quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Revista AASP n.º 105 - Temas Polêmicos

A Revista AASP n.º 105 - Temas Polêmicos traz excelentes artigos.

Grupo econômico responde por dívida trabalhista de empresa em recuperação

Grupo econômico responde por dívida de empresa em recuperação
Fonte: Valor Econômico
Publicado por: Coped
Data do documento: 23/12/2009


Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) servirá de orientação para companhias que pertençam ao mesmo grupo econômico de uma empresa em recuperação judicial. Pelo entendimento - até então limitado à doutrina -, uma empresa pode responder pelos débitos de outra em recuperação judicial, desde que pertençam ao mesmo grupo econômico.

Na prática, a decisão da Segunda Seção do STJ permitiu que a Guimtex Participações seja responsabilizada por dívidas trabalhistas da Companhia Têxtil Ferreira Guimarães - que na época do julgamento estava em recuperação judicial. Os ministros entenderam que o prazo de 180 dias - durante o qual a empresa em recuperação judicial não pode ser executada, ou seja, cobrada por suas dívidas - não se estende às empresas do mesmo grupo econômico. Isso significa que se a Justiça do Trabalho considerou a Guimtex do mesmo grupo econômico, como ocorreu no caso, ela poderá ser chamada a responder pelos débitos da outra como devedora solidária.

O caso, julgado em novembro, é um conflito de competência proposto pela Guimtex. O advogado que representa a empresa no processo, Tiago Siqueira Mota, do escritório Mota, Damasceno e Andradas Advogados, afirma que a Guimtex há algum tempo tentou fazer um investimento na Ferreira Guimarães, mas a possibilidade foi suspensa por uma decisão judicial, em uma ação ajuizada por acionistas minoritários. Segundo ele, a empresa, portanto, não teria participação na Ferreira Guimarães e ainda assim foi considerada do mesmo grupo econômico pela Justiça do Trabalho.

Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sempre que uma ou mais empresas estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou econômico, elas serão responsáveis solidárias pelas dívidas trabalhistas. O juiz da vara do trabalho, num processo proposto por um ex-trabalhador da Ferreira Guimarães, entendeu que existiria um grupo econômico entre Ferreira Guimarães, Guimtex Participações e Companhia de Fiação e Tecelagem Barbacenense. O advogado que representa o trabalhador no processo pelo Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Juiz de Fora, Jaime Antônio da Silva, afirma que levou ao juiz do trabalho o fato relevante publicado pela Guimtex na época em que anunciou o investimento, assim como o nome de dois sócios da empresa que seriam diretores da Ferreira Guimarães. Ele diz ter ajuizado pelo menos 160 ações contra a companhia em nome dos trabalhadores.

O caso foi parar no STJ porque a Guimtex alegou que caberia à vara empresarial, onde corre o processo de recuperação judicial, a competência para discutir a questão. "Se há uma recuperação judicial, o crédito do trabalhador já foi incluído no plano. A Justiça do Trabalho não pode entrar na questão cível", afirma Mota. O advogado acrescenta que deve recorrer da decisão no Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar da argumentação da empresa, o STJ entendeu que as companhias possuem personalidades jurídicas próprias e patrimônios distintos. E que, por este motivo, a recuperação judicial da Ferreira Guimarães não seria afetada com a eventual penhora de bens de empresas do mesmo grupo. "Se os bens da suscitante (Guimtex ) não estão abrangidos pelo plano de recuperação judicial da Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, por consequência também não estão sob a tutela do juízo da Vara Empresarial do Rio de Janeiro, a medida que são de propriedade de pessoa jurídica diversa daquela em recuperação", diz o relator do processo, ministro Sidnei Beneti.

O advogado Carlos Duque Estrada, que representa inúmeros trabalhadores em processos envolvendo a Varig e a Vasp, afirma que o STJ já decidiu nesta linha em um processo de um ex-trabalhador da Vasp. Segundo ele, as decisões representam um norte tanto para o direito do trabalho quanto para o de falências, pois até então a questão estava limitada à doutrina. "Houve inúmeras situações em que se argumentava que o grupo econômico também seria blindado pela recuperação judicial", afirma. 
 
(Zínia Baeta, de São Paulo)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

STJ autoriza prosseguimento de execução trabalhista da Vasp (estourou o prazo de 180 dias)

29/10/2009 - 08h05
DECISÃO
STJ autoriza prosseguimento de execução trabalhista da Vasp
Passados 180 dias do deferimento do processamento de recuperação judicial, caso não tenha sido aprovado o respectivo plano de recuperação, é permitido que se prossiga a execução de dívidas da empresa recuperanda, fora do juízo específico. A decisão é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de agravo em conflito de competência que abre a possibilidade de execução da Fazenda Piratininga, da Viação Aérea São Paulo S.A. (Vasp), em favor de indenização trabalhista aos ex-funcionários da empresa aérea.
 
Trecho da Lei de Recuperação e Falência:
Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

        [...]

        § 4o Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.


O relator, ministro Fernando Gonçalves, acolheu a argumentação do Ministério Público do Trabalho de que, "ultrapassado o prazo de 180 dias previstos no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei n. 11.101/2005 (Lei da Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências), deve ser restabelecido o direito dos credores de continuar suas execuções contra o devedor, se não houver plano de recuperação judicial aprovado".

Em seu voto, o relator ainda argumenta que "o Juízo da recuperação judicial é competente para decidir acerca do patrimônio da empresa, mesmo que já realizada a penhora de bens no Juízo Trabalhista. No entanto, na hipótese dos bens terem sido adjudicados em data anterior ao deferimento do processamento de recuperação judicial, a Justiça do Trabalho deve prosseguir no julgamento dos demais atos referentes à adjudicação".

Os autos indicam que a adjudicação pela 14ª Vara do Trabalho de São Paulo dos bens (fazenda, benfeitorias, imóveis, móveis e semoventes) foi deferida em 27 de agosto de 2008, enquanto o processamento da recuperação judicial foi deferido três meses depois, em 13 de novembro.

O Ministério Público do Trabalho havia recorrido de decisão do próprio STJ que, ao julgar o conflito de competência suscitado por Agropecuária Vale do Araguaia Ltda. (Fazenda Piratininga), declarou competente o juízo de Direito da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal (DF) para julgar as demandas contra a Vasp.

Na ocasião, os ministros da Segunda Seção seguiram o entendimento de que prevalece o juízo universal da recuperação judicial, devendo os valores em execução trabalhista, eventualmente já constritos, serem colocados à disposição do juízo de direito onde processado o plano de reabilitação da empresa.

No entanto, segundo o MPT, a adjudicação de imóvel, móveis e semoventes compreendidos no bem denominado Fazenda Piratininga foi deferida em 27/8/2008, data anterior ao deferimento do processamento da recuperação judicial, em 13/11/2008.

Ressaltou, ainda, que o prazo de 180 dias, previsto no artigo 6º da Lei n. 11.101/2005, se esgotou em 11/5/2008, "o que possibilita o prosseguimento da execução trabalhista independentemente de pronunciamento judicial".

O Sindicato Nacional dos Aeronautas, por sua vez, afirma que o deferimento da adjudicação representa "ato jurídico perfeito que não pode ser mais afetado por decisão posterior proferida pelo juízo da Recuperação Judicial".

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Informativo STJ 412 - Out/09

FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA.
A recorrente é massa falida de uma sociedade empresária que exercia a atividade de factoring, mas captava recursos de forma ilícita junto à população, dando em garantia apenas notas promissórias que sequer eram registradas em seus livros contábeis. Com lastro em uma dessas notas, a recorrida pretendeu a habilitação de crédito sob a égide do DL n. 7.661/1945. Porém, o art. 82 desse mesmo DL dispõe ser indispensável o credor do falido demonstrar a exata importância de seu crédito, bem como sua própria origem. Entende-se por origem do crédito o negócio, o fato ou as circunstâncias que geraram a obrigação do falido. Essa exigência tem por fim possibilitar a verificação da legitimidade dos créditos para evitar fraudes e abusos contra os verdadeiros credores da falida, não se tratando de mero formalismo. A jurisprudência do STJ entende imprescindível o cumprimento dessa exigência, mesmo nos casos em que título de crédito dotado de autonomia e abstração lastrear o valor pretendido. Dessa forma, a simples declaração de que o crédito é consubstanciado na nota promissória apresentada, tal como se deu no caso, não atende as exigências impostas ao credor na referida lei falimentar. Apesar da hipótese narrada nos autos, em que é notória a ocorrência de condutas ilícitas, a lei tem que ser respeitada, justamente para beneficiar aqueles que, comprovadamente e de boa-fé, contrataram com a falida. Precedentes citados: REsp 556.032-SP, DJ 20/9/2004; REsp 10.208-SP, DJ 28/10/1991, e REsp 18.995-SP, DJ 3/11/1992. REsp 890.518-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2009.
 
EXECUÇÃO INDIVIDUAL. FALÊNCIA. PENHORA.
A Turma decidiu que a nomeação extemporânea de bens à penhora, no juízo de execução individual, impede o prosseguimento do pedido de falência (art. 652 do CPC e art. 2º, I, da antiga Lei de Quebra, DL n. 7.661/1945). Com efeito, conforme a melhor exegese dos supracitados dispositivos legais, a falência não pode ser requerida antes do cumprimento do prazo processual para pagamento, o que não significa que, esgotado o prazo, impõe-se a decretação da falência de quem não se manteve de todo inerte na execução individual. Precedente citado: REsp 136.565-RS, DJ 14/6/1999. REsp 741.053-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/10/2009.
 
CONCORDATA SUSPENSIVA. FAZENDA PÚBLICA.
A Turma, por maioria, entendeu cabível a flexibilização da incidência do art. 191 do CTN com a concessão da concordata suspensiva, no caso de a empresa recorrida já ter quitado seus débitos trabalhistas, apresentando bom fluxo de caixa e situação patrimonial promissora suficientes para manter a atividade produtiva e viabilizar sua recuperação. Com efeito, uma vez concedida a concordata, a empresa continua a funcionar normalmente, podendo a Fazenda Nacional, na via executiva, proceder à cobrança dos créditos fiscais, com a prova de quitação dos tributos devidos. Ademais, o Fisco não está sujeito a eventual concurso de credores ou liquidação (art. 29 da Lei n. 6.830/1980). Precedente citado: REsp 614.005-SC, DJ 19/9/2005. REsp 723.082-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/10/2009.

As atribuições do Comitê de credores no processo de recuperação judicial

As atribuições do Comitê de credores no processo de recuperação judicial

Rodrigo da Fonseca Chauvet*

Fonte:
A Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (lei 11.101/2005 - clique aqui) atribuiu ao Comitê de Credores funções de grande importância nos processos de recuperação judicial, como a fiscalização do todos os personagens na recuperação, dentre os quais o administrador judicial e a (s) sociedade (s) em recuperação. Não obstante, disciplinou a criação, composição e extinção do órgão e tratou de diversos outros aspectos referentes ao Comitê adiante analisados.

Tratando inicialmente da instauração e composição do Comitê de Credores, disciplinou-se que será constituído por deliberação de quaisquer das classes de credores na Assembléia-Geral, quando ocorrerá a constituição do Comitê e a escolha de seus membros, valendo mencionar que também será deliberada na referida Assembléia, entre outras questões, a aprovação ou rejeição do Plano de Recuperação Judicial.

Conforme previsto no artigo 26 da lei 11.101/2005, o Comitê será composto por 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes, 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes e 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.1

Devem ser observadas as restrições previstas no artigo 30 da referida Lei, segundo as quais está impedido de integrar o Comitê aquele que, já tendo atuado membro de Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada. O impedimento atinge ainda quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. Vale mencionar que na escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores somente os respectivos membros poderão votar.

Registra-se que a instalação do Comitê é facultativa, devendo, em tese, existir apenas se a complexidade e o volume da massa falida justificarem a sua constituição2. Isso porque a instauração desnecessária do Comitê pode burocratizar e atrasar o andamento do processo de recuperação judicial.

Elucida-se que, se inexistente o Comitê, suas atribuições são exercidas, primordialmente, pelo administrador judicial ou pelo próprio juiz competente. Este atuará, inclusive, na fiscalização do administrador judicial, já que haveria incompatibilidade do exercício de tal função pelo próprio administrador.

Como anteriormente destacado, a principal função do Comitê é a de fiscalização3, seja em relação ao administrador judicial ou à sociedade em recuperação. Para o exercício da função de fiscal é permitido o acesso às dependências das empresas em recuperação, à escrituração e demais documentos relacionados à empresa em recuperação. Constatada eventual irregularidade, sobretudo ação ou omissão que se mostre contrária ao plano de recuperação judicial aprovado, deve o Comitê manifestar-se nos autos da recuperação judicial solicitando ao magistrado que adote as medidas que considere pertinentes à eliminação de atos contrários ao plano de recuperação judicial.

O Comitê deve apresentar ao juiz relatório mensal das atividades realizadas pela recuperanda, apontando falhas e irregularidades. Tal dever é de suma importância não apenas para que se apresente ao magistrado e credores todas as ações que possam gerar o fracasso da recuperação, mas também para livrar os membros do Comitê de eventual responsabilização por mau desempenho de suas funções, uma vez que responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa.

Nesse aspecto, há previsão legal de que o juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado, poderá determinar a destituição de quaisquer dos membros do Comitê quando verificar desobediência aos preceitos legais, descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou de terceiros.

Outra importante atribuição do Comitê é a de, até o encerramento da recuperação judicial, poder requerer a exclusão, outra classificação ou a retirada de qualquer crédito nos casos de descoberta de dolo, falsidade, simulação, fraude, erro, ou ainda documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro geral de credores.

Cabe ainda ao Comitê ajustar e aprovar os honorários de advogados eventualmente contratados para representar a massa falida em juízo, devendo se pronunciar quanto à venda ou oneração de bens ou direitos do ativo permanente do devedor após a distribuição do pedido de recuperação judicial.

Importante frisar que as decisões do Comitê, como órgão colegiado que é, são sempre tomadas pela maioria de seus membros, tendo direito a voto um único representante de cada classe. As decisões serão consignadas em livro de atas, rubricado pelo juízo, que ficará à disposição do administrador judicial, dos credores e do devedor. Caso não seja possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o impasse será resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo juiz.

Para fins de responsabilização, fica excluída a responsabilidade de membro do Comitê que for voto vencido em determinada deliberação contrária à lei ou prejudicial ao sucesso da recuperação, bem como ao interesse dos credores, desde que registrada em ata a sua discordância.

Em relação às despesas geradas com a instalação do Comitê, seus membros podem ser remunerados, ou não, de acordo com decisão obtida na Assembléia de Credores. Mister se destacar apenas que, se for decidido que os membros do Comitê serão remunerados, a lei 11.101/2005 prevê que tais custos não serão imputados ao devedor, que deverá arcar apenas com as despesas realizadas para a realização de atos previstos na Lei, se devidamente comprovadas e com a autorização do juiz.

Tem-se, portanto, que a remuneração dos membros do Comitê origina-se de recursos levantados pelos próprios credores. Buscou a legislação não onerar ainda mais as empresas em recuperação, não atribuindo a elas parte dos custos gerados pelo Comitê. Deve-se ter em mente que, na prática, em recuperações complexas, são elevados os custos com honorários do administrador judicial e de advogados, custos estes já suportados pelas recuperandas.

Tratando da dissolução do Comitê, este será desconstituído por determinação judicial, uma vez decretado, por sentença, após cumpridas as obrigações vencidas até dois anos depois da concessão do plano, o encerramento da recuperação judicial.

Portanto, diante de todo o exposto, verifica-se que o Comitê possui importantes atribuições previstas pela lei 11.101/2005, destacando-se o papel de grande fiscal das recuperações judiciais, mormente em recuperações judiciais complexas e que envolvam créditos significativos, onde estão em jogo interesses de diversos credores.

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1 Ressalva-se que, conforme previsto no artigo 26, §1º, da Lei nº 11.101/2005, a falta de indicação de representante por quaisquer das classes não prejudicará a constituição do Comitê, que poderá funcionar com número inferior ao previsto no caput deste artigo.

2 Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 5. Ed.,Editora, p.71.

3 Conforme artigo 27 da Lei nº 11.101/2005.

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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Os recebíveis na recuperação judicial

Os recebíveis na recuperação judicial
Fonte: Valor Econômico
Publicado por: Coped
Data do documento: 21/10/2009


Muito se tem discutido sobre o tratamento que deve ser dado ao crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis quando o devedor se encontra em processo de recuperação judicial. A Lei de Falências e Recuperação de Empresas prevê que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial estarão a ela submetidos. Foi feita uma exceção, porém, a determinados créditos que, por sua natureza, não devem se submeter à recuperação judicial. É o caso, por exemplo, dos créditos garantidos por propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, cujos credores podem exercer o direito de propriedade sobre o respectivo bem ainda que o devedor esteja em recuperação judicial. Os tribunais têm divergido quanto ao tratamento do tema.

Este texto busca apresentar os argumentos que têm sido utilizados pela jurisprudência para dar subsídio à inclusão ou exclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis da recuperação judicial (ou seja, se tal crédito teria o mesmo tratamento conferido ao crédito garantido por propriedade fiduciária), bem como identificar qual posicionamento tem atualmente prevalecido nos principais tribunais do país.

O principal argumento daqueles que defendem a inclusão do crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis - as chamadas "travas bancárias" - na recuperação judicial é que coisas incorpóreas, tais como direitos creditórios, não teriam sido expressamente excepcionadas pela Lei de Recuperação Judicial. Sustentam seu argumento no fato de o artigo 49, parágrafo 3º, da lei, excepcionar expressamente a propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis, mas nada dispor sobre a cessão fiduciária de bens incorpóreos como os recebíveis. Segundo essa corrente pró-devedor, caso o legislador pretendesse prever a cessão fiduciária de recebíveis no rol de exceções do artigo 49, parágrafo 3º, deveria tê-lo feito expressamente.

A jurisprudência pró-devedor sustenta ainda que a não submissão do cessionário fiduciário de recebíveis à recuperação judicial contrariaria princípios basilares da nova legislação, quais sejam os da preservação e função social da empresa. Segundo essa corrente, o exercício dos direitos conferidos pela cessão fiduciária de recebíveis pelo credor impossibilitaria a entrada de dinheiro na empresa, já que seria diretamente destinado ao banco cessionário. Os tribunais de Justiça do Espírito Santo e de Minas Gerais são exemplos dos que já adotaram esse posicionamento pró-devedor, determinando a inclusão dos créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis na recuperação judicial. Também há decisões da Justiça de primeira instância do Mato Grosso nesse mesmo sentido.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro utilizou recentemente outro argumento para também incluir os cessionários de recebíveis na recuperação judicial. Segundo o referido tribunal, a lei não permitiria cessão fiduciária de dinheiro, mas tão-somente de bem que possa ser vendido para pagamento ao credor. Dessa forma, descaracterizou a natureza jurídica da cessão fiduciária de recebíveis e a classificou como penhor, que, de acordo com aquele tribunal, seria o instituto que mais se aproximaria da real intenção das partes.

Outros tribunais adotam postura inversa, entendendo que os créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis não devem se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial exatamente por a Lei de Recuperação Judicial excluir os créditos garantidos por propriedade fiduciária de uma forma geral, não fazendo qualquer ressalva à cessão fiduciária de recebíveis. Tais tribunais entendem que, por ser a cessão fiduciária de recebíveis uma espécie pertencente ao gênero propriedade fiduciária, também estaria automaticamente excluída no artigo 49, parágrafo 3º, da referida lei. Esse entendimento já foi consolidado em São Paulo e no Paraná e começou mais recentemente a ser adotado pelo tribunal do Mato Grosso.

Para afastar o argumento de que os direitos creditórios em relação aos recebíveis não poderiam ser caracterizados como móveis ou imóveis, a jurisprudência pró-credor cita o artigo 83, incisos II e III, do Código Civil, que classifica os direitos como bens móveis.

O tribunal do Rio de Janeiro ainda não consolidou seu entendimento quanto ao tema. Apesar de existir decisão pró-devedor, o tribunal proferiu recente decisão pró-credor reconhecendo que o crédito garantido por cessão fiduciária de recebíveis não entra na recuperação judicial. O tribunal entendeu que, por mais que a exclusão desse crédito possa comprometer o capital de giro da empresa, não se deve desmerecer a proteção conferida pela LFRE à garantia fiduciária. Entendeu também que, especialmente em momentos de crise econômica como o atual, deve ser fomentada a utilização de mecanismos de crédito confiáveis, que atendam às exigências do mercado.

De uma forma geral, a atual jurisprudência pró-credor tem entendido que recebíveis são bens como qualquer outro e a eles se aplica a disciplina jurídica das coisas móveis. Dessa forma, tanto a propriedade fiduciária em garantia de coisas corpóreas quanto a cessão fiduciária de coisas incorpóreas teriam a mesma natureza jurídica, estando ambas imunes aos efeitos da recuperação judicial.

Outro argumento pró-credor é o parecer nº 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, segundo o qual a sujeição dessa garantia à recuperação judicial prejudicaria a expansão do crédito e a redução dos seus custos no Brasil, uma vez que os bancos só concedem créditos nessas condições partindo do pressuposto de que estão protegidos pela legislação. Em outras palavras, o legislador reconhece que a sujeição desses créditos aos efeitos da recuperação judicial acabaria, na prática, tornando sua concessão pelos bancos muito onerosa ou, até mesmo, inviável.

A questão deverá ser analisada pelo Superior Tribunal de Justiça em breve, mas a impressão que fica é de que ainda está longe de ser pacificada. São absolutamente assimétricas, como se vê , as decisões de alguns dos principais tribunais do país. De um lado Minas e Espírito Santo se postam ao lado de devedores. Paraná e São Paulo, por sua vez, acatam os argumentos dos credores. Até que tais divergências sejam completamente dirimidas, é recomendável que as instituições financeiras tomem cuidados adicionais ao conceder financiamentos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, sempre verificando o posicionamento do tribunal que seria competente para julgar um eventual pedido de recuperação judicial do devedor.

(Carla de Vasconcellos Crippa e Caio Campello de Menezes são, respectivamente, associada e responsável pela área do contencioso e arbitragem do Lefosse Advogados, escritório que atua no Brasil em cooperação com a banca internacional Linklaters) 

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A celeuma da "trava bancária" na recuperação judicial

A celeuma da "trava bancária" na recuperação judicial

Lucas Simões Cardoso de Oliveira*

O aperto de crédito ocorrido, mundialmente, somado as condições adversas do ambiente recessivo e as dificuldades inerentes ao "Custo Brasil" acabou por comprometer a solvência e solidez de inúmeras empresas que, por sua vez, buscaram no procedimento da recuperação judicial um alento para a reabilitação de suas organizações.

Cabe mencionar que um dos principais efeitos da recuperação judicial é a decretação de moratória frente aos credores pelo período de 180 dias, suspendendo-se todas as ações e execuções em trâmite contra a devedora-recuperanda. Essa disposição tem como objetivo, justamente, prover fôlego financeiro a atividade da devedora bem como prazo necessário para a estruturação e apresentação do plano de recuperação judicial – projeto de reorganização do negócio que estabelecerá as estratégias para superação da crise.


Fato é que o aumento expressivo do número de processos de recuperação judicial propiciou diversos debates acerca da recente legislação que regula a matéria, a lei 11.101/05 (clique aqui), conhecida por "Lei de Recuperação Judicial e Falência".

Dentre essas discussões, ganhou relevância uma operação de empréstimo, recentemente, utilizada de forma maciça por instituição financeira, justamente, com o objetivo de escapar aos efeitos da recuperação judicial: empréstimo via cédula de crédito bancário com garantia de cessão fiduciária de direitos creditórios.

A cédula de crédito bancário é um título de crédito – assim como cheque, nota promissória, duplicata, letra de câmbio, etc. -, emitido por pessoa física ou jurídica, que representa uma promessa de pagamento em dinheiro em benefício de instituição financeira.

Essa cártula está sujeita às regras gerais do direito cambiário, entretanto, possui determinadas especificidades que visam facilitar e agilizar o exercício do direito do crédito pelo credor bem como sua respectiva cobrança em Juízo.

O título de cédula de crédito bancário admite todas as formas de garantia. Uma dessas é a cessão fiduciária de direitos creditórios, através da qual a devedora e tomadora do empréstimo cede a titularidade de determinados créditos que possui para a instituição financeira, até a liquidação total do débito.

Em síntese, a instituição financeira empresta dinheiro à devedora, que, por sua vez, transfere a titularidade dos créditos que possui para a instituição financeira em garantia do negócio.

O "pulo do gato" de toda a operação está no artigo 49, parágrafo 3º, da "Lei de Recuperação Judicial e Falência", segundo o qual credores de propriedade fiduciária de bens móveis não estão sujeitos ao procedimento de recuperação judicial, prevalecendo seus direitos sobre o bem dado em garantia e as condições contratualmente previstas.

Ao contratar tal empréstimo, comumente fica estabelecido entre as partes que o valor emprestado, os créditos cedidos a título de garantia, bem como outros valores operados pela devedora, ficam todos depositados em conta sob a administração daquela instituição financeira.

Dessa maneira, aquele artigo referido, somado às condições contratadas, proporciona a malfadada "trava bancária" na recuperação judicial, que nada mais é que a indisponibilidade de valores da devedora que pleiteia os benefícios da recuperação judicial, em conta administrada pela instituição financeira.

A discussão travada nos Juízos correspondentes questiona o privilégio conferido às instituições financeiras, vez que às mesmas é possível expropriar imediatamente o patrimônio da devedora-recuperanda, quando todos os demais credores restam submetidos à moratória e têm de aguardar o desenrolar do plano de recuperação judicial para exercer seus direitos.

Fato que agrava ainda mais a situação é que a garantia dos direitos creditórios da devedora-recuperanda, usualmente, representa o resultado advindo de sua própria operação, ou seja, seu caixa. Isto quer dizer que, quando a instituição financeira toma aquela garantia como forma de pagamento, a atividade da devedora-recuperanda fica totalmente comprometida, pois aqueles valores que seriam destinados ao caixa da empresa, são apropriados imediatamente como forma de pagamento da dívida daquela única instituição financeira.

Tal privilégio tem contribuído sobremaneira para inúmeros fracassos no processo de recuperação judicial, representando um verdadeiro "tiro no pé" de toda a arquitetura jurídica elaborada a fim de viabilizar a superação da crise econômico-financeira da devedora-recuperanda.

Algumas decisões judiciais desafiaram a benesse conferida às instituições financeiras, arrematando que a mesma era incompatível com o prevalente interesse social da preservação da empresa.

Todavia, aos poucos, os Tribunais vêm consolidando o entendimento de que a "trava bancária" e a conseqüente expropriação da garantia da cessão fiduciária de direitos creditórios é legal e deve ser respeitada.

Portanto, diante desse cenário e enquanto prosperar esse posicionamento em nossos Tribunais, às empresas devedoras cumpre atentar para o fato, objetivando a melhor composição das garantias oferecidas, a renegociação com os Bancos de modo a substituir a garantia de cessão fiduciária de crédito – preferencialmente, antes da distribuição do pedido em Juízo -, a inclusão espontânea do crédito do Banco aos termos do plano de recuperação, e inclusive, em último caso, as corretas estimativas para a estruturação e execução do plano de recuperação judicial. De outro lado, ao empresariado credor cabe analisar de forma minuciosa o crédito conferido, suas garantias e seu risco, bem como, em último caso, considerar as formas jurídicas adequadas para enquadrar a qualidade do mesmo em situações privilegiadas pela "Lei de Recuperação Judicial e Falências", visando o melhor resgate possível, em termos de rapidez e quantidade, da parte que lhe cabe.

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*Advogado sócio do escritório Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

FALÊNCIA. EMPRESA AÉREA. DEPÓSITO ELISIVO.

FALÊNCIA. EMPRESA AÉREA. DEPÓSITO ELISIVO.
 
Ainda que previamente ajuizada ação anulatória do título que lastreia o pedido de falência, se inexiste depósito elisivo e não houve garantia do juízo, não há de se cogitar a suspensão do processo de falência, cuja natureza processual de execução coletiva, de cognição sumária, permite a aplicação analógica do art. 585, § 1º, do CPC. O procedimento estabelecido pelo DL n. 7.661/1945 previa, para a fase pré-falimentar, uma instrução sumária, própria das ações executórias, de sorte que, não havendo depósito elisivo e não sendo requerida a concessão do prazo previsto no art. 11, § 3º, do referido decreto, o Tribunal, após afastar os argumentos da defesa, podia de plano decretar a quebra. Não havia, no DL n. 7.661/1945, um único dispositivo que determinasse a intervenção do Ministério Público no processo pré-falimentar. A análise sistemática do art. 15, II, daquele mesmo decreto permite concluir que o Ministério Público somente deveria ter ciência do pedido de falência após a prolação da respectiva decisão de quebra. O art. 188 do Código Brasileiro de Aeronáutica veicula mera faculdade do Poder Público de intervir em empresas aéreas, faculdade que não poderia embaraçar a efetividade do DL n. 7.661/1945, que não impunha nenhum empecilho à decretação da falência de empresas aéreas. O contrato de confissão de dívida é título executivo, podendo executar-se a nota promissória a ele vinculado. Não havendo a criação de uma obrigação nova para substituir a antiga, não há de se falar em novação. Na sistemática do retrocitado DL, a nomeação do síndico faz parte do próprio conteúdo da declaração de falência. Nos termos do § 2º do art. 201 desse mesmo decreto, a falta ou demora da nomeação do fiscal não prejudica o andamento do processo da falência. Com esses fundamentos, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento aos recursos. REsp 867.128-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2009.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Súmula do STJ reconhece multa de sucumbência em execução fiscal contra a massa falida

Súmula do STJ reconhece multa de sucumbência em execução fiscal contra a massa falida

A 1ª seção do STJ aprovou súmula reconhecendo a imposição à massa falida, quando sucumbente em ação executiva fiscal, do percentual de 20% previsto no decreto-lei 1.025/69.

A questão foi julgada pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos (lei 11.672/2008 - clique aqui) diante do que dispõe o artigo 208, parágrafo 2º, da antiga Lei de Falências, segundo o qual "a massa não pagará custas a advogados dos credores e do falido".

Ambas as Turmas da Seção de Direito Público consolidaram o entendimento no sentido de reconhecer a exigibilidade do encargo devido, essencialmente, ao fato de o valor inscrito na norma corresponder à imposição de honorários, ônus que se atribui à massa falida subjetiva quando ela, litigando em juízo em defesa dos interesses dos credores, resta sucumbente.

O encargo, cuja cobrança teve a legitimidade e legalidade reconhecida pelas duas Turmas de Direito Público, está previsto no artigo 1º do DL 1.025/69, o qual se destina à cobertura das despesas realizadas no intuito de promover a apreciação dos tributos não-recolhidos.

O decreto-lei declarou extinta a participação de servidores públicos na cobrança da dívida ativa da União. Conforme várias decisões explicam, a partir da lei 7.711/88 (clique aqui), tal encargo deixou de ter a natureza exclusiva de honorários e passou a ser considerado, também, como espécie de remuneração das despesas com os atos judiciais para a propositura da execução, não sendo mero substituto da verba honorária.

No julgamento do recurso repetitivo (Resp 1110924 - clique aqui), o relator, ministro Benedito Gonçalves, destacou que para dirimir o debate, deve-se, primeiramente, esclarecer se o encargo imposto pelo artigo 1º do Decreto-Lei 1.025/69, cujo regime foi alterado pela lei 7.711/88, destina-se unicamente a substituir a condenação em honorários advocatícios. Esse artigo refere-se aos artigos 21 da lei 4.439, de 27 de outubro de 1964, e 1º, inciso II, da lei 5.421, de 25 de abril de 1968 (clique aqui), cujo exame, afirma o ministro, evidencia que o encargo em questão, incluído na certidão de dívida ativa, inicialmente, tinha como finalidade apenas a substituição da condenação em honorários advocatícios daqueles que figuravam no polo passivo das execuções fiscais.

O ministro esclarece que, com a entrada em vigor da lei 7.711/88, foi criado o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, para o qual, nos termos do artigo 4º da mesma lei, devem ser destinados, entre outros, o encargo de 20% previsto no decreto-lei 1.025/69. "Os recursos que compõem tal Fundo são destinados a custear as despesas referentes ao "programa de trabalho de incentivo à arrecadação da dívida ativa da União, previsto pelo artigo 3º da já mencionada lei 7.711/88", afirma.

Diante disso, foi determinado pelo colegiado sumular o assunto. A Súmula, que recebeu o número 400, ficou com a seguinte redação: "O encargo de 20% previsto no DL 1.025/1969 é exigível na execução fiscal proposta contra a massa falida".

  • Processos Relacionados :

EResp 448115 - clique aqui.

EREsp 637943 - clique aqui.

EREsp 466301 - clique aqui.

EREsp 668253 - clique aqui.

REsp 1110924 - clique aqui.

REsp 1006243 - clique aqui.

REsp 641610 - clique aqui.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Decisões judiciais na recuperação de empresas

Decisões judiciais na recuperação de empresas
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 02/10/2009


A atual crise econômica fez crescer não apenas o número de empresas que se socorrem da recuperação judicial, mas também o porte médio dessas empresas, considerado o patrimônio, faturamento e endividamento.

Por conta das características dessa crise, as empresas exportadoras de commodities são as que até este momento parecem ter enfrentado as maiores dificuldades, devido ao elevado endividamento em moeda estrangeira, forte oscilação de preços e escassez de crédito para o financiamento de capital giro. Para algumas dessas empresas, a recuperação judicial passou a ser a única alternativa de sobrevivência à crise.

No entanto, o que parece não estar claro para a maioria das empresas em recuperação, seus administradores, e por que não dizer, seus assessores, é o fato de que, superada a crise momentânea, as bases para a manutenção de suas atividades, no longo prazo e em condições normais, continuarão, como não poderia deixar de ser, exatamente as mesmas: mercado e crédito.

O mercado, em regra (e de preferência), não está sujeito à influência de uma empresa, de seus credores ou de outros atores envolvidos com a recuperação judicial. Mas o crédito, este sim, está diretamente sujeito a essas influências, pois como todos sabem, tem sua disponibilidade e custo intimamente relacionados ao fator risco.

Ocorre que a recuperação judicial, instituto jurídico cujo mérito propalado quando de sua criação foi justamente a redução dos spreads bancários, por conferir maior segurança jurídica aos credores, incoerentemente tem revelado algumas incertezas de graves consequências. Isso porque as garantias aos financiamentos concedidos - instrumentos de redução de riscos e por consequência dos juros - estão sob ameaça na recuperação judicial. E o pior, por absoluta negativa de vigência a dispositivos legais expressos.

Infelizmente, não têm sido raras as decisões de primeira instância no sentido de autorizar a alienação de bens dados em garantia, sob a justificativa de necessidade de recomposição de capital de giro para a manutenção da atividade empresarial, ignorando, assim, a prerrogativa legal expressamente conferida no parágrafo primeiro do artigo 50 da Lei de Recuperação e Falência, cujo teor determina que apenas o credor pode autorizar a alienação, supressão ou substituição de suas garantias.

Sem atacar a nobreza dos fins, fato é que a dificuldade financeira jamais serviu de justificativa ou razão para a transgressão de direitos ou para a prática de atos ilícitos, pois, diferentemente, estaria instaurado o caos social - a segurança jurídica é reconhecidamente um dos pilares do estado democrático de direito.

Se o estado democrático de direito parece um tema interessante apenas aos jurisconsultos de plantão, fato é que a segurança jurídica de cada país é fator determinante e fundamental para que os investidores determinem seus mercados e os juros que serão cobrados em cada um deles.

Como se não bastasse, contrariando inclusive os interesses das próprias empresas em recuperação, agora há um movimento no sentido de se estender a proteção legalmente prevista apenas às empresas em dificuldade aos seus avalistas, coobrigados e fiadores - em regra os próprios controladores da empresa em recuperação. Vale ressaltar que o artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência é expresso no sentido de que durante a recuperação judicial os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência).

Especialmente no caso de aval prestado pelos controladores das empresas, que na prática tem sido o exemplo mais recorrente, a extensão da proteção aos avalistas fere o princípio da autonomia e da independência da garantia, já consagrado pela Lei Uniforme de Genebra.

Neste caso, além da insegurança jurídica lançada sobre as garantias fidejussórias concedidas para os empréstimos, há o agravante do desvio da finalidade da recuperação judicial - que passará a servir não mais para a preservação da atividade da empresa, mas para a preservação do patrimônio de seus controladores, em flagrante e inaceitável desvirtuamento ao artigo 47 da Lei de Recuperação e Falência. Esta pretensão, inclusive, contraria um dos princípios fundamentais da Lei de Recuperação e Falência, qual seja, o da necessária separação entre empresa e empresário, e revela, no mínimo, um claro sintoma de confusão de interesses.

Ou seja, a ampliação dos efeitos da recuperação judicial para os coobrigados de todo gênero não traz nenhum benefício para as empresas em recuperação ou para a sociedade em geral, e esse movimento serve, portanto, para o benefício particular dos controladores, em prejuízo exclusivo dos credores - e por que não dizer do próprio sistema financeiro - o que não pode ser aceito pelo Poder Judiciário.

Felizmente, como se pode depreender de diversos precedentes dos Tribunais paulista (recursos 7.361.654-3, 7.377.961-0 e 7.342.554-6, dentre outros), gaúcho (recursos 70030304455, 70028119014, dentre outros) e mineiro (recurso 1.0024.06.074557-7/001), os tribunais brasileiros vêm mantendo um posicionamento coerente com o texto legal, protegendo as garantias reais prestadas aos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial e permitindo a manutenção das ações contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso da empresa em recuperação judicial -- muito embora existam ainda exemplos contrários.

Em apertada conclusão, tanto a transgressão dos direitos dos credores detentores de direitos reais quanto a violação das garantias fidejussórias (pessoais) com vistas à proteção patrimonial dos controladores, além de ilegais, são medidas imediatistas que podem culminar em retração (ainda maior) do crédito e aumento das taxas de juros, o que impacta negativamente não apenas na atividade de uma empresa, mas a economia nacional em sentido amplo.

(Fábio Pascual Zuanon é advogado sócio do escritório Ramos e Zuanon Advogados)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Produtor rural e recuperação judicial

Migalhas de hoje - Produtor rural e recuperação judicial

"Questão espinhosa e que tem sido tratada muito pouco pela doutrina e amiúde pela jurisprudência se apega à aplicação do instituto da recuperação judicial ao produtor rural (Migalhas 2.235 - 28/9/09 - clique aqui). Com efeito, a disciplina da lei 11.101/05 exige requisitos de forma e de fundo para o predicado do requerimento, dentro os quais o registro e o exercício da atividade empresarial. Não podemos deslembrar da grave situação instaurada no campo, e que afeta de forma universal a todos, com a redução drástica dos preços das commodities, e da implacável falta de políticas públicas repousando em financiamentos consentâneos com a safra. Entretanto, para melhor digressão a respeito do tema, cuja posição final será do STJ, cabe destacar que a maioria dos produtores está organizada em sociedades familiares e assim exploram seus negócios, com o propósito de lucro. Há no Brasil cooperativas que tem referida nomenclatura, mas com o emblema de sociedades anônimas fechadas. A regra do artigo 971 do Código Civil dita que feito o registro do empresário rural está equiparado ao empresário comum. Bem nessa dicção soa correto, num primeiro momento, entender que o efeito do registro é automático e confere ao empresário rural a capacidade postulatória recuperacional. Mas não basta. Deve comprovar o exercício efetivo e demonstrar que a sua atividade atende aos reclamos legais, e acima de tudo participar elaboração de plano que seja concatenado com o passivo e a expectativa de pagamento dos credores. De rigor, não se descarta que a pessoa física esteja imune a recuperação, ou que a ela não faça jus, quando tenha o timbre de empresário rural. A dificuldade maior diz respeito aos créditos e financiamentos públicos em carteira e uma visão um tanto quanto míope do governo de abrir precedentes. De qualquer forma, no agronegócio globalizado e com a customização dos serviços e precificação dos produtos, não se pode alijar o empresário rural do instituto da recuperação, mas com uma visão pontual e com regramento específico, a fim de que, decidida a blindagem, dela não se valham apenas e tão somente para arregimentar eventual futura anistia ou dissipação dos lucros. Em síntese, não vemos contradição encerrada na recuperação do empresário rural, individual ou societariamente, mas a conjugação de esforços que permitam demonstrar a boa-fé organizacional e o espírito de recuperação que não tem color de insolvência do CPC." Carlos Henrique Abrão

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

FALÊNCIA. PROTESTO ESPECIAL.

FALÊNCIA. PROTESTO ESPECIAL.
É cediço que a tentativa de notificação do protesto deve ser feita pessoalmente no endereço fornecido pelo apresentante e, para o caso de futuro requerimento de falência, deve constar a identificação de quem recebeu a intimação (Súm. n. 361-STJ). No caso dos autos, houve a recusa do recebimento de intimação no endereço fornecido, mas não houve a intimação por edital, tal como nesses casos apregoa expressamente o art. 15 da Lei n. 9.492/1997. Dessa forma, aponta o Min. Relator que, como não consta do instrumento de protesto a individualização de quem se recusou a assinar a carta registrada, é inviável reputar o protesto realizado como credenciado a amparar o pedido de falência e, ainda, diante da falta da intimação editalícia, também é forçoso reconhecer que, sem o protesto especial, assiste razão nesse ponto ao recorrente. Ademais, explica que o pedido de falência deve demonstrar que o devedor ostenta alguns sinais indicativos de insolvência previstos na legislação falimentar, pois a falência não pode ser tomada como simples ação de cobrança. Por outro lado, o Min. Relator observou ser incensurável a decisão a quo que reputou como irrelevante o fato de a empresa credora requerer a falência apresentando apenas uma das 4 duplicatas (no valor de R$ 16.583,79) constitutivas da dívida, visto que poderá ser feita a investigação de sinais indicativos de falência pelo julgador, após o decote de eventual excesso no valor inadimplido, portanto não há iliquidez nessa hipótese. Ainda ressaltou que, se o devedor optar por afastar o pleito falimentar, poderá promover o depósito do valor que entender devido e questionar a quantia excedente (art. 98, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005). Isso posto, a Turma conheceu em parte o recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento. REsp 1.052.495-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 8/9/2009.

STJ. FALÊNCIA. CRÉDITO TRABALHISTA. horas extras. multa. verbas salariais

FALÊNCIA. CRÉDITO TRABALHISTA.
Para o Min. Relator, o Tribunal a quo, ao decidir que as verbas indenizatórias, como multa e horas extras, não possuem natureza salarial, portanto devem ser classificadas como crédito privilegiado no quadro geral dos credores no processo de falência e não como crédito prioritário trabalhista violou o art. 449, § 1º, da CLT, pois o caput do citado dispositivo fala em direitos sem quaisquer restrições a envolver verbas salariais e indenizatórias. Observa, no entanto, a título ilustrativo, por não se aplicar ao caso dos autos, que, na legislação de falência em vigor (Lei n. 11.101/2005), o crédito trabalhista subsiste com privilégio sobre todos os demais créditos, porém limitado a 150 salários mínimos, o que exceder esse valor é crédito quirografário sem qualquer preferência, só se situando acima dos créditos subordinados subquirografários instituídos pela nova legislação. Isso posto, a Turma conheceu o recurso para determinar a inclusão das verbas indenizatórias como crédito prioritário trabalhista no processo falimentar. Precedente citado: REsp 702.940-SP, DJ 12/12/2005. REsp 1.051.590-GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 8/9/2009.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

link do processo da varig no TJRJ

http://srv85.tj.rj.gov.br/consultaProcessoWebV2/consultaProc.do?v=2&FLAGNOME=&back=1&tipoConsulta=publica&numProcesso=2005.001.072887-7

Juiz encerra processo de recuperação judicial da Varig

Encerramento

TJ/RJ - Juiz encerra processo de recuperação judicial da Varig

O juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª vara Empresarial do Rio, decretou o encerramento do processo de recuperação judicial da Viação Área Riograndense (Varig), da Rio Sul Linhas Aéreas e da Nordeste Linhas Aéreas. Para ele, o plano foi cumprido, durante os dois anos de prazos e obrigações. Ele determinou que, em 15 dias, seja apresentado pelo administrador judicial o relatório circunstanciado referente à execução do plano de recuperação. Foi aberto também prazo de 30 dias para a apresentação da prestação de contas, devendo ser efetuado o pagamento do saldo remanescente, se houver capacidade.

Segundo ainda o magistrado, na decisão, foi exonerado o administrador judicial do encargo da função, a partir da publicação da sentença, datada de 1º de setembro. Foi concedido prazo de dez dias para transição da gestão da empresa, devendo a sua administração retornar aos antigos gestores.

Pedido de recuperação judicial

A Varig, a Rio Sul e a Nordeste entraram com pedido de recuperação judicial em 17 de junho de 2005, alegando que apresentavam dificuldades financeiras, sendo necessária sua reorganização, com a preservação de empregos direitos e indiretos, além dos direitos dos vários credores e usuários de seus serviços . O lucro operacional do grupo no primeiro trimestre daquele ano tinha sido de R$ 157 milhões.

O processo começou com documentação nos volumes 1 a 4, com relação nominal dos credores de Varig, Rio Sul e Nordeste, relação integral dos empregados das empresas e relação dos bens particulares dos administradores das empresas e da sua acionista controladora. Durante os dois anos de recuperação foram nomeados a empresa Exato Assessoria Contábil e o administrador judicial. Houve também decisão determinando a convocação da Assembléia de Credores para a constituição do Comitê de Credores e a publicação de edital marcando a assembléia para 24 de setembro de 2005, ocasião em que foi apresentado o plano de recuperação. Dois meses depois, houve a substituição do administrador judicial pela Deloitte Touche Tohmatsu Consultores.

Em 15 de dezembro de 2005, outra decisão afastou o acionista controlador da ingerência administrativa das empresas em recuperação. O plano de recuperação foi aprovado no dia 19 e, em 28 de dezembro, foi concedida a recuperação judicial, chegando os autos a 205 volumes. Com encerramento da recuperação o acionista controlador retoma o assento na companhia, cabendo ao juízo da 1ª Vara Empresarial monitorar a execução do plano de recuperação, que foi aprovado por todos os credores. Aguarda-se, ao final, a definição sobre as ações que tramitam nos tribunais superiores que poderão resultar em injeção de recursos à empresa Flex e, com isto, cumprir o plano com o pagamento de diversos credores.

A Varig é uma companhia aérea brasileira fundada em 7 de maio de 1927, em Porto Alegre. Sua parte estrutural e financeira foi comprada primeiramente pela Varig Log, tornando-se a VRG Linhas Aéreas S.A., e em seguida, pela Gol Transportes Aéreos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO.

 
A Seção, ao prosseguir o julgamento, reiterou seu entendimento de que não há conflito de competência quando a Justiça Trabalhista desconsidera a personalidade jurídica da empresa devedora cuja recuperação judicial tramita na Justiça comum. Tal regra deve ser excepcionada somente quando o juízo universal estender aos mesmos bens e pessoas os efeitos da recuperação, quando cabível. AgRg no CC 99.582-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 26/8/2009.
 
[Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - Nº 0404]

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Empréstimo bancário de empresa é incluído em recuperação judicial

São Paulo, 17 de agosto de 2009

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

Empréstimo bancário de empresa é incluído em recuperação judicial


Ainda que em poucos casos, algumas empresas em recuperação judicial têm conseguido incluir empréstimos bancários classificados como cessão fiduciária em seus planos de recuperação. Em uma decisão recente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) aceitou o argumento da E.E.C.I. e E. de I. e desfez o que se chama no mercado de "trava bancária" -- mecanismo batizado com esse nome por, na prática, autorizar o banco a sacar os valores de recebíveis diretamente da conta corrente do cliente, evitando a inadimplência.

Os tribunais de Justiça do Espírito Santo e do Mato Grosso também têm seguido esse mesmo caminho e incluído esses contratos de cessão fiduciária nos créditos sujeitos à recuperação judicial. Porém, tribunais de peso, como o de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná têm sido predominantemente favoráveis aos bancos, que continuam com a posse dos recebíveis depositados.

Na decisão da 6ª Câmara Cível do TJMG, os desembargadores entenderam, por unanimidade, que o B.I. não comprovou que os valores depositados na conta corrente da E., em recuperação judicial, se referem à cessão fiduciária. Por isso, afastaram a possibilidade de retirar esses créditos a receber do processo de recuperação. O foco das discussões está nos empréstimos concedidos e classificados como cessão fiduciária de direitos creditórios e cuja garantia são os recebíveis das empresas.

No entanto, ainda que fosse comprovada a cessão fiduciária, o relator, desembargador Maurício Barros, ressalta que isso deveria, de qualquer forma, entrar no roll de credores da empresa. Entendimento que foi seguido pelos demais magistrados. O Itaú já ingressou com embargos de declaração no tribunal contra a decisão.

De acordo com o relator, "a cessão fiduciária de títulos não se encontra na exceção prevista no parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Falências". Esse artigo exclui da recuperação o proprietário fiduciário de bens móveis e imóveis. No entanto, o desembargador entendeu que esses títulos são bens móveis imateriais, que não estariam englobados no artigo. Isso porque, segundo ele, quando o artigo estabelece que não é permitida a retirada de bens essenciais à atividade empresarial do devedor durante o prazo legal de suspensão, demonstra estar se referindo a bens móveis materiais em todo o contexto do dispositivo legal.

Esse tipo de entendimento, no entanto, não tem sido comum nos tribunais estaduais. Em geral, os casos favoráveis às empresas ocorrem porque há falhas no registro do contrato de cessão fiduciária. Para o advogado da empresa, Luiz Alberto Leschkau, "a decisão está em total consonância com o princípio geral da Lei de Falências de preservação da empresa, uma vez que esses resgates de valores feitos pelos bancos das contas de empresas em recuperação acabam por inviabilizar suas atividades".

O advogado Julio Mandel, do Mandel Advocacia, também concorda que esse artifício criado pelos bancos, ao passar a chamar suas garantias de cessão fiduciária em lugar de caução de títulos, retira a possibilidade de a empresa reerguer-se. "Cria-se um desequilíbrio de forças que faz com que a recuperação judicial volte a ser, no futuro, como a antiga concordata e se perca toda a modernidade e eficácia".

Já para o advogado Luiz Roberto de Assis, do Levy e Salomão Advogados, que assessora instituições financeiras, a decisão do TJMG não seria a mais acertada. Segundo ele, o artigo 49 da Lei de Falências menciona que estaria excluído da recuperação o proprietário fiduciário de bens móveis e imóveis, sem fazer a distinção realizada pelo desembargador com relação a bens materiais ou imateriais.

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa do Itaú não retornou até o fechamento dessa reportagem.

Adriana Aguiar , de São Paulo  

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A recuperação judicial da General Motors

A recuperação judicial da General Motors
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 05/08/2009


A crise da GM parecia insolúvel. A companhia, que chegou a ser responsável pela venda de metade dos carros nos Estados Unidos e empregou, nos seus vários seguimentos, a quantidade de pessoas correspondente à população dos Estados de Nevada e Delaware juntos, e ainda era vista como modelo de gestão, estava finalmente à beira do abismo. Por se confundir com a era de ouro do capitalismo americano, sua débâcle parecia simbolizar a crise da própria hegemonia da economia dos Estados Unidos.

Após 40 anos perdendo mercado, a GM mantinha um perfil cada vez mais distante do modelo de eficiência de produção automobilística mundial. Além de oferecer benefícios para seus empregados e pensionistas fora dos padrões de mercado, a GM ainda continuava produzindo várias marcas de automóveis, sendo que muitas delas eram deficitárias. Por todas as suas peculiaridades, a indústria americana era jurássica se comparada com as montadoras asiáticas, especialmente a Toyota e a Honda. Enquanto a montadora americana continuava fabricando oito marcas de veículos (Cadillac, Buick, Pontiac, Chevrolet, Saab, GMC, Saturn e Hummer), a Toyota, com quase o mesmo percentual de mercado, mantinha apenas três marcas em produção, e a Honda somente duas.

Como resultado dessa realidade, a GM precisava, com urgência, reduzir custos, fechando 14 fábricas, encerrando 29 mil postos de trabalhos e milhares de concessionárias. O número de distribuidores de automóveis era um problema gravíssimo da montadora americana. Enquanto a GM mantinha uma rede gigantesca, de cerca de 7.000 distribuidores, a Toyota tinha apenas 1.500 e a Honda, cerca de 1.000 distribuidores. Mesmo ciente da necessidade de reduzir o número de distribuidores, a GM enfrentava um obstáculo legal, pois sabia que as concessionárias estavam protegidas por leis estaduais que lhes garantiam a permanência de seus contratos com a montadora.

A solução para rever os contratos com as distribuidoras seria através do ajuizamento de um pedido de reorganização, através do chamado "Chapter 11" da Lei de Falências americana, que afastaria a proteção das leis estaduais em relação aos distribuidores. Da mesma forma, os contratos de trabalho e os direitos dos pensionistas poderiam também ser modificados. Enfim, a proteção judicial da reorganização era o único caminho para enxugar a companhia, que havia perdido mais de US$ 80 bilhões nas últimas décadas. Além disso, esse sistema legal permitiria a segregação de ativos, sem que ficassem contaminados com o passivo anterior, criando uma nova montadora que não fosse a sucessora universal de todas as obrigações da velha companhia.

Mas faltava algo essencial para essa fórmula funcionar: dinheiro novo. Apesar do lobby fortíssimo, o governo relutava em oferecer ajuda, com receio de que não resolvesse o problema e ainda tornasse a empresa mais vulnerável à competição externa. Mas a GM gerava tantos empregos, direta e indiretamente, e a indústria automobilística estava tão arraigada na sociedade americana que o governo sentiu-se na obrigação de ajudá-la. Por isso, o governo Obama, além da ajuda anterior de US$ 19 bilhões, injetou mais de US$ 30 bilhões para assegurar a viabilidade da nova montadora (General Motors Company (GMC), que produziria apenas as marcas Chevrolet, Cadillac, GMC e Buick.

Assim, com um aporte de US$ 50 bilhões, foi possível à GM reduzir dívidas, cessar a produção de marcas que não eram competitivas (Hummer, Pontiac etc.) e, principalmente, diminuir em cerca de 40% sua rede de distribuidores. Com esse novo perfil, espera-se que a montadora americana volte a ser competitiva, principalmente em relação às montadoras asiáticas. Além de disputar mercado com as empresas japonesas e coreanas, a crise da indústria automobilística americana está acelerando a transferência de parte desse setor para os mercados emergentes, com destaque para a China.

Essa boa notícia da recuperação da GM foi bastante festejada pelo mercado, e também pela Casa Branca, destacando-se o fato de que o processo judicial foi concluído em apenas 40 dias. Todavia, essa solução beneficiou apenas a montadora, deixando centenas de concessionárias da velha GM à beira da insolvência. Assim, parece que vamos assistir a uma nova batalha das distribuidoras da antiga GM, para obter ajuda do governo americano, tal como ocorreu com a GM e a Chrysler.

Em artigo publicado em 14 de julho em sua página na internet (www.professorbainbridge.com), o professor Stephen M. Bainbridge lembrou que essa batalha já começou, pois as concessionárias de automóveis americanas já estão pressionando o Congresso americano a aprovar uma ajuda financeira - a "Automobile Dealers Economic Rights Restoration Act" -, sem a qual a recuperação dessa parte do setor automobilístico não será possível. As antigas distribuidoras da GM e da Chrysler somam mais de 3.300. Em síntese, tudo leva a crer que os distribuidores de automóveis americanos necessitarão da proteção do Chapter 11 da Lei de Falências americana. Falta apenas combinar com o governo americano para injetar mais dinheiro novo. É o que veremos nos próximos meses.

(Paulo Penalva Santos e Otto Eduardo Fonseca Lobo são advogados no Rio de Janeiro e em São Paulo e sócios do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Advogado americano - lei brasileira vs. lei americana

Introdução

Uma das características recentes da chamada "nova economia" é a tendência crescente de suas empresas se tornarem insolventes. Os diferentes países tratam das empresas insolventes de maneiras diferentes. Os Estados Unidos tratam das empresas insolventes através da "reorganização falimentar", nos termos do capítulo 11 da sua Lei de Falências. O Capítulo 11 é diferente do modelo usado no resto do mundo. O resto do mundo baseia-se em uma combinação de congelamento voluntário (ou involuntário), ou moratória do prazo de pagamento dos débitos, e a subseqüente venda da empresa se a moratória se mostrar inadequada para resolver os seus problemas (o modelo "moratória-ou-venda"). Embora o Capítulo 11 imponha moratória durante o processo falimentar, ele também minimiza as necessidades de caixa do insolvente mediante a conversão de suas dívidas em participação no capital. Além disso, ajuda a empresa insolvente mediante a conversão de algumas de suas obrigações continuadas ou "heranças" (e que sem essa providência permaneceriam assim), em dívidas, que podem ser convertidas em capital.

Neste artigo, sustento que o Capítulo 11, juntamente com os mercados à disposição do público, oferece um meio melhor para salvar certas empresas da "nova economia" do que o modelo moratória-ou-venda. Concluo que a comparação do Capítulo 11 com o modelo moratória-ou-venda, e a compreensão de como cada um deles trata da dívida, capital e heranças, ilustra como terceiros potencialmente parasitas podem colocar em perigo a empresa, mediante a imposição, ao processo, de custos desnecessários e muitas vezes fatais. No Capítulo 11, esses terceiros potencialmente parasitas são "administradores" - os executivos, advogados e outros profissionais envolvidos com o processo falimentar nos termos do Capítulo 11. No modelo moratória-ou-venda, os terceiros parasitas são políticos.

Definindo os termos

O tema da conferência é a "nova economia" e suas implicações na vida cotidiana. Para fins deste documento, a nova economia significa aquelas empresas ligadas a novos métodos de processamento e transmissão da informação, incluindo fabricantes de computadores, empresas de criação de software, empresas de telecomunicações e empresas da Internet. As empresas acima tendem a compartilhar certas características importantes para os fins desse documento. Em primeiro lugar, as empresas da "nova economia" geralmente exigem grandes investimentos de capital, em instalações e equipamentos, em tecnologia ou marketing. Os investimentos de capital vêm em dois sabores, dívida ou capital, que examinarei mais abaixo.

Em segundo lugar, o sucesso ou fracasso de uma empresa da "nova economia" parece depender mais da sua capacidade de conhecer (ou vender) algo "novo" e menos em fatores cíclicos do mercado ou da economia. O "novo" produto ou serviço poderá ter sucesso porque é melhor - mais desejável e mais barato que um produto ou serviço existente. Uma recessão cíclica pode retardar a substituição do produto ou serviço inferior existente pelo novo produto ou serviço, mas não deve diminuir a demanda. Um exemplo desse fenômeno é a substituição da máquina de escrever, da copiadora e do fax pelo processador de texto, pela impressora digital e pelo e-mail. Uma outra razão para o sucesso do novo produto ou serviço é que os compradores desse produto ou serviço convenceram-se de que precisam ter essa "nova" coisa - ela, em certo sentido, vicia. Exemplos desse fenômeno incluem o telefone celular e provedores de serviços de Internet como a America On Line.

A palavra "insolvente" é mais interessante. Para os fins deste documento, as empresas insolventes se dividem em duas categorias. A primeira é bem conhecida da legislação americana: uma empresa insolvente é aquela que não consegue pagar o que deve. As empresas de telecomunicações muitas vezes pertencem a essa categoria. Essas empresas investem pesadamente em infra-estrutura - infra-estrutura tangível como equipamentos de cabos de fibra ótica, torres de transmissão em terra ou satélites no ar, ou infra-estrutura intangível como direitos de transmissão em uma faixa de freqüência ou "direitos inalienáveis de uso" de linhas telefônicas de longa distância. Muitas vezes, as empresas de telecomunicações financiam seus investimentos mediante a tomada de empréstimos. O ônus de amortizar essa dívida é, em geral, a principal causa da insolvência entre essas empresas, porque a maioria das empresas de telecomunicações não pode cobrar por seus serviços mais do que o custo marginal de ofertar esses serviços. O custo marginal de um telefonema ou transmissão de dados adicional é praticamente zero. É o custo de capital para instalar a rede que leva as empresas à falência.

Esse tipo de empresa pode beneficiar-se com a "reorganização falimentar". Eu defino "reorganização falimentar" como o misto de processo jurídico e empresarial através do qual empresas insolventes tratam de suas necessidades de caixa.

O segundo tipo de empresa insolvente é aquela que não pode pagar pelas suas necessidades. A uma empresa assim falta dinheiro não apenas para pagar o que deve, mas também para continuar funcionando. A maioria das empresas da Internet, se é que podem ser chamadas de "empresas", pertencem a essa categoria. Muitas delas não parecem ser muito mais do que campanhas publicitárias, com um volume enorme de recursos gastos com marketing, relativamente pouco utilizado para prover o serviço e nenhuma atenção dedicada a fazer a receita marginal ser superior ao custo marginal. Às vezes alguma legislação governamental cria esse problema para empresas de verdade, tais como as empresas de energia elétrica da Califórnia, que foram proibidas de cobrar preços de mercado pela eletricidade, ao mesmo tempo em que tinham de pagar preços de mercado para comprá-la. Esse tipo de "empresa" se beneficia pouco ou nada com a reorganização falimentar, salvo se sua dificuldade de pagar pelo que necessita for temporária - talvez devido ao seu esforço em vão de pagar o que deve.

Na maior parte do mundo, as empresas insolventes têm duas alternativas. Ou seus credores abstêm-se de receber seus créditos pelo tempo que for necessário, ou os ativos da empresa são vendidos a um novo proprietário, livre de dívidas antigas, e a empresa, como pessoa jurídica independente, deixa de existir. Nos Estados Unidos, a "reorganização falimentar" é disciplinada pelo Capítulo 11 e significa algo bem diferente. Significa a conversão das dívidas da empresa em participação no capital - ou seja, a empresa é aliviada de parte ou de toda a sua dívida, seus credores tornam-se acionistas e seus acionistas são diluídos ou eliminados. A empresa continua funcionando. As administrações tradicionais tendem a gerir seu negócio através dos procedimentos do Capítulo 11, e às vezes vão além. A conversão de dívida em capital é chamada de "reorganização", e explica o título deste artigo.

Uma comparação entre o Capítulo 11 e o modelo moratória-ou-venda exige uma discussão preliminar sobre as expressões apresentadas acima: dívida, capital e "heranças".

"Dívida" é uma obrigação da empresa de pagar um valor determinado - nem mais, nem menos - às vezes com juros. Um credor poder forçar o pagamento do que lhe é devido por meios legais ou outros, incluindo a tomada física dos ativos da empresa e a venda daqueles bens para fazer caixa. O valor de um débito depende de três fatores: a data de vencimento da dívida, os juros devidos sobre a dívida e a probabilidade de liquidação da dívida. Nos Estados Unidos, a maioria das dívidas (nem todas) pode ser transferida, e as dívidas que são publicamente negociadas valem mais que aquelas que não são. Entretanto, cabe ressaltar que a vendabilidade de uma dívida aumenta de importância à medida que aumentam o prazo de vencimento, a variabilidade da taxa de juros e o risco do crédito. Em um extremo, os Estados Unidos têm vendido a indivíduos títulos de poupança de longo prazo, não-transferíveis, de taxa de juros flutuante, e a falta de mercado para esses títulos praticamente não afeta o seu valor. No outro extremo, o valor de um título de longo prazo, de taxa de juros fixa, emitido mediante um crédito de alto risco, será descontado caso não seja possível vendê-lo em um mercado líquido. A verdade dessa observação pode ser vista no desenvolvimento histórico dos mercados creditícios dos Estados Unidos. Créditos de curto prazo eram geralmente obtidos de bancos cujos empréstimos eram relativamente ilíquidos ; o crédito de longo prazo era tradicionalmente fornecido pelo mercado, público e líquido, de títulos de dívida.

"Capital" é a propriedade do negócio e geralmente implica no direito de dirigir suas operações e retirar da empresa valores acima do montante das dívidas. O valor do capital não depende apenas do valor líquido do empreendimento, mas da capacidade do detentor do capital de realizar o seu valor, quer através do recebimento de dividendos, ou mediante a venda da empresa ou do próprio capital. A capacidade de vender o capital em si é importante para o valor de qualquer participação minoritária no capital, porque, ao contrário da dívida, ao capital não está vinculado o direito legal de distribuição de dinheiros. Se o capital minoritário não puder ser transferido, os investidores americanos aplicam um desconto de 30% ao seu valor.

"Heranças", como observado, são deveres e obrigações contínuas. Na sua forma mais simples, as "heranças" são exigências legais que se aplicam a todos os negócios, sejam ou não insolventes, sejam ou não vendidos. Quando as empresas de energia elétrica da Califórnia tiveram problemas, vários clientes me perguntaram se um tribunal de falências poderia permitir-lhes aumentar o preço cobrado pela energia elétrica, apesar da legislação da Califórnia impor um teto a tais preços. Respondi perguntando se um tribunal de falências poderia autorizar a empresa a vender heroína, apesar da legislação em vigor sobre drogas. A resposta, evidentemente, é "não" em ambos os casos. Independentemente de estar insolvente ou falida, toda a empresa deve observar a legislação trabalhista, ambiental, bem como as leis relativas a higiene e segurança. Todas as empresas devem observar a legislação de patentes, marcas registradas e propriedade intelectual. Porém, a exigência da continuidade de outras obrigações é menos evidente. Antes da insolvência, uma empresa tem contratos que impõem obrigações continuadas - dissídios coletivos, recolhimentos a fundos de pensão e aposentadoria, obrigações de comprar bens ou serviços por um período de tempo, contratos para alugar ou usar imóveis. Essas obrigações podem ser pesadas, na medida em que representam acertos que não são mais interessantes. O aluguel de um escritório é um mau negócio quando caem os preços de mercado para aluguel de escritórios e há escritórios disponíveis por menor preço. Um contrato de longo prazo de licenciamento de tecnologia ou de aluguel de equipamentos é um mau negócio quando a tecnologia ou os equipamentos se tornam obsoletos.

Moratória-ou-Venda versus Capítulo 11

A moratória geralmente começa como algo "voluntário", isto é, os credores concordam em não exercer seu direito legal ao pagamento. A moratória voluntária é difícil de organizar e intrinsecamente instável, pois qualquer um dos credores pode, insistindo nos seus direitos, levar outros a abandonar a moratória. Algumas leis impõem moratória aos credores por certo período de tempo. Quando uma empresa está insolvente porque não pode pagar suas dívidas, a moratória permite que ela continue funcionando. Não é, porém, uma solução permanente para os problemas de uma empresa insolvente. Salvo se a insolvência for causada por um problema único ou cíclico - pouco provável em empresa da "nova economia" - a moratória mantém a dívida no balanço. A moratória dissuade novos credores a fornecer o crédito do qual a empresa (especialmente empresa da nova economia) pode precisar para sobreviver. Ao mesmo tempo, a prorrogação da data de vencimento (porque é isso que a moratória faz) diminui o valor do débito nas mãos dos credores. Assim, a moratória não atende às necessidades de longo prazo nem da empresa, nem dos credores.

A venda do negócio apresenta outros problemas.

Teoricamente, qualquer empresa insolvente pode ser vendida. Os administradores poderão perder seus empregos, os acionistas poderão perder seus investimentos, e os credores podem receber apenas uma parte daquilo que reclamam, mas muitos países têm leis que mantêm os trabalhadores trabalhando, os novos donos podem decidir quais contratos manter e quais rescindir, e uma venda não precisa acarretar muitas mudanças, salvo o nome na porta (e os nomes dos executivos).

Na prática, a venda pode não maximizar o retorno aos credores porque o vendedor precisa vender e os compradores (geralmente) não precisam comprar. De importância mais sistêmica, porém, é que uma venda tende a requerer dinheiro vivo do comprador justamente quando há pouca disponibilidade. As insolvências ocorrem em ondas. Geralmente as ondas estão vinculadas à recessão que permeia toda a economia e à falta de crédito. Os compradores em potencial podem não ter acesso a dinheiro ou crédito que lhes permitiria adquirir empresas insolventes. Mesmo aquelas empresas cujas crises são causadas por excesso de dívidas geralmente necessitam de aporte adicional de recursos para as despesas operacionais (incluindo heranças) ou para investimentos de capital, e os compradores em potencial podem não ter acesso a dinheiro ou crédito suficientes para pagar pelos ativos (isto é, pagar parte da dívida) e financiar adequadamente as operações.

As principais vantagens da venda são:

· pode ser mais rápida e,
· minimiza os custos dos serviços dos administradores.

Como no modelo moratória-ou-venda, o Capítulo 11 impõe moratória a todos os credores, através de uma "dilação automática" da ação dos credores enquanto durar o enquadramento no Capítulo 11, mas esse modelo vai além porque incentiva investidores a emprestar dinheiro novo à empresa durante os procedimentos judiciais, estipulando que os novos empréstimos serão pagos antes dos empréstimos não-garantidos contraídos antes da falência. O Capítulo 11 também elimina os juros sobre empréstimos não-garantidos.

Finalmente, e isso é o mais importante, o Capítulo 11 permite que um negócio insolvente satisfaça seus credores mediante a emissão de títulos (inclusive participação no capital) para honrar suas dívidas sob um "plano de reorganização", desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos básicos:

· Os credores devem receber, pelas dívidas que detêm, pelo menos o mesmo que receberiam se a empresa fosse vendida em processo de liquidação.
· Os credores têm o direito de votar em um plano que separa em classes de débito baseados nos diferentes graus de garantia.

O Capítulo 11 aumenta o valor da conversão de dívida em capital permitindo que certas heranças, que de outro modo teriam que ser pagas em dinheiro ao longo do tempo, sejam convertidas em dívidas que podem ser pagas com títulos patrimoniais. Por exemplo, uma empresa que celebrou contratos onerosos para a aquisição de bens (como uma empresa de telecomunicações que adquiriu, por um valor acima do mercado, o direito de utilização de uma linha telefônica de longa distância), de mão de obra (por exemplo, com um sindicato), ou para pagamento de aposentadorias e pensões, pode "rejeitar" esses contratos. Antes da rejeição, os contratos eram heranças, para serem pagos ao longo do tempo; após a rejeição, as obrigações futuras nos termos dos contratos são capitalizadas como dívidas.

O mais importante é que os credores que recebem participação no capital em troca das dívidas podem geralmente negociar esse capital, por duas razões. Em primeiro lugar, o processo falimentar atende às exigências de leis que de outra forma restringiriam a emissão e vendabilidade de títulos emitidos para credores. Em segundo lugar, há um mercado ativo tanto para dívidas pré-reorganização como para capital pós-reorganização. Esse mercado existe mesmo para dívidas (e capital) de empresas cujas ações não eram publicamente negociadas antes da falência. Uma empresa insolvente nos termos do Capítulo 11 deve apresentar um cronograma de suas dívidas, relacionando o nome e endereço de cada credor. Essa informação geralmente não está disponível antes do Capítulo 11. Uma vez disponível, corretores (dealers) e investidores irão procurar os credores e fazer ofertas pelas dívidas que tais credores detêm. Assim, a utilização do Capítulo 11 cria um mercado de dívidas, que por sua vez cria um mercado para o capital pós- reorganização. Como o valor do capital depende em grande parte da existência de um mercado, a criação de um mercado por parte do Capítulo 11 cria valor tanto para a empresa como para seus credores. Os credores se beneficiam porque a participação no capital que recebem vale mais. A empresa se beneficia porque, na medida em que os credores estão mais dispostos a receber capital negociável em troca de suas exigibilidades, elas precisam levantar menos recursos para se reorganizar.

Problemas com o Capítulo 11

O Capítulo 11 certamente não é um processo perfeito. Seu problema principal é o custo dos administradores. Esse custo deveria ser apenas uma compensação, a valores de mercado, a executivos, advogados, contadores e consultores financeiros que administram o negócio e os procedimentos do Capítulo 11. Essas pessoas executam um serviço necessário e muitas vezes fatigante. Para administradores, gerenciar uma empresa falimentar é geralmente menos motivador e certamente não menos difícil que dirigir uma empresa bem-sucedida. Os administradores de uma empresa insolvente quase certamente perderam o valor de ações durante a débâcle da empresa em direção ao Capítulo 11. Para os profissionais, os honorários no Capítulo 11 são examinados não apenas pelos seus clientes, geralmente sem muito dinheiro disponível, mas também por um escritório do Departamento de Justiça e pelo juiz da falência. Assim, quase certamente há menos oportunidade para esses profissionais cobrarem honorários excessivos em importantes casos do Capítulo 11, onde cada centavo é contado três vezes, do que em grandes transações empresariais ou litígios importantes.

Apesar disso, há notícias de abusos por parte dos administradores no controle do processo, com o objetivo de arrancar aumentos salariais para os executivos. Os profissionais têm sido acusados de prolongar os casos para maximizar seus honorários. Embora os administradores sempre tenham alguma condição de abusar do controle sobre uma empresa, o seu controle é maior nos casos do Capítulo 11 porque há uma ruptura dos mecanismos existentes de administração empresarial. Quase ninguém consegue demitir o conselho de administração de uma empresa que se encontra no Capítulo 11. Na legislação não-falimentar, os acionistas têm o direito de demitir o conselho de administração. Porém, a maioria das empresas "insolventes" não possui nenhum valor que exceda suas dívidas. Assim, os acionistas estão "fora do jogo", isto é, não possuem interesse econômico no negócio. Os tribunais de falência muitas vezes proíbem acionistas "fora do jogo" de demitir o conselho de administração de uma empresa, sob a alegação que o conselho (e os administradores por ele contratados) "trabalham para todos", inclusive para os credores. Os credores podem não gostar do conselho ou dos administradores, mas não têm o direito de votar pela sua manutenção ou não nos cargos. O único remédio à disposição dos credores é pedir ao tribunal de falências que o conselho seja substituído por um curador. O tribunal de falências raramente indica um curador, exceto se ficarem demonstradas práticas desonestas por parte dos administradores. Por razões históricas, a lei americana de falências não imputa à administração pré-falimentar culpa pela insucesso do negócio.

O Capítulo 11 não apenas mantém os administradores nos seus cargos, mas lhes dá o direito exclusivo de propor um plano para os primeiros 120 dias sob o Capítulo 11. Esse "período exclusivo" é normalmente prorrogado pelos tribunais de falência. Os administradores podem aumentar ainda mais seu controle sobre a empresa no Capítulo11 mediante a negociação de acordos em separado para obter apoio de credores. Por exemplo, os credores com garantias que reivindiquem pagamento de juros sobre os valores que lhes são devidos podem ter que concordar em não desencadear ações com as quais a administração discordar. Um litigante que esteja fazendo um acordo pode ter que concordar em apoiar apenas aqueles planos de reorganização que são propostos pela administração.

É difícil reduzir o poder dos administradores no Capítulo 11. O modelo de moratória-ou-venda pressupõe que os credores aprovem a administração em relação à moratória ou que o negócio será vendido a um comprador que terá seus próprios administradores, ou seja, os administradores subsistem com base na tolerância de terceiros ou são substituídos.

Contrariamente, o Capítulo 11 supõe que os administradores de antes da falência irão dirigir o negócio. Embora o Capítulo 11 permita a venda da empresa, não obriga o leilão. Se um comprador apresentar uma proposta para a aquisição da empresa, os administradores não têm obrigação legal explícita de examinar ou responder à proposta e os tribunais têm sido inconsistentes na imposição de tal obrigação.

Apesar disso, para empresas da "nova economia", os perigos de abusos por parte dos administradores geralmente pesa menos que as vantagens dos procedimentos do Capítulo11, em comparação à venda da empresa. Nos casos em que a empresa da "nova economia" foi criada pelo brilhantismo técnico de um gênio, faz mais sentido supor a permanência do gênio (como no Capítulo 11) do que supor a venda da empresa a donos outros que não o gênio (como no modelo moratória-ou-venda). Nos casos em que a empresa da "nova economia" está insolvente em razão do custo do serviço das dívidas contraídas para pagar pelas instalações, imóveis, equipamentos ou tecnologia, a conversão dessas dívidas em capital nos termos do Capítulo 11 permite que a empresa empregue o capital novo para o seu futuro e não para o seu passado.

Entretanto, quando a empresa da "nova economia" está insolvente porque não pode pagar pelo que precisa - quando não consegue cobrir seus custos operacionais, independentemente do serviço das dívidas - o negócio não tem futuro. Nem o Capítulo 11 e nem o modelo moratória-ou-venda podem ajudá-la. É por isso que a maioria das empresas da Internet não sobrevive no Capítulo 11. É também por isso que a assessoria das empresas de eletricidade da Califórnia admitiu - por escrito - que o Capítulo 11 não lhes oferece ajuda. O problema dessas empresas não é o excesso de dívidas. O seu problema é que não podem cobrar de seus clientes o suficiente para cobrir os custos da energia elétrica. A lição do Capítulo 11 é que uma empresa que é incapaz de pagar suas dívidas deve pertencer aos seus credores, mas uma empresa incapaz de pagar pelo que precisa deve pertencer a novos investidores. Sem isso, o novo investimento não será feito.

Conclusão

A comparação entre o Capítulo 11 e a moratória-ou-venda contém algumas lições que transcendem a escolha entre os dois modelos. Como observado, o universo da empresa insolvente é dominado pela dívida, o capital e as heranças. A dívida e o capital podem ser ajustados, convertidos ou eliminados sob o Capítulo 11 ou o modelo moratória-ou-venda. As heranças não podem. Assim, quanto maiores as heranças de uma empresa, menor sua probabilidade de sobreviver.

Uma sociedade pode decidir converter as heranças em dívidas, para que as heranças possam ser tratadas no processo de insolvência. O Capítulo 11 faz isso até certo ponto. Uma sociedade também pode decidir converter dívidas em heranças. Este é o problema final do modelo de moratória-ou-venda. Quando a venda é impensável ou impossível (quando, por exemplo, o devedor é um país soberano) a moratória é a única opção. Ao longo do tempo, a moratória ou destrói o valor das dívidas, como no Brasil e em muitas outras sociedades inflacionárias, ou converte as dívidas em heranças politicamente intocáveis, como no caso de reestruturação de dívidas de países soberanos.

Portanto, o modelo moratória-ou-venda é passível de corrupção, porque o valor das dívidas da empresa insolvente torna-se função do poder político dos credores. O ajuste das dívidas não depende das necessidades da empresa mas de fatores não-econômicos. Os políticos não têm coragem para resolver dívidas antigas porque devem favores políticos aos credores, e essas dívidas antigas desencorajam os investidores a promover o necessário aporte de novos recursos. Enquanto os credores praticam lobby e os políticos discursam, o país passa fome ou a empresa morre. Nós vimos isso acontecer em muitos países em desenvolvimento e suas principais empresas. Temo que veremos isso em breve na Califórnia, onde as empresas de energia elétrica precisam de dinheiro novo para sobreviver (na forma de aumento de preços), mas o estado, como fonte de dinheiro novo, nega-se a insistir, como qualquer investidor privado insistiria, na propriedade dessas empresas em troca do dinheiro novo. Espera-se que a negativa por parte da Califórnia de eliminar os credores existentes dessas empresas não tenha relação com as contribuições de campanha aos políticos californianos, feitas pelos principais credores.

THOMAS MOERS MAYER, sócio do escritório de advocacia
Kramer Levin Naftalis & Frankel, de Nova York,
especialista em direitos do credor e falências

Tradução de Istvan Vajda