segunda-feira, 1 de março de 2010

A falência chega à China

A falência chega à China
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 01/03/2010


Os homens de negócios da China sempre precisaram de capacidade de recuperação, mas agora eles devem começar a se acostumar com o espectro da falência. Isso porque agora a China conta com um código de falências com poderes e os tribunais do país estão começando a impor o seu cumprimento com rigor.

A legislação falimentar na China começou logo depois de Deng Xiaoping ter iniciado suas reformas pró-mercado, três décadas atrás. A Lei de Falência da Empresa (Implantação Experimental), a primeira do seu tipo, foi promulgada em 1986. Sua execução, porém, foi retardada por seu próprio raio de aplicação muito estreito; a ausência de leis correspondentes que regem reestruturação de corporações; intervenção governamental excessiva; incompatibilidade com a norma falimentar baseada em política em vigor à época; erros técnicos e uma incapacidade geral de tornar o código operacional.

Assim, em 2006, uma versão revisada da lei foi promulgada, assinalando um importante marco nas tentativas da China de construir um sistema jurídico eficaz, à medida que o país avança rumo a uma economia de mercado. Comparado com o seu código de falências original, o código de 2006 está firmemente arraigado nas necessidades de uma economia de mercado.

Primeiro, ele visa garantir que as obrigações sejam justa e regularmente atendidas quando um devedor ficar financeiramente insolvente. Assim, ela procura proteger os legítimos direitos dos credores e também dos devedores.

A legislação também impôs uma data limite para abolir a "falência baseada na política pública" - a prática adotada pelo Conselho de Estado para liquidar empresas estatais deficitárias (SOE) e remanejar empregados dispensados. Ao contrário da Lei de Falências, a norma administrativa teve uma hierarquia distinta de prioridades de liquidação: o montante devido pelo SOE falido a seus empregados e os encargos com remanejamento devem ser cobertos antes de tudo por seus ativos totais, incluindo as garantias do empreendimento, visando reduzir a dependência sobre orçamentos governamentais locais.

Mas esse processo deixa os direitos dos credores sem defesa, provocando críticas generalizadas. A nova Lei de Falência da Empresa redefine o seu raio de aplicação para impedir sobreposição a outras leis, como a Lei de Seguridade Social e a Lei do Trabalho. De fato, o remanejamento dos empregados dispensados pelas SOE e as demais implicações das demissões temporárias agora deveriam ser primeiramente abordadas pelo governo, por meio da rede de proteção social, em vez de tratá-las por processo falimentar.

O novo código também introduz o conceito da "reestruturação extrajudicial administrativa", pela qual advogados, contadores concursados e demais intermediários atuam como administradores de empresas que estão em processo de falência. A norma revoga a Equipe de Liquidação, um regime antiquado que muitos alegam ter sido injusto, agressivo na intervenção administrativa, não profissional e sem transparência.

Para permitir que essa parte da lei avance, o Supremo Tribunal do Povo emitiu interpretações judiciais que estipularam quem pode ser designado liquidante e o montante e tipo de indenização que pode ser paga. Até o momento, cerca de 2.520 agências e 388 pessoas físicas foram incluídas na lista de liquidantes.

Mas os problemas persistem. Por exemplo, os síndicos são injustificadamente mal remunerados em casos de ativos limitados; além disso, a nomeação aleatória e indiscriminada de liquidantes algumas vezes deixa casos com insuficiência ou excesso de funcionários.

Consequentemente, a missão do liquidante, embora implique responsabilidade absoluta, é extremamente arriscada em termos de recompensa. Se não for encontrada nenhuma solução viável, nenhuma agência ou pessoa física desejará atuar como liquidante em casos falimentares comuns.

Outra inovação importante é a adoção de normas de reestruturação baseadas nas experiências de outros países. A possibilidade de reestruturação equilibra os interesses dos grupos de pressão e usa as proteções jurídicas para ajudar empresas com risco potencialmente maior a prevenir ou evitar a falência se um resgate valer a pena ou for possível.

Normas mais rígidas e mais razoáveis devem ser estabelecidas para que planos de reestruturação possam ser aprovados pelos tribunais. Por exemplo, se a exigida maioria dos acionistas adotasse tal plano, o tribunal deveria proteger os direitos da minoria de credores que possa ter se oposto a ele. E se a taxa de liquidação para as ações coletivas dos credores for definida como não inferior à existente na época em que a proposta de plano de reestruturação foi submetida para aprovação, deverá ser considerada uma compensação, no caso de o pagamento ser adiado.

Além disso, a Lei de Falências, a Lei das Empresas e a Lei de Valores Mobiliários devem ser bem coordenadas e mutuamente reforçadas. Como pode uma empresa que está sendo reestruturada, digamos, encontrar uma forma de emitir títulos para financiá-la se ela não pode satisfazer normas convencionais como rentabilidade e valor patrimonial líquido, conforme exigido pela Lei de Empresas e a Lei de Valores Mobiliários? A lei deve conter cláusulas específicas com respeito a essas questões, para assegurar um bem sucedido registro em bolsa das firmas que estão em processo de reestruturação.

Para evitar fraudes, um grave problema no passado, a nova lei estabeleceu um "direito de rescisão", pelo qual o liquidante pode solicitar que o tribunal rescinda qualquer ação de um devedor que envolva fraude, evasão ou liquidação desonesta no período estipulado, antes que o pedido de falência seja aceito e os ativos, recuperados. O sistema agora detém a chave para a liquidação justa. Além disso, a Lei Penal da República Popular da China agora inclui fraude falimentar.

A implantação bem sucedida da revisada Lei da Falência da China depende do seu efetivo cumprimento e do abandono das mentalidades e práticas formadas na vigência da versão antiga, especialmente na época da falência baseada na política. Apesar das dificuldades que restam, a legislação de falências da China está cada vez mais adaptada à economia de mercado; a tendência é irreversível.

(Wang Xinxin é livre docente de Direito na Universidade Renmin (Popular) da China e diretor do Centro de Pesquisa de Direito Falimentar. Copyright: Project Syndicate, 2010. www.project-syndicate.org)

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