Ações, debêntures e fundos podem ajudar a restabelecer empresas
Com a nova Lei de Recuperação e Falências, os credores de empresas em dificuldade financeira têm a chance de reaver seus créditos com o uso do mercado de capitais, entre outras opções.
Varig, Vasp, Panashop, Parmalat. São algumas das empresas que já buscam socorro na nova Lei de Recuperação e Falência. Os primeiros planos de recuperação, nos quais as empresas desenham as estratégias a serem utilizadas para o restabelecimento financeiro, começam a ser apresentados. Entre os instrumentos disponíveis está o mercado de capitais. Abertura de capital, emissão de ações, de debêntures ou a criação de fundos de participação poderão dar um auxílio às empresas em dificuldades: obter recursos com custo inferior ao do mercado financeiro, alongar dívidas e ainda comprovar que há investidores que acreditam nelas.
Muitas vezes visto como uma opção distante, o mercado de capitais não exige que as empresas estejam em sua melhor saúde financeira, basta que reconheçam o diagnóstico de suas condições e sejam transparentes. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que cuidam do registro, fiscalização e realização destas operações, não entram no mérito da condição financeira da empresa. "O que interessa é que no prospecto das operações esteja claro os riscos das mesmas", diz Carlos Alberto Rebello Sobrinho, superintendente de registros da CVM.
Ao editar em 2004 a Instrução Normativa 391, que trata dos Fundos de Investimentos em Participações, a CVM se antecipou à entrada em vigor da nova Lei de Recuperação e Falência e regulamentou um fundo destinado a empresas nesta situação. De acordo com o primeiro parágrafo do artigo segundo, os credores das empresas em recuperação judicial podem subscrever as cotas de um fundo com os créditos que têm a receber. Ao protocolar o registro tanto do fundo como das cotas na CVM, já podem vender participações a investidores qualificados.
"Além da possibilidade de levantar recursos, é uma forma ágil e eficiente de reunir os credores", afirma Rebello. Desta forma, é possível alinhar o interesse de todos os credores. Rebello não descarta os outros tipos de operações, como emissão de debêntures e até abertura de capital da empresa com emissão de ações, mas o fundo de participação têm um trâmite mais rápido e a empresa pode manter capital fechado. Para o uso deste mecanismo seria necessário apenas a vontade dos credores e a viabilidade da empresa.
Uma possibilidade de obtenção de recursos, sem o alto custo atual do mercado financeiro, como a ida ao mercado de capitais não pode ser descartada na recuperação judicial das empresas. Para Luiz Antônio de Sampaio Campos, advogado do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, o mercado de capitais pode se mostrar um ótimo instrumento para financiar: com custos menores que os obtidos em instituições financeiras. Além disso, em operações no mercado de capitais é possível conseguir preços melhores do que os oferecidos por um investidor direto, como no caso da compra de parte da empresa em uma venda direta a outra empresa. "O mercado tem se mostrado apto e viável para financiar a economia", diz. Em termos de instrumentos e de possibilidades está tudo pronto.
Há um receio, porém, de como ficaria a situação, se as operações não tivessem sucesso. "Ainda não sabemos como a recuperação judicial se desenvolverá no Brasil, mas em outros países os índices de efetivo restabelecimento das empresas são baixos", afirma o juiz Alexandre Alves Lazzarini, da recém-criada 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo. "Não sabemos o tipo de abalo que uma decretação da falência de uma empresa com operações no mercado, poderia ocasionar".
Antes da nova Lei de Recuperação e Falência entrar em vigor em junho deste ano, quando havia apenas a possibilidade da concordata como uma chance para a empresa não ter sua falência decretada, uma situação similar acontecia. Na concordata, o processo visava praticamente apenas o prolongamento do prazo para o pagamento das dívidas das empresas. Não havia a preocupação da empresa conseguir manter suas atividades e se restabelecer. Mesmo assim, quando empresas, que tinham ações na Bolsa, entravam com o pedido de concordata, havia o comunicado da nova situação e as operações eram suspensas. Depois do deferimento da concordata, os papéis voltavam a ser negociados, com o esclarecimento de se tratar de um situação especial.
"O mercado de capitais é um mercado de risco. O papel da Bovespa e da CVM não é entrar na discussão sobre a viabilidade financeira da empresa, mas garantir que o investidor esteja ciente de todos o riscos daquela aplicação", afirma Luiz Eduardo Martins Ferreira, consultor jurídico da Bovespa. "Se o investidor quiser aplicar em uma empresa em recuperação judicial, ele tem que saber do risco que está correndo", diz. Sua proteção é a informação.
Hoje existe mercado interessado em investir nestes tipos de papéis. "Acompanhamos toda a discussão da nova Lei de Recuperação e Falências porque há investidores, inclusive estrangeiros, interessados em aplicar nestas empresas", afirma Luiz Vasco Elias, gerente de Corporate Finance da Delloite. São investidores que direcionam parte de seus investimentos para os chamados junk bonds - papéis de alto risco. O atrativo nestas operações seria a compra de títulos com um bom deságio, ou seja, um papel, por exemplo, com valor de R$ 10 comprado por R$ 5. "O baixo custo e a expectativa de um bom retorno, atrai o investidor", diz Elias.
A dificuldade da empresa muita vezes está vinculada à figura do acionista controlador. "Alienando o controle, pode mudar a percepção de crédito da companhia e seus papéis tornam-se atraentes", diz Sampaio Campos, do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. "Investidor para um determinado nível de preço e risco sempre há. O importante é a perspectiva de recuperação e o ganho que está embutido". Para a empresa que já é credora da empresa em recuperação pode valer ainda mais, pois pode evitar as perdas do que já foi gasto.
O advogado Arnold Wald, entusiasta do uso do mercado de capitais para recuperação de empresas, avalia que o fundamental é verificar se a empresa realmente tem condições de se reerguer. "O problema da empresa em recuperação normalmente não é econômico, mas de caráter financeiro". Com a captação de recursos no mercado de capitais, há efetivamente a chance de bons resultados. "Ao efetuar operações desta natureza, outro ponto que deve ser destacado é a adoção de práticas de governança corporativa, o que garantirá uma maior transparência das informações da empresa".
Quanto ao custo das operações, uma preocupação por parte do Judiciário e do Ministério Público, o caminho parece ser o da discussão e da consulta. Segundo estudo apresentado pelo Ministério Público Estadual de São Paulo, em outros países, como Alemanha e Argentina, onde o instituto já está em vigor há mais tempo, são poucos os casos de aplicação da recuperação judicial por conta do alto custo para demonstrar a viabilidade econômico-financeira do plano. "Normalmente, as empresas em crise não têm como suportar estes gastos", afirma Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos, promotor de Justiça de São Paulo.
Sampaio Campos, do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, diz que a diferença poderá ocorrer com a participação efetiva dos credores. "A nova lei deixa muito claro que a intenção é um ajuste entre credores e devedor. O papel dos credores será muito importante na definição do próprio plano de recuperação pois, além aprovarem, podem discuti-lo", afirma. É preciso verificar a viabilidade da empresa, afinal há o interesse em mantê-la em atividade, até para reaver os créditos devidos.
Para operações no mercado de capitais, a CVM abre uma série de possibilidades em que existe a dispensa de diversos requisitos. "Se for a oferta for feita apenas para investidores qualificados ou somente a credores, aumentam os números de dispensa, e reduz custos", diz Sampaio Campos. "E está em estudo na CVM a aprovação de uma instrução normativa que tratará dos níveis de companhias, o que permitirá reduzir custos, dependendo do perfil da empresa". Com um tratamento diferente para empresas diferentes, o acesso ao mercado poderá ser mais fácil. Na Bovespa, a instituição discute caso a caso. "Qualquer dúvida relacionada a eventuais operações no mercado de capitais por parte de empresas em recuperação judicial, basta solicitar informações à superintendência de relações com empresas para tratar da parte do registro e, posteriormente, a mesma seção e a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) poderão dar informações sobre a parte operacional e de liquidação", diz Luiz Eduardo Martins Ferreira, consultor jurídico da Bovespa.
* notícia enviada pelo Ilmo. Cruz-Maltino Dr. Gabriel de Oliveira Marques
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário