O crédito do sócio na nova Lei de Falências Fonte: Valor Econômico - SP - Legislação & Tributos - 05/09/2005 |
Luiz Henrique Bevilaqua e Ronald Sharp Jr. A Lei nº 11.101/05 - a nova Lei de Falências -, entre outras inovações, alterou a ordem de classificação dos créditos na falência. Nesse sentido, o crédito amparado por garantia real ocupava, na pretérita legislação falimentar, a terceira posição no concurso dos credores da falida, localizando-se abaixo dos créditos da Fazenda Pública. A seu turno, na nova Lei de Falências essa espécie de crédito passa a ocupar o segundo lugar no quadro de credores concursais e o quarto na ordem de classificação de beneficiários de pagamento na falência. Assim, o crédito com garantia real atualmente situa-se acima dos créditos tributários, revelando a importância que a legislação atribui à facilidade de acesso e recuperação do crédito. Sucede que alguns doutrinadores advogam equivocadamente que qualquer crédito titularizado pelo sócio, inclusive o amparado em garantia real, enquadrar-se-ia na classe de crédito concursal subordinado (artigo 83, inciso VIII). Dado que os créditos do falido são precedidos pelas restituições e pelos créditos extraconcursais (artigo 149), por esse entendimento qualquer crédito do sócio, em especial o constituído com garantia real, ocuparia a décima posição na ordem geral de pagamentos. O argumento é o de que, em diversas ocasiões, sócios - principalmente controladores - emprestam, de forma simulada, recursos à sociedade da qual participam, no lugar de realizarem aumento do capital social. Cientes da precária situação financeira da sociedade estariam buscando proteger seus recursos mediante a celebração de empréstimos, freqüentemente com garantias reais. Diversas são as razões para ilidir e elidir tal entendimento: a começar pela natureza objetiva da ordem de classificação dos créditos, perpassando pelo princípio da não-presunção da fraude e ultimando na viabilidade do mecanismo da cessão do crédito para terceiro. A classificação do crédito na falência obedece unicamente a um critério objetivo, em consonância com a natureza do crédito, não podendo a qualidade subjetiva de sócio implicar no rebaixamento do seu crédito, notadamente com garantia real, na falência da sociedade. Não se pode admitir o absurdo de o crédito com garantia real ocupar objetivamente a segunda posição nos créditos concursais, mas o mesmo crédito, quando titularizado pelo sócio, passe a estar - agora por um critério subjetivo (qualidade de sócio) - incluído entre os subordinados. A correta hermenêutica do inciso VIII do artigo 83 da nova Lei de Falências deve ser aquela que contempla o crédito especificamente decorrente do direito de sócio enquanto tal. Isto é o que ocorre em relação a dividendos declarados e não pagos, juros sobre capital próprio não recebidos, na forma da Lei n° 9.249/96, e resgate/amortização de ações não pagos, nos termos da Lei das S.A. Igualmente, o princípio de que a fraude não se presume advém do princípio da boa-fé nas obrigações. Mostra-se imperioso provar a existência de simulação por parte do sócio, visando à fraude ao emprestar seus recursos à sociedade e protegê-los com garantia real, o que na realidade é combatido pela revogação do ato (artigo 130). Segue-se que deve ser demonstrado intuito do sócio de melhor posicionar seu crédito na potencial falência da sociedade. Ademais, o parágrafo 4º do artigo 83 da legislação, ao dispor que apenas os créditos trabalhistas cedidos a terceiro tornar-se-ão quirografários, propicia ao sócio ceder seu crédito com garantia real para terceiro sem participação societária na empresa falida, de maneira que esse crédito seria inserido na classe própria e priorizada dos créditos com garantia real. Em prevalecendo a tese do menoscabo do crédito do sócio amparado por garantia real à condição de subordinado na falência da sociedade da qual participe, a própria nova Lei de Falências teria criado uma alternativa para contorná-la, qual seja: a cessão do crédito para terceiro não-sócio, ao passo que tal prática somente é legalmente desestimulada na cessão de créditos trabalhistas. Repare-se ainda que, por ausência de previsão legal, e considerado o critério objetivo, o crédito do sócio decorrente dessa qualidade cedido a terceiro terá de subsistir com idêntica classificação. Finalmente, destaque-se que investidores institucionais de longo prazo, tais como os fundos de pensão e a BNDESPar - subsidiária integral do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - compartilham, em alguns casos, do esforço para reestruturar sociedade da qual detêm participação relevante, sobretudo mediante a subscrição de debêntures com garantia real. Assim, a prevalência do entendimento ora refutado desestimularia ou mesmo eliminaria essa forma de acesso a crédito. O raciocínio ora contrastado inibe a aquisição por sócio, ainda que minoritário, de debêntures da espécie com garantia real, nos mercados primário ou secundário, especialmente quando a situação financeira da sociedade emissora for precária, violando o pilar da nova Lei de Falências: a preservação da empresa. Luiz Henrique Bevilaqua e Ronald A. Sharp Junior são, respectivamente, advogado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professor de direito do Ibmec |
Fonte: Valor Econômico - SP - Legislação & Tributos - 05/09/2005 |
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
crédito do sócio - Luiz Henrique Bevilaqua e Ronald A. Sharp LICO
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