Pessoal,
o resumo do último informativo do STF (# 548) sobre a nova lei de falências e a questão trabalhista é o de que o STF chancelou a constitucionalidade da lei.
Os principais pontos do informativo em resumo são:
1. constitucional: não há problema na extinção dos contratos de trabalho na venda em leilão de estabelecimento da falida (rejeitou-se o argumento de que teria de ser lei complementar pelo art. 7º I da CF);
2. constitucional: não há sucessão mesmo nas dívidas trabalhistas quando houver leilão de estabelecimento da falida;
3. constitucional: na ponderação de princípios fundamentais, ganhou a livre iniciativa e perdeu a valorização do trabalho humano para o supremo
4. constitucional: ok o limite de 150 salários mínimos e a conversão da classificação do crédito de trabalhista para quirografário no que passar os 150.
5. competência da justiça comum (vara empresarial do rio) e não da justiça do trabalho.
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra os artigos 60, parágrafo único, 83, I e IV, c, e 141, II, da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Sustentava o requerente ofensa aos artigos 1º, III e IV, 6º, 7º, I, e 170, VIII, da CF. Afastou-se, inicialmente, a alegada inconstitucionalidade formal dos dispositivos legais impugnados, por afronta à reserva constitucional de lei complementar. Asseverou-se que, nos termos do art. 22, I, da CF, compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho, a qual não está obrigada a utilizar-se de lei complementar para disciplinar a matéria, o que somente é exigido, de acordo com o art. 7º, I, da CF, para regrar a dispensa imotivada, assunto, entretanto, que não constituiria objeto da Lei 11.101/2005. No ponto, salientou-se que, não obstante a eventual recuperação ou falência de certa empresa ou a venda de seus ativos implique indiretamente a extinção de contratos de trabalho, esse efeito subsidiário nada teria a ver com a despedida arbitrária ou sem justa causa, que decorre sempre de ato volitivo e unilateral do empregador.
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
ADI e Nova Lei de Falências - 2
Rejeitou-se, em seguida, a alegação de que os artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei em questão seriam inconstitucionais por estabelecerem que o arrematante das empresas em recuperação judicial não responderia pelas obrigações do devedor, em especial as derivadas da legislação do trabalho. Considerou-se que a Constituição Federal não abrigaria nenhuma regra expressa sobre o eventual direito de cobrança de créditos trabalhistas em face daquele que adquire ativos de empresa em processo de recuperação judicial ou cuja falência tenha sido decretada. Além disso, não haveria ofensa direta a quaisquer valores implícita ou explicitamente protegidos pela Constituição Federal, podendo ocorrer, no máximo, uma colisão entre diferentes princípios constitucionais, sendo que, ainda assim, não se poderia falar em declaração de invalidade de um deles ou de instituição de uma cláusula de exceção, já que o legislador ordinário teria apenas estabelecido relações de precedência condicionada. Registrou-se que, no caso, o papel do legislador infraconstitucional teria se restringido a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que reputara mais idôneos para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de forma a garantir-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o que se defrontara. No ponto, observou-se que a Lei 11.101/2005 resultou de amplo debate com os setores socais diretamente afetados por ela, tendo surgido, também, da necessidade de se preservar o sistema produtivo nacional inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada pela concorrência predatória entre seus principais agentes e pela eclosão de crises globais cíclicas altamente desagregadoras. Destarte, nesse contexto, o legislador teria optado por estabelecer que adquirentes de empresas alienadas judicialmente não assumiriam os débitos trabalhistas, por sucessão, porquanto isso não ensejaria prejuízo aos trabalhadores, já que a exclusão da sucessão tornaria mais interessante a compra da empresa e tenderia a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumentaria a garantia dos trabalhadores, em razão de o valor pago ficar à disposição do juízo da falência e ser utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas. Além do mais, a venda em bloco da empresa possibilitaria a continuação da atividade empresarial, preservando empregos.
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
ADI e Nova Lei de Falências - 3
Aduziu-se que, do ponto de vista teleológico, o diploma em questão teria procurado garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades, permitindo a alienação de seus ativos, considerada, especialmente, a função social que esses complexos patrimoniais exercem, nos termos do disposto no art. 170, III, da CF. Afirmou-se que o processo falimentar, nele abrangida a recuperação das empresas em dificuldades, visaria, em última análise, saldar o seu passivo por meio da realização do respectivo patrimônio, sendo reunidos todos os credores, segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a natureza do crédito de que são detentores. Assim, o referido processo teria como escopo, além de contribuir para que a empresa pudesse superar a crise econômica ou financeira, preservar, o máximo possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guardaria verdadeira relação simbiótica (Lei 11.101/2005, art. 47). Dessa forma, os artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei impugnada seriam constitucionalmente hígidos, mormente porque o legislador, ao concebê-los, teria optado por dar concreção a determinados valores constitucionais, quais sejam, a livre iniciativa e a função social da propriedade em detrimento de outros, com mesma densidade axiológica, por julgá-los mais adequados ao tratamento da matéria.
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
ADI e Nova Lei de Falências - 4
Também repeliu-se a apontada inconstitucionalidade do art. 83 da Lei 11.101/2005, por ofensa aos artigos 5º, XXXVI e 7º, IV, da CF, na qualificação, como quirografários, dos créditos trabalhistas derivados da legislação do trabalho que ultrapassem 150 salários mínimos. Frisou-se não haver perda de direitos por parte dos trabalhadores, haja vista que, independentemente da categoria em que tais créditos fossem classificados, não deixariam de existir nem se tornariam inexigíveis, deixando de ter apenas caráter preferencial. Observou-se que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, implicou uma ruptura com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-lei 7.661/45, que tinha como enfoque principal a proteção do credor e não a preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais. Destacou-se, ainda, que a própria legislação internacional de proteção ao trabalhador (Convenção 173 da Organização Internacional do Trabalho - OIT) prevê a possibilidade do estabelecimento de limites legais aos créditos de natureza trabalhista, desde que preservado o mínimo essencial à sobrevivência do empregado. Considerou-se que, apesar de ainda não ter havido ratificação dessa Convenção pelo Brasil, poder-se-ia afirmar que os limites eleitos para a garantia dos créditos trabalhistas, na hipótese de falência ou recuperação judicial de empresas, teriam respaldo nas normas adotadas no âmbito da OIT. Nesse sentido, as disposições da Lei 11.101/2005 demonstrariam uma preocupação de caráter distributivo, fixando um critério razoável e proporcional, o mais possível equitativo no que diz respeito ao concurso de credores, ou seja, ao estabelecer um limite máximo para que os créditos trabalhistas tivessem um tratamento preferencial, teria buscado garantir que essa proteção alcançasse o maior número de trabalhadores, isto é, exatamente os que ganham os menores salários. Concluiu-se que o limite de conversão dos créditos trabalhistas em quirografários, portanto, não afrontaria a Constituição Federal, visto que teria por objetivo a proteção do patrimônio dos trabalhadores, especialmente os mais necessitados do ponto de vista econômico. Por fim, não se vislumbrou, de igual modo, nenhum vício na fixação do limite dos créditos trabalhistas, para o efeito de classificá-los como quirografários, em salários mínimos, ao fundamento de que o que a Constituição proíbe é a utilização do salário mínimo como indexador de prestações periódicas e não como parâmetro de indenizações ou condenações. Vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que julgavam parcialmente procedente o pedido formulado. Precedentes citados: RE 449420/PA (DJU de 14.10.2005); ADI 789/DF (DJU de 19.12.94).
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
REPERCUSSÃO GERAL
Recuperação Judicial: Execução de Créditos Trabalhistas e Competência da Justiça Comum - 1
Compete à Justiça Comum o julgamento de execução de créditos trabalhistas contra empresas em processo falimentar ou em recuperação judicial. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, desproveu recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que mantivera decisão, proferida em conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Estadual Comum, que reputara ser da 1ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro a competência para julgar ação proposta pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas - SNA e associações de comissários, mecânicos de vôo e pilotos das empresas Varig e Nordeste Linhas Aéreas. Alegava-se, na espécie, ofensa aos incisos I a IX do art. 114 da CF. Preliminarmente, asseverou-se que o debate relativo às condições de admissibilidade do recurso e à existência de repercussão geral estaria superado, ante o pronunciamento da Corte quanto à relevância constitucional do tema sob análise. Afirmou-se, ainda, não caber ao Supremo examinar — em recurso extraordinário em que se discute a exegese do art. 114 da CF, na redação que lhe deu a EC 45/2004 —, se o art. 60 da Lei 11.101/2005 estabeleceria, ou não, a sucessão de créditos trabalhistas, haja vista tratar-se de matéria totalmente estranha aos autos. Acrescentou-se, no ponto, que, no julgamento da ADI 3934/DF, acima relatado, a Corte já teria declarado a constitucionalidade do referido dispositivo.
RE 583955/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.5.2009. (RE-583955)
Recuperação Judicial: Execução de Créditos Trabalhistas e Competência da Justiça Comum - 2
Quanto à questão de fundo, salientou-se que, no âmbito infraconstitucional, o assunto seria atualmente disciplinado pelos §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei 11.101/2005, os quais complementados pelo art. 76, e seu parágrafo único, do mesmo diploma legal ("Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. § 1o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. § 2o É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença ... Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo."). Observou-se que, tanto no regime anterior (Decreto-lei 7.661/45, artigos 7º, §§ 2º e 3º, e 23) quanto no atual, o legislador ordinário teria adotado o entendimento no sentido de que, decretada a falência — e agora deferida a recuperação judicial —, a execução de todos os créditos, inclusive os de natureza trabalhista, deveria ser processada no juízo falimentar. Afirmou-se que tais regras consagrariam o princípio da universalidade do juízo falimentar, que exerce uma vis attractiva sobre todas as ações de interesse da massa falida, caracterizando a sua individualidade.
RE 583955/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.5.2009. (RE-583955)
Recuperação Judicial: Execução de Créditos Trabalhistas e Competência da Justiça Comum - 3
Explicou-se que, num processo falimentar, o patrimônio da empresa nem sempre corresponde ao montante de suas dívidas, razão por que a regra da individualidade na execução dos créditos poderia ensejar a obtenção de vantagem indevida por certos credores em prejuízo dos demais. Dessa forma, estaria afastada a regra da execução individual dos créditos, instaurando-se, em substituição, o concurso de credores, a permitir a concretização do princípio da par condicio creditorum, que garante tratamento isonômico a todos os credores de uma mesma categoria na percepção do que lhes é devido. Dessa maneira, instalar-se-ia, no processo de falência, o denominado juízo universal, a atrair todas as ações aptas a afetar o patrimônio da empresa em processo de quebra ou recuperação judicial. Registrou-se que o juízo universal da falência atrairia apenas os créditos consolidados, estando excluídas, portanto, as ações que demandam quantia ilíquida, as trabalhistas e as de natureza fiscal, as quais terão prosseguimento nos juízos especializados (Lei 11.101/2005, art. 6º, §§ 1º, 2º e 7º). Aduziu-se, também, que, de acordo com o art. 83, I e VI, c, da Lei 11.101/2005, os créditos de até 150 salários mínimos teriam tratamento preferencial, sendo transformados em quirografários os que superassem esse valor. Mencionou-se, ainda, o disposto no art. 54 do aludido diploma legal, segundo o qual, o plano de recuperação judicial, aprovado pelo juízo da falência, não poderia prever prazo superior a 1 ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho, anteriormente vencidos, e nem prazo superior a 30 dias para o pagamento, até o limite de 5 salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial, vencidos nos 3 meses anteriores ao pedido. Assim, a Lei 11.101/2005 teria se mantido fiel ao princípio da par condicio creditorum no tocante aos créditos trabalhistas, contemplados com a devida precedência sobre os demais, em decorrência de sua natureza alimentar. Por sua vez, a Justiça do Trabalho teria conservado a jurisdição cognitiva sobre tais créditos cuja execução, quando líquidos, ficariam a cargo da Justiça Comum, uma vez instaurado o processo falimentar. O novo diploma teria ampliado a possibilidade de os empregados receberam o que lhes é devido, ao inserir no ordenamento jurídico o instituto da recuperação judicial, o qual teria por escopo manter em atividade as empresas que estivessem passando por dificuldades de caráter conjuntural, tendo em conta a função social que exercem. Por fim, após afastar qualquer violação aos incisos I a IX do art. 114 da CF, esclareceu-se, quanto a esse último inciso, que ele teria apenas outorgado ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça do Trabalho outras controvérsias, além das taxativamente previstas nos incisos anteriores, desde que oriundas da relação de trabalho. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que davam provimento ao recurso. Precedentes citados: AI 584049 AgR/RJ (DJU de 8.8.2006) e AI 585407 AgR/RJ (DJU de 1º.12.2006).
RE 583955/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.5.2009. (RE-583955)
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
Rejeitou-se, em seguida, a alegação de que os artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei em questão seriam inconstitucionais por estabelecerem que o arrematante das empresas em recuperação judicial não responderia pelas obrigações do devedor, em especial as derivadas da legislação do trabalho. Considerou-se que a Constituição Federal não abrigaria nenhuma regra expressa sobre o eventual direito de cobrança de créditos trabalhistas em face daquele que adquire ativos de empresa em processo de recuperação judicial ou cuja falência tenha sido decretada. Além disso, não haveria ofensa direta a quaisquer valores implícita ou explicitamente protegidos pela Constituição Federal, podendo ocorrer, no máximo, uma colisão entre diferentes princípios constitucionais, sendo que, ainda assim, não se poderia falar em declaração de invalidade de um deles ou de instituição de uma cláusula de exceção, já que o legislador ordinário teria apenas estabelecido relações de precedência condicionada. Registrou-se que, no caso, o papel do legislador infraconstitucional teria se restringido a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que reputara mais idôneos para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de forma a garantir-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o que se defrontara. No ponto, observou-se que a Lei 11.101/2005 resultou de amplo debate com os setores socais diretamente afetados por ela, tendo surgido, também, da necessidade de se preservar o sistema produtivo nacional inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada pela concorrência predatória entre seus principais agentes e pela eclosão de crises globais cíclicas altamente desagregadoras. Destarte, nesse contexto, o legislador teria optado por estabelecer que adquirentes de empresas alienadas judicialmente não assumiriam os débitos trabalhistas, por sucessão, porquanto isso não ensejaria prejuízo aos trabalhadores, já que a exclusão da sucessão tornaria mais interessante a compra da empresa e tenderia a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumentaria a garantia dos trabalhadores, em razão de o valor pago ficar à disposição do juízo da falência e ser utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas. Além do mais, a venda em bloco da empresa possibilitaria a continuação da atividade empresarial, preservando empregos.
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
Aduziu-se que, do ponto de vista teleológico, o diploma em questão teria procurado garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades, permitindo a alienação de seus ativos, considerada, especialmente, a função social que esses complexos patrimoniais exercem, nos termos do disposto no art. 170, III, da CF. Afirmou-se que o processo falimentar, nele abrangida a recuperação das empresas em dificuldades, visaria, em última análise, saldar o seu passivo por meio da realização do respectivo patrimônio, sendo reunidos todos os credores, segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a natureza do crédito de que são detentores. Assim, o referido processo teria como escopo, além de contribuir para que a empresa pudesse superar a crise econômica ou financeira, preservar, o máximo possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guardaria verdadeira relação simbiótica (Lei 11.101/2005, art. 47). Dessa forma, os artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei impugnada seriam constitucionalmente hígidos, mormente porque o legislador, ao concebê-los, teria optado por dar concreção a determinados valores constitucionais, quais sejam, a livre iniciativa e a função social da propriedade em detrimento de outros, com mesma densidade axiológica, por julgá-los mais adequados ao tratamento da matéria.
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
Também repeliu-se a apontada inconstitucionalidade do art. 83 da Lei 11.101/2005, por ofensa aos artigos 5º, XXXVI e 7º, IV, da CF, na qualificação, como quirografários, dos créditos trabalhistas derivados da legislação do trabalho que ultrapassem 150 salários mínimos. Frisou-se não haver perda de direitos por parte dos trabalhadores, haja vista que, independentemente da categoria em que tais créditos fossem classificados, não deixariam de existir nem se tornariam inexigíveis, deixando de ter apenas caráter preferencial. Observou-se que o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, implicou uma ruptura com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-lei 7.661/45, que tinha como enfoque principal a proteção do credor e não a preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais. Destacou-se, ainda, que a própria legislação internacional de proteção ao trabalhador (Convenção 173 da Organização Internacional do Trabalho - OIT) prevê a possibilidade do estabelecimento de limites legais aos créditos de natureza trabalhista, desde que preservado o mínimo essencial à sobrevivência do empregado. Considerou-se que, apesar de ainda não ter havido ratificação dessa Convenção pelo Brasil, poder-se-ia afirmar que os limites eleitos para a garantia dos créditos trabalhistas, na hipótese de falência ou recuperação judicial de empresas, teriam respaldo nas normas adotadas no âmbito da OIT. Nesse sentido, as disposições da Lei 11.101/2005 demonstrariam uma preocupação de caráter distributivo, fixando um critério razoável e proporcional, o mais possível equitativo no que diz respeito ao concurso de credores, ou seja, ao estabelecer um limite máximo para que os créditos trabalhistas tivessem um tratamento preferencial, teria buscado garantir que essa proteção alcançasse o maior número de trabalhadores, isto é, exatamente os que ganham os menores salários. Concluiu-se que o limite de conversão dos créditos trabalhistas em quirografários, portanto, não afrontaria a Constituição Federal, visto que teria por objetivo a proteção do patrimônio dos trabalhadores, especialmente os mais necessitados do ponto de vista econômico. Por fim, não se vislumbrou, de igual modo, nenhum vício na fixação do limite dos créditos trabalhistas, para o efeito de classificá-los como quirografários, em salários mínimos, ao fundamento de que o que a Constituição proíbe é a utilização do salário mínimo como indexador de prestações periódicas e não como parâmetro de indenizações ou condenações. Vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que julgavam parcialmente procedente o pedido formulado. Precedentes citados: RE 449420/PA (DJU de 14.10.2005); ADI 789/DF (DJU de 19.12.94).
ADI 3934/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.5.2009. (ADI-3934)
REPERCUSSÃO GERAL
Compete à Justiça Comum o julgamento de execução de créditos trabalhistas contra empresas em processo falimentar ou em recuperação judicial. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, desproveu recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que mantivera decisão, proferida em conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Estadual Comum, que reputara ser da 1ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro a competência para julgar ação proposta pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas - SNA e associações de comissários, mecânicos de vôo e pilotos das empresas Varig e Nordeste Linhas Aéreas. Alegava-se, na espécie, ofensa aos incisos I a IX do art. 114 da CF. Preliminarmente, asseverou-se que o debate relativo às condições de admissibilidade do recurso e à existência de repercussão geral estaria superado, ante o pronunciamento da Corte quanto à relevância constitucional do tema sob análise. Afirmou-se, ainda, não caber ao Supremo examinar — em recurso extraordinário em que se discute a exegese do art. 114 da CF, na redação que lhe deu a EC 45/2004 —, se o art. 60 da Lei 11.101/2005 estabeleceria, ou não, a sucessão de créditos trabalhistas, haja vista tratar-se de matéria totalmente estranha aos autos. Acrescentou-se, no ponto, que, no julgamento da ADI 3934/DF, acima relatado, a Corte já teria declarado a constitucionalidade do referido dispositivo.
RE 583955/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.5.2009. (RE-583955)
Quanto à questão de fundo, salientou-se que, no âmbito infraconstitucional, o assunto seria atualmente disciplinado pelos §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei 11.101/2005, os quais complementados pelo art. 76, e seu parágrafo único, do mesmo diploma legal ("Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. § 1o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. § 2o É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença ... Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo."). Observou-se que, tanto no regime anterior (Decreto-lei 7.661/45, artigos 7º, §§ 2º e 3º, e 23) quanto no atual, o legislador ordinário teria adotado o entendimento no sentido de que, decretada a falência — e agora deferida a recuperação judicial —, a execução de todos os créditos, inclusive os de natureza trabalhista, deveria ser processada no juízo falimentar. Afirmou-se que tais regras consagrariam o princípio da universalidade do juízo falimentar, que exerce uma vis attractiva sobre todas as ações de interesse da massa falida, caracterizando a sua individualidade.
RE 583955/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.5.2009. (RE-583955)
Explicou-se que, num processo falimentar, o patrimônio da empresa nem sempre corresponde ao montante de suas dívidas, razão por que a regra da individualidade na execução dos créditos poderia ensejar a obtenção de vantagem indevida por certos credores em prejuízo dos demais. Dessa forma, estaria afastada a regra da execução individual dos créditos, instaurando-se, em substituição, o concurso de credores, a permitir a concretização do princípio da par condicio creditorum, que garante tratamento isonômico a todos os credores de uma mesma categoria na percepção do que lhes é devido. Dessa maneira, instalar-se-ia, no processo de falência, o denominado juízo universal, a atrair todas as ações aptas a afetar o patrimônio da empresa em processo de quebra ou recuperação judicial. Registrou-se que o juízo universal da falência atrairia apenas os créditos consolidados, estando excluídas, portanto, as ações que demandam quantia ilíquida, as trabalhistas e as de natureza fiscal, as quais terão prosseguimento nos juízos especializados (Lei 11.101/2005, art. 6º, §§ 1º, 2º e 7º). Aduziu-se, também, que, de acordo com o art. 83, I e VI, c, da Lei 11.101/2005, os créditos de até 150 salários mínimos teriam tratamento preferencial, sendo transformados em quirografários os que superassem esse valor. Mencionou-se, ainda, o disposto no art. 54 do aludido diploma legal, segundo o qual, o plano de recuperação judicial, aprovado pelo juízo da falência, não poderia prever prazo superior a 1 ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho, anteriormente vencidos, e nem prazo superior a 30 dias para o pagamento, até o limite de 5 salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial, vencidos nos 3 meses anteriores ao pedido. Assim, a Lei 11.101/2005 teria se mantido fiel ao princípio da par condicio creditorum no tocante aos créditos trabalhistas, contemplados com a devida precedência sobre os demais, em decorrência de sua natureza alimentar. Por sua vez, a Justiça do Trabalho teria conservado a jurisdição cognitiva sobre tais créditos cuja execução, quando líquidos, ficariam a cargo da Justiça Comum, uma vez instaurado o processo falimentar. O novo diploma teria ampliado a possibilidade de os empregados receberam o que lhes é devido, ao inserir no ordenamento jurídico o instituto da recuperação judicial, o qual teria por escopo manter em atividade as empresas que estivessem passando por dificuldades de caráter conjuntural, tendo em conta a função social que exercem. Por fim, após afastar qualquer violação aos incisos I a IX do art. 114 da CF, esclareceu-se, quanto a esse último inciso, que ele teria apenas outorgado ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça do Trabalho outras controvérsias, além das taxativamente previstas nos incisos anteriores, desde que oriundas da relação de trabalho. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que davam provimento ao recurso. Precedentes citados: AI 584049 AgR/RJ (DJU de 8.8.2006) e AI 585407 AgR/RJ (DJU de 1º.12.2006).
RE 583955/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.5.2009. (RE-583955)
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