RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADOS | : | ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) |
LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) | ||
BERNARDO ANASTASIA CARDOSO DE OLIVEIRA | ||
RECORRIDO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADOS | : | LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE |
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.
1. A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101⁄05 e art. 165 do Código Civil de 2002).
2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.
3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.
4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.
5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ.
6. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661⁄45 e art. 82 da Lei n.º 11.101⁄05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio⁄administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios⁄administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.
7. Em sede de processo falimentar, não há como a desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos sócios. Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores (par conditio creditorum), na ordem de preferência imposta pela lei.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). SEBASTIAO ALVES DOS REIS JUNIOR, pela parte RECORRENTE: ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA
Dr(a). LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE, pela parte RECORRIDA: TRANSPORTES MOSA LTDA
Brasília (DF), 05 de abril de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECORRENTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADO | : | LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) |
RECORRIDO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADO | : | MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
1. Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por Alexandre de Vasconcelos Pereira, tirado de decisão que, nos autos da falência de Transportes Mosa Ltda, desconsiderou a personalidade jurídica da falida para alcançar os bens de seus ex-acionistas, para a satisfação dos débitos existentes. O agravante arguiu, notadamente, que a) a prova dos autos constatam a regularidade dos atos praticados pelos ex-sócios; b) deve haver uma presunção de legalidade dos atos dos sócios, pois praticados antes do termo legal fixado na sentença de quebra; c) nulidade da decisão, porquanto transbordou os limites subjetivos da lide, a atingir pessoas que não são partes no processo e não têm nenhuma relação com a falida; d) para a responsabilização de ex-sócios mostra-se necessário o ajuizamento de ação própria, revocatória ou inquérito judicial, sendo que, no caso, não teria havido sequer intimação dos sócios sobre o pedido de desconsideração; e) subsidiariamente, a responsabilidade dos sócios deveriam estar adstritas até abril de 2000.
O agravo foi, por maioria, improvido, nos termos da seguinte ementa:
O voto vencido, de lavra do Desembargador Nagib Salaib Filho, dava provimento ao agravo, encampando tese apresentada em parecer jurídico do Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, notadamente no que concerne ao prazo para pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados (fls. 820⁄825).
Sobreveio recurso especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, e o recorrente alega ofensa aos arts. 17, 535 e 460 do Código de Processo Civil; art. 178, inciso II do Código Civil de 1916; art. 50 do Código Civil de 2002; art. 47 do Decreto-lei n.º 7.661⁄45 e art. 6º da Lei n.º 11.101⁄05. Pretende o recorrente o afastamento da condenação por litigância de má-fé; reconhecimento de julgamento ultra petita, porquanto o Ministério Público pleiteou a responsabilização dos sócios por dívidas limitadas no tempo; a declaração de decadência do direito de requerer a desconsideração da personalidade jurídica da falida; necessidade de ação própria para a responsabilização dos ex-sócios da falida.
Contra-arrazoado (fls. 962⁄973), o especial foi admitido (fls. 997⁄1003).
O Ministério Público Federal, mediante parecer do i. Subprocurador-Geral da República Washington Bolívar Júnior, opina pelo não provimento do recurso especial (fls. 1015⁄1025).
Vieram-me memoriais com parecer jurídico do Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, com teses a lastrear o recurso especial.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADO | : | LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) |
RECORRIDO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADO | : | MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.
1. A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101⁄05 e art. 165 do Código Civil de 2002).
2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.
3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.
4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.
5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ.
6. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661⁄45 e art. 82 da Lei n.º 11.101⁄05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio⁄administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios⁄administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.
7. Em sede de processo falimentar, não há como a desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos sócios. Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores (par conditio creditorum), na ordem de preferência imposta pela lei.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
RECORRENTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADO | : | LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) |
RECORRIDO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADO | : | MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
2. Afasto, de saída, a alegação de ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.
3. Antes da análise do mérito do recurso especial, convém traçar, de forma pormenorizada, as premissas fáticas adotadas pelo acórdão recorrido, principalmente os atos praticados pelos ex-sócios da falida, os quais foram acoimados de fraudulentos, bem como as circunstâncias em que decretada a quebra.
O acórdão recorrido noticia a seguinte cronologia dos fatos mais relevantes:
Por outro lado, tal como salientou o membro do Parquet de primeiro grau, Dr. Leonardo Araújo Marques, em fundamentada peça que originou a decisão judicial ora impugnada, mostra-se sintomático o fato de que a falência da empresa Transporte Mosa Ltda foi decretada em razão de crédito quirografário no valor de R$ 54.688,66, decorrente de título executivo judicial pertencente a credora que se acidentou em ônibus da ré, ainda no ano de 1998.
A falência foi decretada em 15 de maio de 2003, com termo legal fixado em dezembro de 2000, com retroação a outubro do mesmo ano.
Como assinalou o Dr. Promotor de Justiça, o fato causou estranheza, pois "...não se tem notícias de falência de outra empresa de ônibus em nosso Estado" (fls. 1619).
O Juízo falimentar, depois de analisar diversas operações tidas como fraudulentas - como o nítido esvaziamento patrimonial decorrente de cisão parcial, a transferência de cotas sociais para outras empresas sem que houvesse contabilização de pagamento, a confusão patrimonial entre os bens da empresa e os de diversas pessoas da mesma família, além do saque no patrimônio da falida perpetrado por sócios -, a pedido do Ministério Público, desconsiderou a personalidade jurídica da falida para que os bens dos sócios fossem arrecadados, determinando, ademais, que os atingidos pela decisão somente se ausentassem do local da falência mediante autorização do juízo.
Reveladas essas premissas fáticas, passo ao exame do mérito recursal.
4. Para o desate da controvérsia, notadamente quanto à tese relativa ao prazo para o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, é imperiosa a análise minuciosa de institutos e conceitos da teoria geral do direito privado, como prescrição e decadência - aos quais se ligam os conceitos de pretensão, direitos subjetivo e potestativo -, desconsideração da personalidade jurídica, além do alcance da próprias ações revocatória e pauliana.
Nesse ponto, a tese sustentada no parecer do Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em síntese, é a seguinte:
Ou seja, o recorrente sustenta que, escoado o prazo, que seria de decadência, para a ação revocatória ou pauliana, com vistas a invalidar determinados negócios jurídicos tidos por fraudulentos, descabe também a desconsideração da personalidade jurídica da falida para alcançar o patrimônio dos ex-sócios da empresa.
4.1. A doutrina civilista, desde Windscheid, que trouxe para o direito material o conceito de actio, direito processual haurido do direito romano, diferencia com precisão direito subjetivo e direito potestativo.
Direito subjetivo é o poder da vontade consubstanciado na faculdade de agir e de exigir de outrem determinado comportamento para a realização de um interesse, cujo pressuposto é a existência de uma relação jurídica.
Nessa esteira, Caio Mário afirmava que o direito subjetivo, visto dessa forma, sugere sempre de pronto a ideia de uma prestação ou dever contraposto de outrem:
Encapsulados na fórmula poder-sujeição, a sua vez, estão os chamados direitos potestativos, a cuja faculdade de exercício não se vincula propriamente nenhuma prestação contraposta (dever), mas uma submissão à manifestação unilateral do titular do direito, muito embora tal manifestação atinja diretamente a esfera jurídica de outrem.
Os direitos potestativos, porque a eles não se relaciona nenhum dever, mas uma submissão involuntária, são insuscetíveis de violação, como salienta remansosa doutrina. Os direitos potestativos podem ser constitutivos - como o que tem o contratante de desfazer o contrato em caso de inadimplemento -, modificativos - como o direito de constituir o devedor em mora, ou o de escolher entre as obrigações alternativas -, ou extintivos - a exemplo do direito de despedir empregado ou de anular contratos eivados de vícios (AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 201⁄202).
Como dito alhures, somente os direitos subjetivos estão sujeitos a violações, e quando ditas violações são verificadas, nasce para o titular do direito subjetivo a faculdade (poder) de exigir de outrem uma ação ou omissão (prestação positiva ou negativa), poder este tradicionalmente nomeado de pretensão.
Assim, por via de consequência, somente os direitos subjetivos possuem pretensão, ou seja, o poder de exigência de um dever contraposto, já que este dever inexiste nos direitos potestativos.
Nessa linha é o magistério de Orlando Gomes:
A distinção entre direitos potestativos e subjetivos, como bem assinala Caio Mário da Silva Pereira, muito embora seja de nítida feição acadêmica, mostrou-se fundamental para solucionar um dos mais antigos problemas de direito civil, o da diferença entre prescrição e decadência.
Assim, a prescrição é a perda da pretensão inerente ao direito subjetivo, em razão da passagem do tempo, ao passo que a decadência se revela como o perecimento do próprio direito potestativo, pelo seu não-exercício no prazo predeterminado.
Esse é o antigo magistério de Antônio Luís da Câmara Leal:
Corolário desse entendimento é o de que os deveres jurídicos que subjazem aos direitos subjetivos são exigidos, ao passo que os direitos potestativos são exercidos (AMARAL, Francisco. Idem, p. 565).
E, por isso, o prazo de prescrição, em essência, começa a correr tão logo nasça a pretensão, a qual tem origem com a violação do direito subjetivo, nos termos do art. 189 do Código Civil: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206". Por outro lado, o prazo decadencial tem início no momento do nascimento do próprio direito potestativo, que deverá ser exercido em determinado lapso temporal sob pena de perecimento. Vale dizer, o direito potestativo traz em si o gérmen da sua própria destruição.
Assim, prescrita a pretensão, remanesce ainda um direito subjetivo desprovido de exigibilidade, como aqueles relacionados às chamadas obrigações naturais, ao passo que com a decadência extinto estará o próprio direito potestativo.
4.2. Após essas breves observações sobre os institutos da decadência, prescrição e pretensão, passo a analisar a estrutura das ações pauliana e revocatória falimentar.
A ação pauliana, como é cediço, participa do arcabouço de medidas judiciais assecuratórias ou conservatórias da responsabilidade patrimonial do devedor.
É ação serviente àquele que, titularizando crédito quirografário anterior, encontra-se ameaçado pela inadimplência do devedor, diante de alienações que lhe diminuam a solvabilidade ou lhe reduzam à insolvência (art. 158 do CC⁄02).
À sua vez, o regime de fraudes, quando analisadas no âmbito falimentar, possui colorido próprio.
Os atos praticados pelo devedor em detrimento de credores, se decretada a falência daquele, podem ser desfeitos nos termos dos arts. 52 e 53 do Decreto-lei n.º 7.661⁄45, parcialmente correspondentes aos arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101⁄05.
Os dispositivos da lei revogada preveem casos de ineficácia objetiva, considerada aquela que independe de as partes envolvidas no ato estarem mancomunadas, e de revogabilidade, cuja aplicação tem sede própria na hipótese de fraude praticada pelos contratantes, presentes o eventus damni e o consilium fraudis.
A procedência do pedido da ação revocatória produz, imediatamente, a ineficácia do ato apanhado pelos artigos citados, e, de forma mediata, o efeito restitutório do bem à massa falida, para posterior rateio entre a coletividade de credores, sejam os créditos anteriores ou posteriores ao ato acoimado com a ineficácia.
Trata-se, na verdade, de uma especialização da ação pauliana no âmbito falimentar, porquanto, os atos listados na Lei de Quebras, sujeitos à revogação e à ineficácia, são atos praticados, grosso modo, em fraude contra credores.
Nesse sentido se manifestou Yussef Said Cahali, com amparo no magistério de Carvalho de Mendonça:
Com a fraude contra credores, nasce para o prejudicado um direito potestativo de agir diretamente na esfera jurídica de outrem (devedor e terceiros contratantes), anulando o negócio jurídico realizado às astúcias (art. 158, caput, do CC⁄02).
Por outro lado, com a decretação da falência, nasce para a massa falida, para o Ministério Público ou para qualquer credor habilitado, legitimados por força de lei, o direito, também potestativo, de ingerência na esfera jurídica da falida e de quem com ela contratou, para tornar ineficaz, em relação à massa, o negócio jurídico suspeito.
Ou seja, nascem direitos potestativos que devem ser exercidos em determinado lapso temporal, daí por que são decadenciais - tanto o prazo para o ajuizamento de ação revocatória, quanto o de ajuizamento da pauliana (art. 178 do CC⁄02 e art. 130 da Lei n.º 11.101⁄05).
Por outro lado, os negócios jurídicos nulos de pleno direito, ordinariamente, não estão sujeitos a prescrição ou decadência (art. 169 do CC⁄02), e o juiz apenas declara a nulidade.
Com efeito, fica evidente a máxima doutrinária, de muito tempo conhecida, alicerçada sobretudo na teoria trinária das ações de Chiovenda, segundo a qual as tutelas condenatórias (que visam a recompor um direito subjetivo violado, mediante uma prestação do réu) sujeitam-se a prazos prescricionais; as tutelas constitutivas (positivas ou negativas, que visam à criação, modificação ou extinção de um estado jurídico: anulatória ou revocatória de ato jurídico, por exemplo) sujeitam-se a prazos decadenciais; e as tutelas declaratórias (v.g., de nulidade) não se sujeitam a prazo prescricional ou decadencial (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. In. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan.⁄jun. 1961).
5. Cumpre agora, portanto, analisar os contornos teóricos da desconsideração da personalidade jurídica e concluir se o pedido de tal providência encontra-se sujeito a algum prazo, e, em caso positivo, se esse prazo é prescricional ou decadencial (tal como as ações pauliana e revocatória falencial); ou, de forma mais pragmática, se o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa reclama uma tutela condenatória, constitutiva ou declaratória do juízo.
5.1. A teoria da disregard doctrine, como é sabido, foi introduzida no direito pátrio pelas mãos de Rubens Requião, no já distante ano de 1969 (Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 410, dez. 1969), sendo aquela que autoriza o juízo a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que utilizada como instrumento de fraude ou abuso de direito, para que os sócios e administradores da sociedade respondam pessoalmente por débitos da pessoa moral.
No direito brasileiro, a teoria encontra-se hoje disseminada por vários diplomas, apanhando diversas áreas do ordenamento jurídico, como direito civil, direito do consumidor, ambiental, direito concorrencial, direito do trabalho, direito tributário.
No que interessa para o desate da controvérsia ora instalada, cumpre analisar o que dispõe o art. 50 do atual Código Civil, o qual reproduz, em essência, o entendimento doutrinário sobre o tema aceito com razoável lhanura:
As causas que justificam descortinar-se o véu da pessoa jurídica, enraízam-se em uma conduta abusiva de direitos - e não necessariamente em um ato isoladamente observado -, qualificada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial entre os bens da empresa e dos sócios ou de empresas coligadas. Tal providência é serviente a uma extensão subjetiva de determinadas obrigações antes contraídas formalmente pela pessoa moral, cujo adimplemento, porém, deverá ser suportado pelos sócios.
A partir dessas características já se conclui que a desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências.
A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101⁄05 e art. 165 do Código Civil de 2002).
A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, não consubstancia extinção da pessoa jurídica, tampouco anulação⁄revogação de atos específicos praticados por ela, ainda que verificados os vícios a que faz alusão o art. 50 do Código Civil.
Em realidade, cuida-se de superação de uma ficção jurídica, que é a empresa, sob cujo véu se esconde a pessoa natural do sócio.
É técnica de execução de dívidas existentes, técnica essa consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.
Essa é a aclamada doutrina de Rubens Requião sobre a natureza jurídica da desconsideração:
No mesmo sentido, de que a natureza jurídica da disregard é de ineficácia relativa da própria pessoa jurídica, confiram-se: JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1987, pp. 88⁄89; SILVA, Alexandre Couto. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1999, p. 27; BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 43⁄45.
Com efeito, a meu juízo, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.
5.2. A par disso, remanesce ainda a controvérsia acerca da existência de algum prazo para pleitear-se a desconsideração da personalidade jurídica, muito embora tal providência não guarde semelhança com as ações revocatória ou pauliana.
Como dito alhures, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica reclama do juízo uma tutela que estenda aos sócios a responsabilidade por obrigações assumidas pela empresa, mercê do reconhecimento da ineficácia relativa da própria pessoa jurídica, o que, em última análise, corresponde ao reconhecimento da ineficácia dos atos constitutivos da sociedade, especificamente para determinados fins.
Com efeito, verificadas as hipóteses previstas em lei para a desconsideração da personalidade jurídica, nasce o direito de o credor, querendo, imiscuir-se nos acentos contratuais ou estatutários da sociedade devedora, celebrados quando da criação da empresa, afastando as limitações sociais acertadas, para atingir diretamente a pessoa natural subjacente.
Vale dizer que, ao se pleitear a superação da pessoa jurídica, depois de verificado o preenchimento dos requisitos autorizadores da medida, o peticionário exerce um direito potestativo de ingerência na esfera jurídica de terceiros, da sociedade e dos sócios, os quais, inicialmente, pactuaram a separação patrimonial entre pessoas jurídica e natural.
Consequentemente, o pedido de desconsideração reclama do juízo uma tutela constitutiva positiva, nascedoura mesma de uma nova relação jurídica entre o credor e os sócios.
Portanto, à primeira vista, a circunstância de o pedido de desconsideração da personalidade jurídica consubstanciar-se em exercício de direito potestativo - e reclamar, por outro lado, uma tutela de natureza constitutiva -, poderia conduzir à conclusão de que tal pedido estaria, em tese, sujeito a prazo decadencial.
Porém, isso não ocorre, haja vista a inexistência de previsão legal.
O sistema civil brasileiro de 1916, como é amplamente sabido, não tratou com muito esmero os institutos da prescrição e da decadência, atribuindo prazos ditos prescricionais a direitos potestativos, sujeitos evidentemente a decadência. Colhem-se como exemplos dessa erronia o pedido de anulação de casamento (art. 178, § 1º e § 4º, II, § 5º, I e II), a ação para se contestar a paternidade de filho (art. 178, § 3º), a ação para revogar doação (art. 178, § 6º, I), ação do adotado para se desligar da adoção (art. 178, § 6º, XIII), ação para anulação de contratos em razão de vício de vontade (art. 178, § 9º, inciso V).
Quanto à prescrição, desde o diploma revogado, o legislador optou por prever um prazo geral (art. 177) e situações discriminadas sujeitas a prazos especiais (art. 178), sem exclusão de outros prazos conferidos por leis específicas. Grosso modo, esse método foi transferido para o Código Civil de 2002, que também prevê um prazo geral (art. 205), e prazos específicos (art. 206) de prescrição.
Essa sistemática, por si só, possui a virtualidade de apanhar, ordinariamente, todas as pretensões de direito subjetivo e lhes conferir um prazo de perecimento: se a pretensão não se enquadra nos prazos prescricionais específicos, sujeitar-se-á, certamente, ao prazo geral.
Somente alguns direitos subjetivos, observada sua envergadura e especial proteção, não estão sujeitos a prazos prescricionais, como na hipótese de ações declaratórias de nulidades absolutas, pretensões relativas a direitos da personalidade e ao patrimônio público.
Com efeito, conclui-se facilmente que, tratando-se de pretensões de direito subjetivo, a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção.
Todavia, tal não ocorre com os direitos potestativos, sujeitos à decadência.
O fato é que o Código Civil de 1916, malgrado tenha baralhado as hipóteses de prescrição e decadência, previu para a decadência a tipicidade das situações sujeitas a tal fenômeno.
O mesmo se diga para o Código Civil de 2002, que não possui, como para a prescrição, um prazo geral e amplo de decadência (salvo o contido no art. 179, específico para anulação de ato jurídico), fazendo a opção de elencar, de forma esparsa e sem excluir outros diplomas, os direitos potestativos cujo exercício está sujeito a prazo decadencial, seguindo a mesma linha da tipicidade até então existente.
Relativamente a prazos decadenciais, colhem-se, a título de exemplos, as seguintes hipóteses previstas no Código Civil de 2002: anulação dos atos constitutivos da pessoa jurídica (art. 45, § único, e 48, § único); anulação de negócio jurídico celebrado pelo representante em conflito de interesses com o representado (art. 119); anulação de negócio jurídico viciado (art. 178); direito de redibição ou abatimento de preço (art. 445); ação ex empto ou ex vendito (art. 501); direito de retrovenda (art. 505); exercício do direito de preferência de compra (arts. 513 e 516); revogação de doação por ingratidão (art. 555-558); anulação de deliberações tomadas em assembleia de sócios (art. 1.078, § 4º); anulação de casamento (arts. 1.555 e 1.560); impugnação de paternidade pelo filho menor (art. 1.614); anulação de negócio jurídico realizado à mingua de outorga uxória (art. 1.649); anulação de partilha (art. 2.027, § único).
Em suma, se não há regra específica conferindo prazo decadencial para o exercício de determinado direito potestativo (salvo as hipóteses de prazos subsidiários, como é o caso do art. 179 do CC⁄02), tal exercício não estará sujeito a prazo algum.
Esse é o magistério de Agnelo Amorim Filho - um dos primeiros a sistematizar o estudo da prescrição e da decadência do direito brasileiro -, no sentido de que, em relação aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. In. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan.⁄jun. 1961).
Tal entendimento foi também sufragado mais recentemente por Yussef Said Cahali, em notável trabalho monográfico sobre prescrição e decadência:
Ademais, a simples possibilidade de haver decadência extra legem, aquela acertada entre as partes convencionalmente (art. 211 do Código Civil de 2002), revela que pode haver, ao menos em tese, situações a envolver direitos potestativos não reguladas em lei, ficando a cargo dos particulares o estabelecimento dos prazos decadenciais que lhes melhor convier.
À ausência de acerto nessa seara, as situações jurídicas quedam-se não reguladas, no tocante a eventual prazo de exercício de direitos.
5.3. Por outro lado, a bem da verdade, o direito sempre conviveu com situações em que o exercício de direitos potestativos não está sujeito a prazo algum, e inclusive este Superior Tribunal chancelou, por diversas vezes, esse entendimento.
Por exemplo, sempre se entendeu que a administração pública poderia, a qualquer momento, revogar seus próprios atos, quando eivados de vício ou ilegalidade, mercê do Verbete Sumular n.º 473 do STF: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
Somente com a Lei n.º 9.784⁄99 é que foi fixado prazo decadencial para tal providência, nos termos da jurisprudência da Casa:
O mesmo ocorre com o direito potestativo do estrangeiro, em situação irregular no País, de requerer seu registro provisório, se o ingresso ocorreu antes da Lei n.º 9.675⁄98, conforme já decidiu as turmas da Primeira Seção, adotando fundamentos idênticos ao ora proposto:
De resto, também esta Corte já reconheceu a inexistência de prazo para o exercício do direito potestativo de o locador demandar pela retomada do imóvel, depois de efetivada a notificação obrigatória ao locatário:
6. No caso dos autos, a desconsideração da personalidade jurídica é apenas mais uma hipótese em que não há prazo - decadencial, se existisse - para o exercício desse direito potestativo.
À míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.
E o próprio projeto do novo Código de Processo Civil, que de forma inédita disciplina um incidente para a medida, parece ter mantido a mesma lógica e não prevê qualquer prazo para o exercício do pedido.
Ao contrário, enuncia que a medida "é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial" (art. 77, § único, inciso II, do PL n.º 166, de 2010).
7. Rejeitada a tese da decadência do pedido de desconsideração - a qual reputei ser a principal no recurso especial -, passo à análise dos demais tópicos do recurso, os quais já foram enfrentados em outros precedentes da Casa, com jurisprudência tranquila e pacífica.
7.1. Afasto, ademais, a alegada exigência de ação própria para a desconsideração da personalidade jurídica.
A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ, verbis:
No voto condutor do acórdão proferido no REsp. 881.330, de lavra do e. Ministro João Otávio de Noronha, em situação absolutamente idêntica, dispensou-se a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada no âmbito do próprio juízo que decretou a medida, também falimentar.
Diante da semelhança fática, adoto como razões de decidir os fundamentos manifestados por Sua Exa.:
No caso dos autos, a decisão que acionou a disregard está exaustivamente fundamentada, somando-se às razões do acórdão recorrido, que identificam, com precisão, os atos tidos por abusivos praticados pela falida, com benefício evidente dos sócios, então recorrentes.
Também ficou consignado que todos tiveram oportunidade de se defender nos autos da falência, circunstância que afasta também a tese de violação ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, já que das premissas fáticas traçadas na origem não pode se distanciar esta Corte (Súmula 7).
7.2. Por outro lado, não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661⁄45 e art. 82 da Lei n.º 11.101⁄05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa.
A responsabilização dos sócios ocorre quando estes, por ato próprio, praticam a abusividade lesiva à sociedade (ultra vires, por exemplo), ao passo que na desconsideração da personalidade jurídica é a pessoa moral que tem seu uso desvirtuado, por ato dela, tudo em benefício dos sócios e administradores.
Ou seja, na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio⁄administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos.
Fábio Ulhoa Coelho elenca, com precisão, as hipóteses de responsabilização pessoal dos sócios, administradores e acionistas da falida, com base nas leis de direito societário, hipóteses que se distanciam sobremaneira da desconsideração da personalidade jurídica, que visa tão-somente à extensão da responsabilidade aos sócios, por dívidas contraídas pela pessoa jurídica:
Em suma, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios⁄administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.
A e. Terceira Turma sufragou entendimento análogo:
7.3. Afasto, ainda, a alegação de que houve julgamento ultra petita.
Primeiramente porque o art. 460 não foi objeto de prequestionamento, muito embora tenham sido opostos embargos de declaração. Incide, no caso, a Súmula n.º 211⁄STJ.
Ademais, a tese de que a desconsideração da personalidade jurídica deve atingir somente as obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos recorrentes, como supostamente teria pleiteado o Ministério Público, é incompatível com o próprio sistema falimentar.
Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores (par conditio creditorum), na ordem de preferência imposta pela lei.
Nesse passo, também se mostra irrelevante a condição de ex-sócios da falida à época em que decretada a quebra.
8. Quanto à litigância de má-fé, o acórdão recorrido reconheceu a conduta processual maliciosa dos recorrentes, afirmando que "durante toda a instrução do recurso, apresentaram inúmeras petições e impugnações, eminentemente procrastinatórias, opondo resistência injustificada ao andamento do processo".
Rever tais conclusões esbarra na Súmula 7⁄STJ.
9. Afirme-se, por fim, que a decisão que desconsiderou a personalidade jurídica atinge os bens daqueles ex-sócios indicados, não podendo, por óbvio, prejudicar terceiros de boa-fé.
10. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso e, na extensão, nego-lhe provimento.
É como voto.
Número Registro: 2010⁄0022474-9 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 1.180.714 ⁄ RJ |
Números Origem: 1498656120018190001 20010011485682 20060011472406 200700209997 200913402701 200913506555 |
PAUTA: 05⁄04⁄2011 | JULGADO: 05⁄04⁄2011 |
RECORRENTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADOS | : | ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) |
LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) | ||
BERNARDO ANASTASIA CARDOSO DE OLIVEIRA | ||
RECORRIDO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADOS | : | LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE |
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
Dr(a). LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE, pela parte RECORRIDA: TRANSPORTES MOSA LTDA
Documento: 1048318 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 06/05/2011 |
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
EMBARGANTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADOS | : | ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) |
BERNARDO ANASTASIA CARDOSO DE OLIVEIRA | ||
CAIO ALBUQUERQUE BORGES DE MIRANDA E OUTRO(S) | ||
LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) | ||
EMBARGADO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADOS | : | LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE |
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. OMISSÃO NÃO OCORRENTE. MATÉRIA EXAUSTIVAMENTE ANALISADA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA.
1. Descabe, em sede de embargos de declaração, a rediscussão de matéria meritória, exaustivamente analisada pelo acórdão embargado.
2. Insurgindo-se a parte contra acórdão de clareza meridiana, imputando-se-lhe a pecha de omisso, considera-se a insurgência manifestamente protelatória a autorizar a aplicação ao embargante de multa de 1% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 538, parágrafo único, do CPC.
3. Embargos de declaração rejeitados, com aplicação de multa.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, com aplicação de multa, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e João Otávio de Noronha (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 28 de junho de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
EMBARGANTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADOS | : | ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) |
BERNARDO ANASTASIA CARDOSO DE OLIVEIRA | ||
CAIO ALBUQUERQUE BORGES DE MIRANDA E OUTRO(S) | ||
LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) | ||
EMBARGADO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADOS | : | LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE |
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se de embargos declaratórios opostos contra acórdão assim ementado:
Às razões dos embargos, o recorrente sustenta omissão no acórdão ora embargado, porquanto não teria ele se manifestado acerca de eventual julgamento ultra petita, em razão de falta de prequestionamento do art. 460 do CPC. Ademais, diante da interposição de embargos de declaração na origem, caso se considere não prequestionado o mencionado dispositivo, seria necessário o reconhecimento de ofensa ao art. 535 do CPC.
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO |
EMBARGANTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADOS | : | ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) |
BERNARDO ANASTASIA CARDOSO DE OLIVEIRA | ||
CAIO ALBUQUERQUE BORGES DE MIRANDA E OUTRO(S) | ||
LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) | ||
EMBARGADO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADOS | : | LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE |
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. OMISSÃO NÃO OCORRENTE. MATÉRIA EXAUSTIVAMENTE ANALISADA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA.
1. Descabe, em sede de embargos de declaração, a rediscussão de matéria meritória, exaustivamente analisada pelo acórdão embargado.
2. Insurgindo-se a parte contra acórdão de clareza meridiana, imputando-se-lhe a pecha de omisso, considera-se a insurgência manifestamente protelatória a autorizar a aplicação ao embargante de multa de 1% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 538, parágrafo único, do CPC.
3. Embargos de declaração rejeitados, com aplicação de multa.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Nos termos da clara redação do art. 535 do CPC, os embargos de declaração somente se prestam a sanar contradição ou obscuridade (inciso I) ou, ainda, omissão sobre ponto acerca do qual deveria pronunciar-se o decisório embargado (inciso II).
Da doutrina processualista, extrai-se que a obscuridade consiste na falta de clareza da decisão impugnada, sendo que, diante da função precípua do pronunciamento judicial de emprestar certeza às relações litigiosas que calham às suas portas, não se admitem decisões judiciais não-unívocas.
Por outro lado, verifica-se a contradição quando no acórdão se incluem proposições entre si inconciliáveis. Nos termos do magistério de Barbosa Moreira:
De resto, também é clássico o conceito de omissão, segundo o qual é a inércia do julgador em analisar ou pronunciar juízo de valor acerca de ponto essencial ao desate da controvérsia.
3. Nenhum desses vícios se faz presente na decisão ora embargada.
Não há contradição ou omissão a ser sanada e todos os pontos necessários ao desate da controvérsia foram abordados, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.
Nesse passo, também é sólida a jurisprudência da Casa, no sentido de descaber, em sede de embargos de declaração, a rediscussão de matéria meritória, exaustivamente analisada pelo acórdão embargado, verbis:
A bem da verdade, o conteúdo das razões expostas pelo ora embargante revela mero inconformismo, hipótese não contemplada pelo art. 535 do CPC.
4. Apenas para que o recorrente não acoime, uma vez mais, o acórdão com a pecha de omisso, cumpre notar que o acórdão ora embargado afastou explicitamente a alegação de julgamento ultra petita, seja por ausência de prequestionamento do art. 460 do CPC, seja porque a pretensão subjacente - qual seja a de limitar a responsabilidade dos sócios - é incompatível com a disregard levada a efeito em processo falimentar.
Nesses exatos termos é o seguinte trecho do voto condutor:
5. Em realidade, percebe-se a mais não poder que o embargante insurge-se contra acórdão de clareza meridiana, imputando-lhe a pecha de omisso, razão pela qual considero a insurgência manifestamente protelatória e aplico ao embargante multa de 1% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 538, parágrafo único, do CPC.
6. Diante do exposto, rejeito os embargos de declaração, com aplicação de multa de 1% sobre o valor atualizado da causa.
É como voto.
Número Registro: 2010⁄0022474-9 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 1.180.714 ⁄ RJ |
Números Origem: 1498656120018190001 20010011485682 20060011472406 200700209997 200913402701 200913506555 |
EM MESA | JULGADO: 28⁄06⁄2011 |
RECORRENTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADOS | : | ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) |
LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) | ||
BERNARDO ANASTASIA CARDOSO DE OLIVEIRA | ||
RECORRIDO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADOS | : | LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE |
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
EMBARGANTE | : | ALEXANDRE DE VASCONCELOS PEREIRA |
ADVOGADOS | : | ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S) |
LEONARDO PIETRO ANTONELLI E OUTRO(S) | ||
BERNARDO ANASTASIA CARDOSO DE OLIVEIRA | ||
CAIO ALBUQUERQUE BORGES DE MIRANDA E OUTRO(S) | ||
EMBARGADO | : | TRANSPORTES MOSA LTDA - MASSA FALIDA |
ADVOGADOS | : | LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE |
MAURO MARCELLO DA COSTA MACHADO - SÍNDICO |
Documento: 1073263 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 01/07/2011 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário