Lucas Simões Cardoso de Oliveira*
O aperto de crédito ocorrido, mundialmente, somado as condições adversas do ambiente recessivo e as dificuldades inerentes ao "Custo Brasil" acabou por comprometer a solvência e solidez de inúmeras empresas que, por sua vez, buscaram no procedimento da recuperação judicial um alento para a reabilitação de suas organizações.
Cabe mencionar que um dos principais efeitos da recuperação judicial é a decretação de moratória frente aos credores pelo período de 180 dias, suspendendo-se todas as ações e execuções em trâmite contra a devedora-recuperanda. Essa disposição tem como objetivo, justamente, prover fôlego financeiro a atividade da devedora bem como prazo necessário para a estruturação e apresentação do plano de recuperação judicial – projeto de reorganização do negócio que estabelecerá as estratégias para superação da crise.
Fato é que o aumento expressivo do número de processos de recuperação judicial propiciou diversos debates acerca da recente legislação que regula a matéria, a lei 11.101/05 (clique aqui), conhecida por "Lei de Recuperação Judicial e Falência".
Dentre essas discussões, ganhou relevância uma operação de empréstimo, recentemente, utilizada de forma maciça por instituição financeira, justamente, com o objetivo de escapar aos efeitos da recuperação judicial: empréstimo via cédula de crédito bancário com garantia de cessão fiduciária de direitos creditórios.
A cédula de crédito bancário é um título de crédito – assim como cheque, nota promissória, duplicata, letra de câmbio, etc. -, emitido por pessoa física ou jurídica, que representa uma promessa de pagamento em dinheiro em benefício de instituição financeira.
Essa cártula está sujeita às regras gerais do direito cambiário, entretanto, possui determinadas especificidades que visam facilitar e agilizar o exercício do direito do crédito pelo credor bem como sua respectiva cobrança em Juízo.
O título de cédula de crédito bancário admite todas as formas de garantia. Uma dessas é a cessão fiduciária de direitos creditórios, através da qual a devedora e tomadora do empréstimo cede a titularidade de determinados créditos que possui para a instituição financeira, até a liquidação total do débito.
Em síntese, a instituição financeira empresta dinheiro à devedora, que, por sua vez, transfere a titularidade dos créditos que possui para a instituição financeira em garantia do negócio.
O "pulo do gato" de toda a operação está no artigo 49, parágrafo 3º, da "Lei de Recuperação Judicial e Falência", segundo o qual credores de propriedade fiduciária de bens móveis não estão sujeitos ao procedimento de recuperação judicial, prevalecendo seus direitos sobre o bem dado em garantia e as condições contratualmente previstas.
Ao contratar tal empréstimo, comumente fica estabelecido entre as partes que o valor emprestado, os créditos cedidos a título de garantia, bem como outros valores operados pela devedora, ficam todos depositados em conta sob a administração daquela instituição financeira.
Dessa maneira, aquele artigo referido, somado às condições contratadas, proporciona a malfadada "trava bancária" na recuperação judicial, que nada mais é que a indisponibilidade de valores da devedora que pleiteia os benefícios da recuperação judicial, em conta administrada pela instituição financeira.
A discussão travada nos Juízos correspondentes questiona o privilégio conferido às instituições financeiras, vez que às mesmas é possível expropriar imediatamente o patrimônio da devedora-recuperanda, quando todos os demais credores restam submetidos à moratória e têm de aguardar o desenrolar do plano de recuperação judicial para exercer seus direitos.
Fato que agrava ainda mais a situação é que a garantia dos direitos creditórios da devedora-recuperanda, usualmente, representa o resultado advindo de sua própria operação, ou seja, seu caixa. Isto quer dizer que, quando a instituição financeira toma aquela garantia como forma de pagamento, a atividade da devedora-recuperanda fica totalmente comprometida, pois aqueles valores que seriam destinados ao caixa da empresa, são apropriados imediatamente como forma de pagamento da dívida daquela única instituição financeira.
Tal privilégio tem contribuído sobremaneira para inúmeros fracassos no processo de recuperação judicial, representando um verdadeiro "tiro no pé" de toda a arquitetura jurídica elaborada a fim de viabilizar a superação da crise econômico-financeira da devedora-recuperanda.
Algumas decisões judiciais desafiaram a benesse conferida às instituições financeiras, arrematando que a mesma era incompatível com o prevalente interesse social da preservação da empresa.
Todavia, aos poucos, os Tribunais vêm consolidando o entendimento de que a "trava bancária" e a conseqüente expropriação da garantia da cessão fiduciária de direitos creditórios é legal e deve ser respeitada.
Portanto, diante desse cenário e enquanto prosperar esse posicionamento em nossos Tribunais, às empresas devedoras cumpre atentar para o fato, objetivando a melhor composição das garantias oferecidas, a renegociação com os Bancos de modo a substituir a garantia de cessão fiduciária de crédito – preferencialmente, antes da distribuição do pedido em Juízo -, a inclusão espontânea do crédito do Banco aos termos do plano de recuperação, e inclusive, em último caso, as corretas estimativas para a estruturação e execução do plano de recuperação judicial. De outro lado, ao empresariado credor cabe analisar de forma minuciosa o crédito conferido, suas garantias e seu risco, bem como, em último caso, considerar as formas jurídicas adequadas para enquadrar a qualidade do mesmo em situações privilegiadas pela "Lei de Recuperação Judicial e Falências", visando o melhor resgate possível, em termos de rapidez e quantidade, da parte que lhe cabe.
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*Advogado sócio do escritório Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados
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