedido de integrar o Comitê aquele que, já tendo atuado membro de Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada. O impedimento atinge ainda quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. Vale mencionar que na escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores somente os respectivos membros poderão votar.

Registra-se que a instalação do Comitê é facultativa, devendo, em tese, existir apenas se a complexidade e o volume da massa falida justificarem a sua constituição2. Isso porque a instauração desnecessária do Comitê pode burocratizar e atrasar o andamento do processo de recuperação judicial.

Elucida-se que, se inexistente o Comitê, suas atribuições são exercidas, primordialmente, pelo administrador judicial ou pelo próprio juiz competente. Este atuará, inclusive, na fiscalização do administrador judicial, já que haveria incompatibilidade do exercício de tal função pelo próprio administrador.

Como anteriormente destacado, a principal função do Comitê é a de fiscalização3, seja em relação ao administrador judicial ou à sociedade em recuperação. Para o exercício da função de fiscal é permitido o acesso às dependências das empresas em recuperação, à escrituração e demais documentos relacionados à empresa em recuperação. Constatada eventual irregularidade, sobretudo ação ou omissão que se mostre contrária ao plano de recuperação judicial aprovado, deve o Comitê manifestar-se nos autos da recuperação judicial solicitando ao magistrado que adote as medidas que considere pertinentes à eliminação de atos contrários ao plano de recuperação judicial.

O Comitê deve apresentar ao juiz relatório mensal das atividades realizadas pela recuperanda, apontando falhas e irregularidades. Tal dever é de suma importância não apenas para que se apresente ao magistrado e credores todas as ações que possam gerar o fracasso da recuperação, mas também para livrar os membros do Comitê de eventual responsabilização por mau desempenho de suas funções, uma vez que responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa.

Nesse aspecto, há previsão legal de que o juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado, poderá determinar a destituição de quaisquer dos membros do Comitê quando verificar desobediência aos preceitos legais, descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou de terceiros.

Outra importante atribuição do Comitê é a de, até o encerramento da recuperação judicial, poder requerer a exclusão, outra classificação ou a retirada de qualquer crédito nos casos de descoberta de dolo, falsidade, simulação, fraude, erro, ou ainda documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro geral de credores.

Cabe ainda ao Comitê ajustar e aprovar os honorários de advogados eventualmente contratados para representar a massa falida em juízo, devendo se pronunciar quanto à venda ou oneração de bens ou direitos do ativo permanente do devedor após a distribuição do pedido de recuperação judicial.

Importante frisar que as decisões do Comitê, como órgão colegiado que é, são sempre tomadas pela maioria de seus membros, tendo direito a voto um único representante de cada classe. As decisões serão consignadas em livro de atas, rubricado pelo juízo, que ficará à disposição do administrador judicial, dos credores e do devedor. Caso não seja possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o impasse será resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo juiz.

Para fins de responsabilização, fica excluída a responsabilidade de membro do Comitê que for voto vencido em determinada deliberação contrária à lei ou prejudicial ao sucesso da recuperação, bem como ao interesse dos credores, desde que registrada em ata a sua discordância.

Em relação às despesas geradas com a instalação do Comitê, seus membros podem ser remunerados, ou não, de acordo com decisão obtida na Assembléia de Credores. Mister se destacar apenas que, se for decidido que os membros do Comitê serão remunerados, a lei 11.101/2005 prevê que tais custos não serão imputados ao devedor, que deverá arcar apenas com as despesas realizadas para a realização de atos previstos na Lei, se devidamente comprovadas e com a autorização do juiz.

Tem-se, portanto, que a remuneração dos membros do Comitê origina-se de recursos levantados pelos próprios credores. Buscou a legislação não onerar ainda mais as empresas em recuperação, não atribuindo a elas parte dos custos gerados pelo Comitê. Deve-se ter em mente que, na prática, em recuperações complexas, são elevados os custos com honorários do administrador judicial e de advogados, custos estes já suportados pelas recuperandas.

Tratando da dissolução do Comitê, este será desconstituído por determinação judicial, uma vez decretado, por sentença, após cumpridas as obrigações vencidas até dois anos depois da concessão do plano, o encerramento da recuperação judicial.

Portanto, diante de todo o exposto, verifica-se que o Comitê possui importantes atribuições previstas pela lei 11.101/2005, destacando-se o papel de grande fiscal das recuperações judiciais, mormente em recuperações judiciais complexas e que envolvam créditos significativos, onde estão em jogo interesses de diversos credores.

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1 Ressalva-se que, conforme previsto no artigo 26, §1º, da Lei nº 11.101/2005, a falta de indicação de representante por quaisquer das classes não prejudicará a constituição do Comitê, que poderá funcionar com número inferior ao previsto no caput deste artigo.

2 Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 5. Ed.,Editora, p.71.

3 Conforme artigo 27 da Lei nº 11.101/2005.

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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Os recebíveis na recuperação judicial

Os recebíveis na recuperação judicial
Fonte: Valor Econômico
Publicado por: Coped
Data do documento: 21/10/2009


Muito se tem discutido sobre o tratamento que deve ser dado ao crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis quando o devedor se encontra em processo de recuperação judicial. A Lei de Falências e Recuperação de Empresas prevê que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial estarão a ela submetidos. Foi feita uma exceção, porém, a determinados créditos que, por sua natureza, não devem se submeter à recuperação judicial. É o caso, por exemplo, dos créditos garantidos por propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, cujos credores podem exercer o direito de propriedade sobre o respectivo bem ainda que o devedor esteja em recuperação judicial. Os tribunais têm divergido quanto ao tratamento do tema.

Este texto busca apresentar os argumentos que têm sido utilizados pela jurisprudência para dar subsídio à inclusão ou exclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis da recuperação judicial (ou seja, se tal crédito teria o mesmo tratamento conferido ao crédito garantido por propriedade fiduciária), bem como identificar qual posicionamento tem atualmente prevalecido nos principais tribunais do país.

O principal argumento daqueles que defendem a inclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis - as chamadas "travas bancárias" - na recuperação judicial é que coisas incorpóreas, tais como direitos creditórios, não teriam sido expressamente excepcionadas pela Lei de Recuperação Judicial. Sustentam seu argumento no fato de o artigo 49, parágrafo 3º, da lei, excepcionar expressamente a propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, mas nada dispor sobre a cessão fiduciária de bens incorpóreos como os recebíveis. Segundo essa corrente pró-devedor, caso o legislador pretendesse prever a cessão fiduciária de recebíveis no rol de exceções do artigo 49, parágrafo 3º, deveria tê-lo feito expressamente.

A jurisprudência pró-devedor sustenta ainda que a não submissão do cessionário fiduciário de recebíveis à recuperação judicial contrariaria princípios basilares da nova legislação, quais sejam os da preservação e função social da empresa. Segundo essa corrente, o exercício dos direitos conferidos pela cessão fiduciária de recebíveis pelo credor impossibilitaria a entrada de dinheiro na empresa, já que seria diretamente destinado ao banco cessionário. Os tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Minas Gerais são exemplos dos que já adotaram esse posicionamento pró-devedor, determinando a inclusão dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis na recuperação judicial. Também há decisões da Justiça de primeira instância do Mato Grosso nesse mesmo sentido.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro utilizou recentemente outro argumento para também incluir os cessionários de recebíveis na recuperação judicial. Segundo o referido tribunal, a lei não permitiria cessão fiduciária de dinheiro, mas tão-somente de bem que possa ser vendido para pagamento ao credor. Dessa forma, descaracterizou a natureza jurídica da cessão fiduciária de recebíveis e a classificou como penhor, que, de acordo com aquele tribunal, seria o instituto que mais se aproximaria da real intenção das partes.

Outros tribunais adotam postura inversa, entendendo que os créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis não devem se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial exatamente por a Lei de Recuperação Judicial excluir os créditos garantidos por propriedade fiduciária de uma forma geral, não fazendo qualquer ressalva à cessão fiduciária de recebíveis. Tais tribunais entendem que, por ser a cessão fiduciária de recebíveis uma espécie pertencente ao gênero propriedade fiduciária, também estaria automaticamente excluída no artigo 49, parágrafo 3º, da referida lei. Esse entendimento já foi consolidado em São Paulo e no Paraná e começou mais recentemente a ser adotado pelo tribunal do Mato Grosso.

Para afastar o argumento de que os direitos creditórios em relação aos recebíveis não poderiam ser caracterizados como móveis ou imóveis, a jurisprudência pró-credor cita o artigo 83, incisos II e III, do Código Civil, que classifica os direitos como bens móveis.

O tribunal do Rio de Janeiro ainda não consolidou seu entendimento quanto ao tema. Apesar de existir decisão pró-devedor, o tribunal proferiu recente decisão pró-credor reconhecendo que o crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis não entra na recuperação judicial. O tribunal entendeu que, por mais que a exclusão desse crédito possa comprometer o capital de giro da empresa, não se deve desmerecer a proteção conferida pela LFRE à garantia fiduciária. Entendeu também que, especialmente em momentos de crise econômica como o atual, deve ser fomentada a utilização de mecanismos de crédito confiáveis, que atendam às exigências do mercado.

De uma forma geral, a atual jurisprudência pró-credor tem entendido que recebíveis são bens como qualquer outro e a eles se aplica a disciplina jurídica das coisas móveis. Dessa forma, tanto a propriedade fiduciária em garantia de coisas corpóreas quanto a cessão fiduciária de coisas incorpóreas teriam a mesma natureza jurídica, estando ambas imunes aos efeitos da recuperação judicial.

Outro argumento pró-credor é o parecer nº 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, segundo o qual a sujeição dessa garantia à recuperação judicial prejudicaria a expansão do crédito e a redução dos seus custos no Brasil, uma vez que os bancos só concedem créditos nessas condições partindo do pressuposto de que estão protegidos pela legislação. Em outras palavras, o legislador reconhece que a sujeição desses créditos aos efeitos da recuperação judicial acabaria, na prática, tornando sua concessão pelos bancos muito onerosa ou, até mesmo, inviável.

A questão deverá ser analisada pelo Superior Tribunal de Justiça em breve, mas a impressão que fica é de que ainda está longe de ser pacificada. São absolutamente assimétricas, como se vê , as decisões de alguns dos principais tribunais do país. De um lado Minas e Espírito Santo se postam ao lado de devedores. Paraná e São Paulo, por sua vez, acatam os argumentos dos credores. Até que tais divergências sejam completamente dirimidas, é recomendável que as instituições financeiras tomem cuidados adicionais ao conceder financiamentos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, sempre verificando o posicionamento do tribunal que seria competente para julgar um eventual pedido de recuperação judicial do devedor.

(Carla de Vasconcellos Crippa e Caio Campello de Menezes são, respectivamente, associada e responsável pela área do contencioso e arbitragem do Lefosse Advogados, escritório que atua no Brasil em cooperação com a banca internacional Linklaters) 

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A celeuma da "trava bancária" na recuperação judicial

A celeuma da "trava bancária" na recuperação judicial

Lucas Simões Cardoso de Oliveira*

O aperto de crédito ocorrido, mundialmente, somado as condições adversas do ambiente recessivo e as dificuldades inerentes ao "Custo Brasil" acabou por comprometer a solvência e solidez de inúmeras empresas que, por sua vez, buscaram no procedimento da recuperação judicial um alento para a reabilitação de suas organizações.

Cabe mencionar que um dos principais efeitos da recuperação judicial é a decretação de moratória frente aos credores pelo período de 180 dias, suspendendo-se todas as ações e execuções em trâmite contra a devedora-recuperanda. Essa disposição tem como objetivo, justamente, prover fôlego financeiro a atividade da devedora bem como prazo necessário para a estruturação e apresentação do plano de recuperação judicial – projeto de reorganização do negócio que estabelecerá as estratégias para superação da crise.


Fato é que o aumento expressivo do número de processos de recuperação judicial propiciou diversos debates acerca da recente legislação que regula a matéria, a lei 11.101/05 (clique aqui), conhecida por "Lei de Recuperação Judicial e Falência".

Dentre essas discussões, ganhou relevância uma operação de empréstimo, recentemente, utilizada de forma maciça por instituição financeira, justamente, com o objetivo de escapar aos efeitos da recuperação judicial: empréstimo via cédula de crédito bancário com garantia de cessão fiduciária de direitos creditórios.

A cédula de crédito bancário é um título de crédito – assim como cheque, nota promissória, duplicata, letra de câmbio, etc. -, emitido por pessoa física ou jurídica, que representa uma promessa de pagamento em dinheiro em benefício de instituição financeira.

Essa cártula está sujeita às regras gerais do direito cambiário, entretanto, possui determinadas especificidades que visam facilitar e agilizar o exercício do direito do crédito pelo credor bem como sua respectiva cobrança em Juízo.

O título de cédula de crédito bancário admite todas as formas de garantia. Uma dessas é a cessão fiduciária de direitos creditórios, através da qual a devedora e tomadora do empréstimo cede a titularidade de determinados créditos que possui para a instituição financeira, até a liquidação total do débito.

Em síntese, a instituição financeira empresta dinheiro à devedora, que, por sua vez, transfere a titularidade dos créditos que possui para a instituição financeira em garantia do negócio.

O "pulo do gato" de toda a operação está no artigo 49, parágrafo 3º, da "Lei de Recuperação Judicial e Falência", segundo o qual credores de propriedade fiduciária de bens móveis não estão sujeitos ao procedimento de recuperação judicial, prevalecendo seus direitos sobre o bem dado em garantia e as condições contratualmente previstas.

Ao contratar tal empréstimo, comumente fica estabelecido entre as partes que o valor emprestado, os créditos cedidos a título de garantia, bem como outros valores operados pela devedora, ficam todos depositados em conta sob a administração daquela instituição financeira.

Dessa maneira, aquele artigo referido, somado às condições contratadas, proporciona a malfadada "trava bancária" na recuperação judicial, que nada mais é que a indisponibilidade de valores da devedora que pleiteia os benefícios da recuperação judicial, em conta administrada pela instituição financeira.

A discussão travada nos Juízos correspondentes questiona o privilégio conferido às instituições financeiras, vez que às mesmas é possível expropriar imediatamente o patrimônio da devedora-recuperanda, quando todos os demais credores restam submetidos à moratória e têm de aguardar o desenrolar do plano de recuperação judicial para exercer seus direitos.

Fato que agrava ainda mais a situação é que a garantia dos direitos creditórios da devedora-recuperanda, usualmente, representa o resultado advindo de sua própria operação, ou seja, seu caixa. Isto quer dizer que, quando a instituição financeira toma aquela garantia como forma de pagamento, a atividade da devedora-recuperanda fica totalmente comprometida, pois aqueles valores que seriam destinados ao caixa da empresa, são apropriados imediatamente como forma de pagamento da dívida daquela única instituição financeira.

Tal privilégio tem contribuído sobremaneira para inúmeros fracassos no processo de recuperação judicial, representando um verdadeiro "tiro no pé" de toda a arquitetura jurídica elaborada a fim de viabilizar a superação da crise econômico-financeira da devedora-recuperanda.

Algumas decisões judiciais desafiaram a benesse conferida às instituições financeiras, arrematando que a mesma era incompatível com o prevalente interesse social da preservação da empresa.

Todavia, aos poucos, os Tribunais vêm consolidando o entendimento de que a "trava bancária" e a conseqüente expropriação da garantia da cessão fiduciária de direitos creditórios é legal e deve ser respeitada.

Portanto, diante desse cenário e enquanto prosperar esse posicionamento em nossos Tribunais, às empresas devedoras cumpre atentar para o fato, objetivando a melhor composição das garantias oferecidas, a renegociação com os Bancos de modo a substituir a garantia de cessão fiduciária de crédito – preferencialmente, antes da distribuição do pedido em Juízo -, a inclusão espontânea do crédito do Banco aos termos do plano de recuperação, e inclusive, em último caso, as corretas estimativas para a estruturação e execução do plano de recuperação judicial. De outro lado, ao empresariado credor cabe analisar de forma minuciosa o crédito conferido, suas garantias e seu risco, bem como, em último caso, considerar as formas jurídicas adequadas para enquadrar a qualidade do mesmo em situações privilegiadas pela "Lei de Recuperação Judicial e Falências", visando o melhor resgate possível, em termos de rapidez e quantidade, da parte que lhe cabe.

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*Advogado sócio do escritório Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

FALÊNCIA. EMPRESA AÉREA. DEPÓSITO ELISIVO.

FALÊNCIA. EMPRESA AÉREA. DEPÓSITO ELISIVO.
 
Ainda que previamente ajuizada ação anulatória do título que lastreia o pedido de falência, se inexiste depósito elisivo e não houve garantia do juízo, não há de se cogitar a suspensão do processo de falência, cuja natureza processual de execução coletiva, de cognição sumária, permite a aplicação analógica do art. 585, § 1º, do CPC. O procedimento estabelecido pelo DL n. 7.661/1945 previa, para a fase pré-falimentar, uma instrução sumária, própria das ações executórias, de sorte que, não havendo depósito elisivo e não sendo requerida a concessão do prazo previsto no art. 11, § 3º, do referido decreto, o Tribunal, após afastar os argumentos da defesa, podia de plano decretar a quebra. Não havia, no DL n. 7.661/1945, um único dispositivo que determinasse a intervenção do Ministério Público no processo pré-falimentar. A análise sistemática do art. 15, II, daquele mesmo decreto permite concluir que o Ministério Público somente deveria ter ciência do pedido de falência após a prolação da respectiva decisão de quebra. O art. 188 do Código Brasileiro de Aeronáutica veicula mera faculdade do Poder Público de intervir em empresas aéreas, faculdade que não poderia embaraçar a efetividade do DL n. 7.661/1945, que não impunha nenhum empecilho à decretação da falência de empresas aéreas. O contrato de confissão de dívida é título executivo, podendo executar-se a nota promissória a ele vinculado. Não havendo a criação de uma obrigação nova para substituir a antiga, não há de se falar em novação. Na sistemática do retrocitado DL, a nomeação do síndico faz parte do próprio conteúdo da declaração de falência. Nos termos do § 2º do art. 201 desse mesmo decreto, a falta ou demora da nomeação do fiscal não prejudica o andamento do processo da falência. Com esses fundamentos, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento aos recursos. REsp 867.128-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2009.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Súmula do STJ reconhece multa de sucumbência em execução fiscal contra a massa falida

Súmula do STJ reconhece multa de sucumbência em execução fiscal contra a massa falida

A 1ª seção do STJ aprovou súmula reconhecendo a imposição à massa falida, quando sucumbente em ação executiva fiscal, do percentual de 20% previsto no decreto-lei 1.025/69.

A questão foi julgada pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos (lei 11.672/2008 - clique aqui) diante do que dispõe o artigo 208, parágrafo 2º, da antiga Lei de Falências, segundo o qual "a massa não pagará custas a advogados dos credores e do falido".

Ambas as Turmas da Seção de Direito Público consolidaram o entendimento no sentido de reconhecer a exigibilidade do encargo devido, essencialmente, ao fato de o valor inscrito na norma corresponder à imposição de honorários, ônus que se atribui à massa falida subjetiva quando ela, litigando em juízo em defesa dos interesses dos credores, resta sucumbente.

O encargo, cuja cobrança teve a legitimidade e legalidade reconhecida pelas duas Turmas de Direito Público, está previsto no artigo 1º do DL 1.025/69, o qual se destina à cobertura das despesas realizadas no intuito de promover a apreciação dos tributos não-recolhidos.

O decreto-lei declarou extinta a participação de servidores públicos na cobrança da dívida ativa da União. Conforme várias decisões explicam, a partir da lei 7.711/88 (clique aqui), tal encargo deixou de ter a natureza exclusiva de honorários e passou a ser considerado, também, como espécie de remuneração das despesas com os atos judiciais para a propositura da execução, não sendo mero substituto da verba honorária.

No julgamento do recurso repetitivo (Resp 1110924 - clique aqui), o relator, ministro Benedito Gonçalves, destacou que para dirimir o debate, deve-se, primeiramente, esclarecer se o encargo imposto pelo artigo 1º do Decreto-Lei 1.025/69, cujo regime foi alterado pela lei 7.711/88, destina-se unicamente a substituir a condenação em honorários advocatícios. Esse artigo refere-se aos artigos 21 da lei 4.439, de 27 de outubro de 1964, e 1º, inciso II, da lei 5.421, de 25 de abril de 1968 (clique aqui), cujo exame, afirma o ministro, evidencia que o encargo em questão, incluído na certidão de dívida ativa, inicialmente, tinha como finalidade apenas a substituição da condenação em honorários advocatícios daqueles que figuravam no polo passivo das execuções fiscais.

O ministro esclarece que, com a entrada em vigor da lei 7.711/88, foi criado o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, para o qual, nos termos do artigo 4º da mesma lei, devem ser destinados, entre outros, o encargo de 20% previsto no decreto-lei 1.025/69. "Os recursos que compõem tal Fundo são destinados a custear as despesas referentes ao "programa de trabalho de incentivo à arrecadação da dívida ativa da União, previsto pelo artigo 3º da já mencionada lei 7.711/88", afirma.

Diante disso, foi determinado pelo colegiado sumular o assunto. A Súmula, que recebeu o número 400, ficou com a seguinte redação: "O encargo de 20% previsto no DL 1.025/1969 é exigível na execução fiscal proposta contra a massa falida".

  • Processos Relacionados :

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EREsp 466301 - clique aqui.

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REsp 1110924 - clique aqui.

REsp 1006243 - clique aqui.

REsp 641610 - clique aqui.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Decisões judiciais na recuperação de empresas

Decisões judiciais na recuperação de empresas
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 02/10/2009


A atual crise econômica fez crescer não apenas o número de empresas que se socorrem da recuperação judicial, mas também o porte médio dessas empresas, considerado o patrimônio, faturamento e endividamento.

Por conta das características dessa crise, as empresas exportadoras de commodities são as que até este momento parecem ter enfrentado as maiores dificuldades, devido ao elevado endividamento em moeda estrangeira, forte oscilação de preços e escassez de crédito para o financiamento de capital giro. Para algumas dessas empresas, a recuperação judicial passou a ser a única alternativa de sobrevivência à crise.

No entanto, o que parece não estar claro para a maioria das empresas em recuperação, seus administradores, e por que não dizer, seus assessores, é o fato de que, superada a crise momentânea, as bases para a manutenção de suas atividades, no longo prazo e em condições normais, continuarão, como não poderia deixar de ser, exatamente as mesmas: mercado e crédito.

O mercado, em regra (e de preferência), não está sujeito à influência de uma empresa, de seus credores ou de outros atores envolvidos com a recuperação judicial. Mas o crédito, este sim, está diretamente sujeito a essas influências, pois como todos sabem, tem sua disponibilidade e custo intimamente relacionados ao fator risco.

Ocorre que a recuperação judicial, instituto jurídico cujo mérito propalado quando de sua criação foi justamente a redução dos spreads bancários, por conferir maior segurança jurídica aos credores, incoerentemente tem revelado algumas incertezas de graves consequências. Isso porque as garantias aos financiamentos concedidos - instrumentos de redução de riscos e por consequência dos juros - estão sob ameaça na recuperação judicial. E o pior, por absoluta negativa de vigência a dispositivos legais expressos.

Infelizmente, não têm sido raras as decisões de primeira instância no sentido de autorizar a alienação de bens dados em garantia, sob a justificativa de necessidade de recomposição de capital de giro para a manutenção da atividade empresarial, ignorando, assim, a prerrogativa legal expressamente conferida no parágrafo primeiro do artigo 50 da Lei de Recuperação e Falência, cujo teor determina que apenas o credor pode autorizar a alienação, supressão ou substituição de suas garantias.

Sem atacar a nobreza dos fins, fato é que a dificuldade financeira jamais serviu de justificativa ou razão para a transgressão de direitos ou para a prática de atos ilícitos, pois, diferentemente, estaria instaurado o caos social - a segurança jurídica é reconhecidamente um dos pilares do estado democrático de direito.

Se o estado democrático de direito parece um tema interessante apenas aos jurisconsultos de plantão, fato é que a segurança jurídica de cada país é fator determinante e fundamental para que os investidores determinem seus mercados e os juros que serão cobrados em cada um deles.

Como se não bastasse, contrariando inclusive os interesses das próprias empresas em recuperação, agora há um movimento no sentido de se estender a proteção legalmente prevista apenas às empresas em dificuldade aos seus avalistas, coobrigados e fiadores - em regra os próprios controladores da empresa em recuperação. Vale ressaltar que o artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência é expresso no sentido de que durante a recuperação judicial os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência).

Especialmente no caso de aval prestado pelos controladores das empresas, que na prática tem sido o exemplo mais recorrente, a extensão da proteção aos avalistas fere o princípio da autonomia e da independência da garantia, já consagrado pela Lei Uniforme de Genebra.

Neste caso, além da insegurança jurídica lançada sobre as garantias fidejussórias concedidas para os empréstimos, há o agravante do desvio da finalidade da recuperação judicial - que passará a servir não mais para a preservação da atividade da empresa, mas para a preservação do patrimônio de seus controladores, em flagrante e inaceitável desvirtuamento ao artigo 47 da Lei de Recuperação e Falência. Esta pretensão, inclusive, contraria um dos princípios fundamentais da Lei de Recuperação e Falência, qual seja, o da necessária separação entre empresa e empresário, e revela, no mínimo, um claro sintoma de confusão de interesses.

Ou seja, a ampliação dos efeitos da recuperação judicial para os coobrigados de todo gênero não traz nenhum benefício para as empresas em recuperação ou para a sociedade em geral, e esse movimento serve, portanto, para o benefício particular dos controladores, em prejuízo exclusivo dos credores - e por que não dizer do próprio sistema financeiro - o que não pode ser aceito pelo Poder Judiciário.

Felizmente, como se pode depreender de diversos precedentes dos Tribunais paulista (recursos 7.361.654-3, 7.377.961-0 e 7.342.554-6, dentre outros), gaúcho (recursos 70030304455, 70028119014, dentre outros) e mineiro (recurso 1.0024.06.074557-7/001), os tribunais brasileiros vêm mantendo um posicionamento coerente com o texto legal, protegendo as garantias reais prestadas aos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial e permitindo a manutenção das ações contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso da empresa em recuperação judicial -- muito embora existam ainda exemplos contrários.

Em apertada conclusão, tanto a transgressão dos direitos dos credores detentores de direitos reais quanto a violação das garantias fidejussórias (pessoais) com vistas à proteção patrimonial dos controladores, além de ilegais, são medidas imediatistas que podem culminar em retração (ainda maior) do crédito e aumento das taxas de juros, o que impacta negativamente não apenas na atividade de uma empresa, mas a economia nacional em sentido amplo.

(Fábio Pascual Zuanon é advogado sócio do escritório Ramos e Zuanon Advogados)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Produtor rural e recuperação judicial

Migalhas de hoje - Produtor rural e recuperação judicial

"Questão espinhosa e que tem sido tratada muito pouco pela doutrina e amiúde pela jurisprudência se apega à aplicação do instituto da recuperação judicial ao produtor rural (Migalhas 2.235 - 28/9/09 - clique aqui). Com efeito, a disciplina da lei 11.101/05 exige requisitos de forma e de fundo para o predicado do requerimento, dentro os quais o registro e o exercício da atividade empresarial. Não podemos deslembrar da grave situação instaurada no campo, e que afeta de forma universal a todos, com a redução drástica dos preços das commodities, e da implacável falta de políticas públicas repousando em financiamentos consentâneos com a safra. Entretanto, para melhor digressão a respeito do tema, cuja posição final será do STJ, cabe destacar que a maioria dos produtores está organizada em sociedades familiares e assim exploram seus negócios, com o propósito de lucro. Há no Brasil cooperativas que tem referida nomenclatura, mas com o emblema de sociedades anônimas fechadas. A regra do artigo 971 do Código Civil dita que feito o registro do empresário rural está equiparado ao empresário comum. Bem nessa dicção soa correto, num primeiro momento, entender que o efeito do registro é automático e confere ao empresário rural a capacidade postulatória recuperacional. Mas não basta. Deve comprovar o exercício efetivo e demonstrar que a sua atividade atende aos reclamos legais, e acima de tudo participar elaboração de plano que seja concatenado com o passivo e a expectativa de pagamento dos credores. De rigor, não se descarta que a pessoa física esteja imune a recuperação, ou que a ela não faça jus, quando tenha o timbre de empresário rural. A dificuldade maior diz respeito aos créditos e financiamentos públicos em carteira e uma visão um tanto quanto míope do governo de abrir precedentes. De qualquer forma, no agronegócio globalizado e com a customização dos serviços e precificação dos produtos, não se pode alijar o empresário rural do instituto da recuperação, mas com uma visão pontual e com regramento específico, a fim de que, decidida a blindagem, dela não se valham apenas e tão somente para arregimentar eventual futura anistia ou dissipação dos lucros. Em síntese, não vemos contradição encerrada na recuperação do empresário rural, individual ou societariamente, mas a conjugação de esforços que permitam demonstrar a boa-fé organizacional e o espírito de recuperação que não tem color de insolvência do CPC." Carlos Henrique Abrão